Pronunciamentos

DEPUTADO CRISTIANO SILVEIRA (PT)

Discurso

Destaca o transcurso do Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Informa a respeito de seu trabalho, como parlamentar, sobre esse tema. Defende a aprovação, em 2º turno, de projeto de lei de sua autoria que institui o Sistema Estadual de Atendimento Integrado à Pessoa com Transtornos do Espectro Autista no Estado e dá outras providências.
Reunião 10ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 04/04/2024
Página 62, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas PL 2218 de 2020

10ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 2/4/2024

Palavras do deputado Cristiano Silveira

O deputado Cristiano Silveira – Prezado presidente, nobres colegas, público que nos acompanha. Venho a esta tribuna no dia de hoje, presidente, para que também possamos celebrar o Dia Internacional de Conscientização sobre o Autismo.

Na verdade, não é algo que a gente faz somente nesse dia; a gente faz durante todo o ano porque ninguém é autista somente no dia 2 de abril, as pessoas são autistas todos os dias, e o trabalho de conscientização precisa ser permanente. É claro que hoje a data é emblemática e faz com que, de uma maneira mais ampla, a gente consiga uma repercussão sobre o tema, sobre o assunto. Aqui, na Assembleia, eu tenho debatido essa questão desde o meu primeiro mandato. Eu era presidente da Comissão de Direitos Humanos, e, nessa comissão, sempre surgiam assuntos relacionados à inclusão da pessoa com deficiência, vários temas. A Comissão de Direitos Humanos trata de muita coisa, mas as pessoas começaram a nos procurar para falar sobre a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, e nesse caso também, via de regra, sempre tratávamos questões relacionadas à violação de direitos do público autista.

Ainda no meu primeiro mandato, eu tive a oportunidade de fazer uma das minhas primeiras indicações de emenda parlamentar, deputado Duarte, para um carro… A gente que é deputado gosta de destinar veículos para as entidades que fazem um trabalho social, Leleco, e eu destinei um carro para a Anda, uma associação dos autistas do Norte de Minas, Montes Claros. Eu fui lá e conheci o trabalho, conheci a sede, conheci as instalações, o que ali era feito. Aí comecei a conversar com os profissionais que trabalhavam ali: com o terapeuta ocupacional, com o psicopedagogo, com o psicólogo comportamental, com o neuropediatra, com familiares, e comecei a ter uma percepção um pouco maior sobre o que é o autismo. Na verdade, se a gente for parar para analisar e fazer uma pesquisa, verá que as pessoas supõem que sabem alguma coisa a respeito do autismo, mas o que a gente tem percebido, analisando, caminhando e estudando, é que o entendimento ainda é muito superficial, muito superficial.

Às vezes o autismo é confundido com uma série de coisas. Eu me lembro de que, quando eu era menino na escola, a gente tinha aqueles coleguinhas mais atentados, aqueles mais bagunceiros, aqueles que não tinham disciplina de jeito nenhum, aqueles que pareciam que estavam viajando o tempo todo, aqueles que não conseguiam focar às vezes na questão do processo de aprendizado. Eu acho que, se a gente pudesse voltar no tempo e tivesse a tecnologia, a metodologia, a ciência que temos hoje para diagnóstico, boa parte daqueles coleguinhas meus teriam o diagnóstico de autismo.

O que está acontecendo? O pessoal fala assim: “Mas, gente, é epidemia de autismo?”. Hoje parece que todo mundo está virando autista, não é isso? Não se trata de uma epidemia de autismo. É claro que sempre há o debate quanto a se há alguma circunstância que tem aumentado o número de incidência, ou se notadamente estamos falando de acessibilidade a um diagnóstico que antes a gente não tinha. Então vejam como é importante o diagnóstico, não é? A ciência evolui e consegue nomear melhor as coisas, significar melhorar as coisas, definir melhor as coisas, e, com esse avanço da própria ciência, hoje a gente consegue compreender o que é o transtorno do espectro autista, o que é o comportamento de um conjunto de pessoas que até então não se entendia necessariamente.

Existe um dado que é muito interessante. Quando a gente fala do diagnóstico do autismo, a gente parece que sempre está falando de criança, não é? Já pararam para perceber? Quando a gente fala de autismo, qual a primeira coisa que vem à cabeça sobre a imagem de um autista? Uma criança autista. Por quê? Porque a gente está falando de diagnóstico. A quantidade que temos de autistas adultos entre nós sem diagnóstico é de milhões de pessoas. Agora a gente começa a ter o chamado diagnóstico tardio. Via de regra, um dos pais costuma ter o diagnóstico de autismo quando o filho já foi diagnosticado, e ali você tem um diagnóstico tardio. Esse diagnóstico está ajudando as pessoas a se conhecerem. Muita gente fala assim: “Eu não fazia a mínima ideia do que ocorria comigo. Era uma angústia que eu vivia por não me entender, por achar que eu era diferente”. Hoje, através do diagnóstico, você consegue entender que você está ali dentro do espectro do autismo.

