Pronunciamentos

DEPUTADA LOHANNA (PV)

Discurso

Comenta a liberdade de expressão, ressaltando a importância que ela não seja irrestrita e que esteja sujeita à legislação brasileira. Enumera exemplos de danos causados pela liberdade irrestrita de expressão, entre os quais a queda nas taxas de vacinação contra sarampo, motivada, segundo ela, pela disseminação de fake news a respeito da eficácia e da confiança das vacinas. Defende a atuação do Poder Judiciário neste sentido.
Reunião 11ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 11/04/2024
Página 65, Coluna 1
Indexação

11ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 9/4/2024

Palavras da deputada Lohanna

A deputada Lohanna – Gente, boa tarde. Boa tarde a todos os colegas deputados; boa tarde ao presidente; boa tarde aos servidores, que fazem esta reunião possível; boa tarde a quem nos assiste.

Presidente, eu pensei muito se eu subiria, hoje, para falar sobre esse assunto ou não. Pensei, pensei, pensei! Refleti demais se valeria a pena eu me posicionar sobre isso ou não. Tem uma frase antiga, que é uma frase que eu dizia muito quando eu era vereadora – sabe, presidente? –, que eu me nego, eu me nego com firmeza a bater palmas para gente sem noção dançar. Acho que esta é uma coisa que a gente precisa manter como uma decisão: toda vez que a política institucional dá atenção a uma bobeira, a gente deixa de dar atenção às coisas sérias. Aí as cortinas de fumaça tomam conta do noticiário, e o povo continua passando fome, o povo continua se acidentando em rodovia ruim, o povo continua sem acesso a medicamento importante, e a gente aqui discutindo sobre o sexo dos anjos e moinho de vento. Mas eu precisava subir aqui, na tribuna, pelo nível de ataque à democracia que este país está sofrendo. Eu queria começar essa conversa trazendo o paradoxo da tolerância do Karl Popper, que é um filósofo alemão que discutiu com profundidade sobre como a gente não pode tolerar os intolerantes. O discurso da tolerância absoluta, deputada Bella, inequivocamente, vai fazer com que a gente tenha que tolerar pessoas que atuam contra a tolerância, pessoas que atuam contra o bem-estar social, pessoas que atuam contra os direitos humanos, pessoas que atuam contra a construção de um Estado e de um País para todos e que respeite todos. Então a gente tem uma certeza muito séria: defender a tolerância exige que a gente não tolere o intolerante. Então esse é o paradoxo da tolerância sobre o qual eu queria começar falando hoje.

O discurso, presidente, da liberdade de expressão irrestrita já causou muito dano para este país, já causou dano, que é para a gente fazer lista e, para a gente chegar até o final sem conseguir ter chegado a todas as abordagens que a gente precisava fazer, de tanto dano. Aí eu separei só três pontos, presidente, para trazer aqui hoje: em 2016, no contexto da eleição americana, aconteceu o Pizzagate, deputado Leleco, em que aquela organização QAnon, uma organização da extrema-direita, começou a disseminar, nas redes sociais, que uma pizzaria, em Washington, que era um ponto de arrecadação de doações para as campanhas dos democratas, era um ponto de distribuição de material de pedofilia e um ponto onde pedófilos poderosos americanos se reuniam. Isso circulou tanto pelas redes da extrema-direita americana que aconteceu, em 2016, uma tentativa de fuzilamento. Um senhor armado com um fuzil invadiu a pizzaria disposto a fazer justiça com as próprias mãos.

Uma outra situação que eu quero trazer é sobre a invasão do Capitólio, que aconteceu no início de janeiro do ano em que o Trump perdeu, e o 8 de janeiro aqui, no Brasil, dois movimentos, presidente, que aconteceram porque os apoiadores políticos do Trump nos Estados Unidos e os apoiadores do Bolsonaro no Brasil não aceitavam a derrota daqueles que foram derrotados. Aí a pessoa não aceita a derrota nos Estados Unidos e invade o Capitólio para tentar impor, pela força, a permanência daquele que eles defendiam que fosse o presidente da República. No 8 de janeiro, os bolsonaristas não aceitaram a derrota no Brasil e invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Poder Executivo – Palácio do Planalto –, para tentar impor sua vontade, impor o governante que eles queriam. Não aceitaram a derrota. E tudo isso, presidente, foi fomentado pelas fake news e pela liberdade de expressão irrestrita. Circulou, nas redes sociais, livremente, discurso falando que a urna eletrônica era fraudada, discurso falando que elas não eram confiáveis. E aí, presidente, isso tem consequências muito sérias, porque, nos Estados Unidos, eles também dizem que a eleição foi fraudada. Mas lá a eleição é de papelzinho, como eles queriam que fosse aqui, e aqui é urna, mas também não é confiável. Lá é papel, e não é confiável; aqui é urna, e não é confiável. É porque no fim do dia, presidente, só é confiável quando o candidato deles vence. É só assim que a eleição é confiável.

E o último exemplo que eu quero trazer do impacto das fake news e da suposta liberdade de expressão irrestrita é a queda nacional na taxa de vacinação. O presidente acabou de falar sobre a importância de a gente se vacinar. Eu acabei de tomar a minha vacina. A maior parte dos deputados e das deputadas se vacina, vacina seus filhos, pede para que seus pais e suas mães idosos se vacinem, e a gente está enfrentando o momento de maior queda nacional dos índices de vacinação. Professor Cleiton, a gente está com índices tão escandalosos da vacina do sarampo, que a gente chegou a pouco mais de 60% de vacinação da segunda dose da Tríplice, que é justamente a vacina que protege contra o sarampo. O Brasil já tinha sido premiado pela Organização Mundial da Saúde por ter atingido níveis baixíssimos, praticamente indetectáveis de contaminação por sarampo no território nacional, e a gente voltou atrás, a gente retrocedeu. Mas por que a gente retrocedeu, presidente? Será que um dia o povo brasileiro acordou e decidiu que não precisava mais se vacinar, que não era mais importante se vacinar? Eu não acredito nisso. O que aconteceu foi uma campanha orquestrada, financiada por milionários, bancada por algoritmos, que facilitaram a propagação dessas informações porque elas dão mais engajamento, dizendo que as vacinas não eram confiáveis, dizendo que vacina causa autismo, dizendo que quem se vacina vira jacaré, que vacina vai dar problema hormonal. Tudo quanto é coisa absurda sobre as vacinas foi dito. E aí, presidente, a gente está falando de um país que é um orgulho mundial de vacinação. Esta é a posição histórica do Brasil: a posição de um País que é um orgulho pela capilaridade e capacidade que tem de vacinar e de garantir saúde e segurança para o seu povo.

E aí, gente, a gente precisa ser muito claro. Liberdade de expressão não é irrestrita. Você não é livre, deputado Cristiano – eu sei que você não faria isso nunca, mas é um exemplo –, a gente não é livre para dizer que uma rede de pedofilia se organiza numa pizzaria porque o dono da pizzaria apoia um candidato diferente do que eu apoio; a gente não é livre pra dizer que o sistema eleitoral, que colocou o Arantes aqui, que colocou o Cristiano, que colocou o Leleco, que colocou a Bella, que colocou o Celinho, que me colocou, que colocou todos os deputados desta Casa aqui dentro não é confiável. A gente não é livre para dizer que vacinas causam câncer. E aí parece que eu estou dizendo o óbvio, mas a gente está num cenário tão maluco como sociedade que o óbvio também precisa ser dito – ser dito, repetido, dito mais uma vez. E a gente tem um cenário muito importante que é observar que, esse argumento da liberdade de expressão irrestrita só serve a um fim, a um fim: facilitar o cometimento de crimes. No País, quando a gente analisa de 2015 para frente, mais do que triplicou o número de células neonazistas identificadas e mapeadas por estudiosos. Se a liberdade de expressão for irrestrita, presidente, de repente alguém pode resolver falar, como a antiga ciência já falou, que negro é inferior a branco, que mulher não deve ter liberdade para trabalhar ou quem sabe falar que os pardos são uma categoria intermediária, então precisam ganhar menos mesmo.

Tudo isso é surreal, tudo isso é absurdo. Ninguém tem o direito de emitir nenhuma dessas opiniões, que são opiniões criminosas e têm que ser tratadas como criminosas. Então quando alguém, em nome de uma suposta defesa da liberdade irrestrita, alega que não existe crime de opinião, essa pessoa precisa, de fato, consultar a Constituição do país em que vive. No Brasil, a gente não tem liberdade de expressão irrestrita, a liberdade de expressão é um direito relativo, é fundamental, é um direito que, quando esbarra no cometimento de infrações ou de crimes contra outros cidadãos, deixa de ter seu valor. A gente não pode falar o que a gente quer, expressar o que a gente pensa, se o que a gente pensa é algo criminoso. Não, a gente não pode fazer isso.

É importante a gente relembrar que, quando a gente está numa sociedade democrática, todos os nossos conflitos são resolvidos no Judiciário. Presidente, quem está falando aqui não é uma deputada que assina em baixo de todas as decisões do STF; quem está falando aqui não é uma deputada que acha que o Alexandre de Moraes é o bastião da democracia brasileira. Eu não sou essa pessoa. Inclusive eu tenho memória e me recordo de quando o Alexandre de Moraes foi parar no STF pelo Michel Temer. A gente tem uma situação muito clara de que o Judiciário é o espaço responsável por resolver os nossos conflitos, enquanto sociedade, seja por uma omissão, seja por um caso de constitucionalidade, de foro privilegiado ou por outros aspectos em que o STF precisa entrar para facilitar o entendimento e as decisões da sociedade. Entender que o Judiciário não vai tomar decisões com as quais a gente sempre concorda é fundamental para que inclusive, enquanto sociedade e enquanto políticos, a gente possa se mobilizar para mudar aquilo com que não concordamos na legislação.