Esse trabalho na Comissão de Direitos Humanos, essa experiência com a Anda e com outras associações tornaram-se um processo de imersão na minha caminhada aqui, na Assembleia. Depois me procuraram e falaram assim: “Cristiano, você podia entrar com uma lei para nós, uma lei para o atendimento prioritário aos autistas”. Assim como existe o atendimento prioritário para gestantes, para pessoas com mobilidade reduzida, para pessoas idosas e para pessoas com deficiência, é importante que se garanta também a acessibilidade e o atendimento prioritário para os autistas. Aí eu comecei a estudar a respeito. Na primeira constatação a que nós chegamos, a Comissão de Constituição e Justiça falou assim: “Olha, nisso aqui você não está inovando, não, porque a Lei Berenice Piana, de 2012, já considera o autista sujeito de direito assim como as pessoas com deficiência”.

Então ele, de certa forma, já está contemplado na lei que normatiza e regulamenta o atendimento prioritário. Mas tínhamos um problema: a ausência do símbolo indicativo não criava essa condição do acesso ao direito. Se havia ali na placa indicativa o cadeirante, a pessoa com a bengalinha, a gestante, faltava o símbolo do autismo. As pessoas que sabem do que nós estamos falando, como é o perfil do autista, sabem que, na maioria das vezes, você não vai identificar apenas com um contato visual, o aspecto físico. Pode se passar por uma pessoa, abrem-se aspas, “normal”. Então a indicação do símbolo foi fundamental para informar os autistas, seus familiares e aquelas pessoas que trabalham no atendimento público e privado que ali elas teriam que atender um público em especial – elas teriam que compreender quem é esse público. Olha que interessante.

Deputado Duarte, foi muito legal. Eu achei que a gente teria uma dificuldade de fazer a lei caminhar, porque essas coisas de inclusão sempre têm um nível de resistência. Mas foi muito legal, porque rapidamente – pelo menos aqui em BH eu comecei a perceber isso, Leleco –, em shoppings centers, aeroportos, laboratório, supermercados, todos começaram a ter as placas indicativas. E hoje é lei em nível federal o atendimento prioritário para os autistas.

Nisso tudo, Duarte, no primeiro mandato, eu contei essa parte dessa história. No segundo mandato, eu já contei isso aqui na tribuna, mas eu faço questão de dizer, o Bernardo, meu menino nasceu e, com 1 ano e 8 meses, foi diagnosticado com autismo. A escola me chamou e falou: “Precisamos conversar sobre o Bernardo. Você tem que levar o menino para uma avaliação, porque ele destoa um pouquinho dos coleguinhas no que deveria ser o comportamento que a gente vê mais ou menos normal para a faixa etária. Ele tem algumas dificuldades”. Fizeram o relatório, fomos à neuropediatra, e ela falou: “Autista”. Era o diagnóstico. “O menino vai para a terapia ocupacional, vai para o fono, vai para o psicopedagogo, e vamos fazer o tratamento.” Nunca é fácil você receber uma notícia que o seu filho tem alguma deficiência – para família nenhuma é uma informação fácil. Mas eu acho que Deus foi me preparando, porque eu já vinha tendo contato com a luta, com as famílias e com os especialistas que eu acho que eu passei a entender tanta coisa que eu estava fazendo, Leleco. E o Bernardo – eu já contei isso para você – nasceu no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Então a gente já tinha uma caminhada na comissão, o menino nasceu, a gente tinha militado nessa pauta, e eu falei: “Então quer dizer que não dá para eu falar…” Por isso, no início da minha fala, eu falei: “Não tem como eu discutir a questão do autismo só no mês de abril, eu vou ter que fazer isso o tempo todo da minha vida, porque deputado a gente está, uma hora não está mais, entrega o mandato para o povo e agradece a ele a oportunidade que teve, mas pai de autista eu vou ser para o resto da minha vida.”

Por isso essa pauta é muito forte para a gente aqui. A gente tenta, junto com os colegas, assim como o deputado Duarte, a deputada Maria Clara, a deputada Nayara, o deputado Dr. Maurício e vários outros colegas, sempre trazer aqui essa pauta. Isso, para nós, é fundamental, porque precisamos fazer com que esse Legislativo seja um exemplo da inclusão social e da visibilidade desse público. Alguém pode falar assim: “Deputado, vocês estão falando só do autismo. E as demais deficiências?”. Falamos também. Eu já tive projetos aprovados para deficientes visuais aqui, faturas em braile, correspondência oficial. Agora, mais recentemente, já estamos com um projeto pronto para o Plenário que fala do desconto do IPVA para as pessoas com síndrome de Down. O projetinho está bacana, vai vir para o Plenário. Mas o que acontece com os autistas? Dentre o público invisibilizado, dentro da comunidade das pessoas com deficiência, talvez ele seja o mais invisibilizado ainda, justamente por essa dificuldade de caracterização e identificação visual de um aspecto de limitação, por exemplo, física, como ocorre nas deficiências físicas. Então a gente precisa avançar um pouco nesse sentido.

É nesse espírito que eu quero trabalhar para que a gente aprove aqui, ainda neste mês, em 2º turno, o plano estadual do atendimento integralizado para autistas. Faz um ano que nós aprovamos aqui em 1º turno. Esse projeto é importante porque ele fala da garantia do diagnóstico precoce. Por que o diagnóstico precoce? Eu explico: a criança, nos primeiros anos de vida, até os seus 6, 7 anos, tem o que a gente chama de neuroplasticidade. O autismo é uma condição em que não há cura, é uma condição do neurodesenvolvimento. Você consegue dar qualidade de vida a essas pessoas quando as intervenções são feitas o mais cedo possível. Otimizando-se a neuroplasticidade com a intervenção correta da terapia ocupacional, do psicólogo comportamental, do fonoaudiólogo e com intervenção medicamentosa se for necessário. Se necessário o Venvanse, se necessário a Risperidona, se necessário você faz a intervenção medicamentosa para quê?

Para garantir a qualidade de vida. Então a primeira coisa que a gente tem de fazer, quando a gente fala de autismo, é garantir diagnóstico precoce. Eu tenho sugerido aos municípios, e acho que o Estado deveria fazer a mesma coisa, fazer com que o seu serviço público de educação e saúde comunique, porque a equipe de saúde da família está dentro das casas das pessoas, o menino, desde a crechezinha, da pré-escola, está dentro da escola e o professor tem condições de avaliar, identificar sujeitos que sugerem passar por uma avaliação. Isso a fim de garantir que essa criança tenha o diagnóstico o quanto antes e imediatamente tenha o acesso aos tratamentos e terapias, que também é um outro desafio. Aí tem o diagnóstico e não consegue achar terapia ocupacional. Você sabia, Eduardo, que só há duas faculdades públicas de terapia ocupacional em Minas? Há a UFMG e a Faculdade do Triângulo Mineiro. Fechou recentemente a da Ciências Médicas infelizmente.

Segundo o Crefito, há mais de 30 mil fisioterapeutas, mas terapeutas ocupacionais não chegam a três mil. É difícil achar o profissional. É difícil achar o profissional neuropediatra. Então você tem de organizar. Se há o diagnóstico, tem de haver o acesso a um neuropediatra, tem de haver a terapia ocupacional, tem de haver o fono, tem de ter o psicopedagogo. Isso é fundamental. Dito isso, organize o serviço público, faz a identificação, submete a avaliação e fecha o diagnóstico. Ocorrem duas coisas quando já se tem o diagnóstico: primeiro foi o que acabei de dizer, que é a possibilidade de se buscar os tratamentos e as terapias, e segundo o laudo, porque ele é fundamental para acessar direitos. Tentamos avançar aqui na construção da política estadual, mas já existe um conjunto de direitos que são inerentes aos autistas como citei aqui, a Lei Berenice Piana, de 2012, e também a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015. Então são marcos fundamentais. Agora, a pessoa para acessar esse direito, Leleco, tem de ter o laudo. A carteirinha do Ciptea funciona? Na maioria dos casos para esses direitos não. O cordão de girassol funciona? Não, ele é um instrumento auxiliar para identificação de deficiências ocultas, não é documento oficial para garantia de direitos. É o laudo. Então, a gente tem de fazer com que as crianças consigam ter, as pessoas com autismo, em geral, consigam buscar e ter acesso ao laudo.