Celinho, a gente tem um exemplo muito recente: acabou de ser votado o fim da saidinha. O fim da saidinha foi votado por uma mobilização da sociedade. É só na democracia que a sociedade pode se mobilizar e pautar o Parlamento. A Lei da Ficha Limpa foi votada há poucos anos porque a sociedade se organizou e pautou o Parlamento sobre as questões de seu interesse. Então, por mais que a gente eventualmente discorde do Judiciário – em muitas coisas eu discordo –, a única alternativa que a gente tem é seguir as decisões judiciais, quer a gente concorde ou não com elas. A única alternativa que nós temos ao Judiciário é a barbárie, é a pólvora, é o sangue, é a morte. No dia em que a palavra falha, no dia em que a política falha, só nos resta a barbárie. Então a gente precisa garantir que, mesmo quando não há concordância com a decisão judicial, primeiro, as pessoas tenham o direito a entrar com seus recursos, e, uma vez que esses recursos não tenham sucesso, que as decisões judiciais sejam cumpridas. É absurdo ter que falar que decisão judicial precisa ser cumprida, mas o Brasil virou isso. A gente tem que falar que vacina não dá câncer; a gente tem que falar que decisão judicial tem que ser cumprida. Esse é o nível da discussão a que a gente chegou.

No fim do dia, presidente, a gente precisa lembrar também a nossa história. A esquerda perdeu várias eleições no País, várias. Se formos fazer as contas, veremos que a gente muito mais perdeu do que ganhou. Em 2018, quando o Haddad perde a eleição, rapidamente ele vai para as redes sociais parabenizar o presidente Bolsonaro, que havia sido eleito. A gente não se organizou para poder tomar o poder e quebrar o Congresso e fazer confusão, a gente foi para a oposição, e é assim que acontece numa democracia. Quando a gente perde, a gente tem que curar as nossas feridas, se preparar para ser melhor na próxima, e ir para a oposição enquanto o processo acontece. Quando a gente perdeu o governo de Minas, em 2022, e o Zema foi reeleito, nenhum dos deputados desta Casa levantou um atentado ao governador e uma tentativa de ocupação da Cidade Administrativa. A gente permanece na oposição, permanece em luta, permanece lutando pelas nossas pautas, permanece com o nosso trabalho, como tem que ser. A democracia é isso. Mas quando o presidente Bolsonaro, hoje ex-presidente, perde a sua reeleição, o que a gente vê é um atentado à democracia fomentado pelo discurso da liberdade irrestrita, de que supostamente as pessoas podem dizer aquilo que elas querem dizer, e elas não podem. A gente não pode falar o que a gente quer se o que a gente quer dizer for crime, se o que a gente quer dizer ameaça algum grupo minoritário da sociedade ou se o que a gente quer dizer for algum tipo de expressão de ódio. Não, a gente não pode.

Então, presidente, eu fico extremamente triste de ter que gastar meu tempo, gastar o seu tempo, presidente, gastar o tempo dos colegas deputados para subir à tribuna para falar esse monte de coisa óbvia, ou que deveria ser óbvia. Mas, em momentos em que a nossa democracia está tão fragilizada, em que reconstruí-la está dando tanto trabalho, em que os embates estão extrapolando, e muito, a arena democrática… Em momentos assim, o que me resta é subir aqui e falar isso. Quero dizer que, enquanto a gente tiver a democracia, a gente tem solução. A gente vai poder discordar da lei e se organizar para mudá-la; a gente vai poder se organizar… Se você não está feliz com o Supremo, organize-se para que o Senado vote pautas que são importantes para limitar o poder do Supremo. Aí o Supremo vai ter que dialogar mais com o Congresso. Organize-se, mobilize-se. Você pode fazer isso; você está num país democrático. Em relação a toda legislação que não é do nosso acordo, a gente pode se organizar para mudá-la.

Então, presidente, eu queria deixar registrada essa posição. Eu tenho certeza de que eu posso falar isto pelo Professor Cleiton, pelo Caixa, pelo Betinho: o PV não compactua com esse tipo de coisa. Temos muita expectativa de que a democracia seja o lugar em que tenhamos condição de resolver não todos, mas boa parte dos nossos problemas, enquanto sociedade. Obrigada.