Dito isso, entre dar os direitos, o direito de ter um professor de apoio e um profissional de apoio. Qual a diferença? O profissional de apoio não precisa ter uma formação, uma especialização, pode ser um aluno do ensino médio para trabalhar numa lógica até mesmo de estagiário. O professor de apoio, não; esse tem de ter a formação. No caso dos autistas, acho que a lei tem de ser mais clara, inclusive estamos propondo aqui na Assembleia um projeto de lei nosso falando de professor de apoio. O profissional de apoio para deficiências do caráter físico ajuda na superação dos obstáculos físicos, mas, quando se trata de problemas de deficiências intelectuais, tem de ser um profissional. Por quê? Educação inclusiva não se faz somente porque garantiu a matrícula. Educação inclusiva não se faz somente porque o menino está sentado na carteira dentro da sala de aula. Se essa pessoa, se esse menino não tiver condições de cumprir o percurso formativo mínimo educacional dentro do Plano Educacional Individualizado – PEI –, estamos mentindo e não há educação inclusiva de fato. Como estamos formando os nossos professores? Como é o nosso percurso formativo? Qual o nosso conteúdo didático-pedagógico? Temos de discutir isso tudo, porque tudo é muito novo e muito recente e eu já percebi que estamos patinando porque isso não está a contento do que as famílias precisam.

Dito isso, a gente avança mais ainda, porque aí vem a questão dos acessos à saúde. Com o laudo, também há acesso às políticas sociais. Há famílias que entram em situação de miserabilidade, de pobreza. Estou com outro projeto aqui, que é o Cuidar de quem cuida, quem está cuidando de quem cuida. A primeira coisa que acontece: o marido abandona a mulher, deixando-a sozinha com filho com deficiência. Aí ela tem de largar o emprego, vai viver em situação de miserabilidade, depressão, estresse, ansiedade e tentativa de autoextermínio, suicídio. O Estado não está vendo essas pessoas, estão em invisibilidade. Quem está cuidando de quem cuida? O Estado tem de se fazer presente. Então aqui também vamos discutir no momento oportuno esse projeto.

Então, olhe só, há muita coisa para a gente falar e muita coisa para a gente fazer, mas muito serviço. Há muito coisa para a gente fazer. Quando se trata do autista adulto, como está a vida dessa pessoa, a inserção no mercado de trabalho? Ora, o autista ajuda cumprir as cotas, pois, a cada 100 funcionários, precisa ter um com deficiência. O autista pode ajudar a empresa a cumprir a cota da determinação da legislação trabalhista. Estive na Fecomércio, na Fiemg falando sobre isso, para a gente fazer com que essas importantes instituições tenham isso também no seu horizonte, no seu radar.

Mas, enfim, o que preciso dizer é que, neste mês do autismo, a Assembleia precisa entregar ao povo de Minas Gerais o Plano Estadual do Atendimento ao Autista em 2º turno. E o governador, diferente do que fez no mês de abril, no mês do autismo do ano passado, há um ano atrás, que vetou a emenda que colocamos no PPAG, prevendo a criação dos centros regionais de atendimento de autista, vetou, e esta Casa, por 68 a zero, derrubou o veto, diferentemente do que fez lá atrás, uma vez aprovado o projeto aqui na Assembleia, aqui em 2º turno, corrija o erro que cometeu e sancione para nós e entregue para o povo de Minas Gerais esse projeto.

É um projeto que a gente sabe que vai ser um marco na vida das pessoas e na vida das famílias, assim como na minha vida. Mas eu não sirvo de exemplo, porque, bem ou mal, como deputado, eu não posso ser hipócrita, porque eu tenho acesso a condições que a grande maioria das famílias não têm. Então, o mínimo que eu tenho que fazer, se eu tenho decência, é deixar alguma coisa para as pessoas, alguma coisa da lógica do direito e da lógica da política pública.

Então, hoje, eu faço um apelo aos colegas para que a gente possa entregar o projeto, e eu vou conversar com o presidente Tadeu, ainda neste mês. Aliás, está prevista, deputado Leleco, na quinta-feira, uma audiência da Comissão da Pessoa com Deficiência. O deputado Dr. Maurício é o nosso presidente, e ele vai apresentar o relatório, em comissão, para deixar o projeto pronto para a votação em 2º turno. Já conversei com ele para que a gente possa fazer um grande evento e para que Minas Gerais dê o exemplo.

Essas são as minhas palavras. A luta pela inclusão é uma luta de todo dia, porque inclusão a gente precisa fazer todo dia. Aos colegas que têm abraçado essa causa com a gente o meu muito-obrigado, porque a gente não dá conta de fazer isso sozinho. Obrigado.

O presidente (deputado Duarte Bechir) – Parabéns, deputado Cristiano. Com a palavra, para seu pronunciamento, o deputado Leleco Pimentel.