Pronunciamentos

OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI, Desembargador, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais - TRE-MG - e do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais

Discurso

Agradece, na condição de homenageado, o Título de Cidadão Honorário do Estado de Minas Gerais.
Reunião 9ª reunião ESPECIAL
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 20/03/2024
Página 11, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas PRE 31 de 2024
RQN 5588 de 2024

9ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 18/3/2024

Palavras do Sr. Octavio Augusto De Nigris Boccalini

Exma. Deputada Maria Clara Marra, na sua pessoa, estendo os cumprimentos a todas as deputadas e mulheres aqui presentes; desembargador Jayme Silvestre, meu amigo, na sua pessoa, cumprimento todos os nossos colegas presentes; juiz federal Guilherme, conselheiro Gilberto, delegada Maria Alice, na pessoa do meu amigo vice-presidente, corregedor aqui presente, cumprimento toda a corte eleitoral. Os meus amigos juízes, cumprimento-os na pessoa do Luiz Carlos, nosso presidente da Amagis. Cumprimento o povo de Minas Gerais na pessoa do presidente da Assembleia Legislativa do Estado, deputado Tadeu Martins Leite. Cumprimento especialmente a deputada Maria Clara Marra, autora da proposta de cidadania mineira, honra que jamais será esquecida por mim e por minha família.

Expresso minha gratidão à gente desbravadora cuja obra se revela no tricentenário Estado de Minas Gerais, irmão gêmeo do Estado de São Paulo, ambos gestados como Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em 1709 e separados por ato régio em 1720. Agradeço ao Pai acima de todos. Agradeço aos meus pais, à minha esposa Ellen, aos meus filhos Octavio e Marco Túlio, aos parentes e amigos.

O que divide e une. Dizem que a cultura nos identifica e que, quando o faz, nos divide. Não penso assim. A cultura nos une ainda que na diversidade, pois é reveladora de uma capacidade que nos diz humanos, que compartilha a nossa essência e, portanto, nos faz irmãos onde quer que estejamos. Exemplo do que afirmo: profusão na América Latina dos diversos continentes e ilhas do nosso planeta. Terry Eagleton, filósofo, literato, escritor e crítico, natural de Salford District, Reino Unido, na viagem de Oxford, onde lecionava, em Dublin, nos anos de 1990, experimentou o sentimento de ser estrangeiro na contiguidade de um país existente na mesma ilha onde nasceu. Uma história que já existiu e continua a existir onde o mundo ocorre e é composto de tudo quanto importa ao manen, em todas as facetas da promessa que, em germânico, se diz culto, abrangendo o que nossa tradição filológica e antropológica diferenciou em cultura e civilização.

O sentimento de ser estrangeiro é comum, mas nem sempre merecido. O sentimento tudo interliga. Todos somos fração do que nos unindo pode ser utilizado indevidamente para dividir. Não disponho da profundidade cultural que se poderia exigir de Raymond Williams, Frederick Jason, Terry Eagleton, Câmara Cascudo, Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Wilson Martins, mas tão somente daquela profundidade terral de quem dedicou a vida a compreender a si mesmo e seus semelhantes na conjuntura da vida e dos modos ofertados à vida nesta terra-média, que com todas se comunica em história, biomas, acidentes geográficos e desafios políticos e que constrói o ponto de equilíbrio ético da Federação, especialmente nos momentos de crise nacional.

Um homem não deve procurar seu destino, deve apenas saber reconhecê-lo onde se encontre. Essa máxima não é apenas linguageira, é discurso de conteúdo ético, pois nosso vocabulário, que resulta do português e de influências múltiplas das línguas dos povos originários, dos povos escravizados que para cá vieram sequestrados de suas famílias, dos povos que construíram a materialidade do que se convencionou denominar mineiridade, esse vocabulário traz consigo conceitos referentes ao bem e ao mal, ao correto e ao errado, ao sagrado e ao profano, compondo uma normatividade que é necessário viver para integrar.

A minha viagem para Ítaca. Odisseu, também conhecido como Ulisses, herói descrito por Homero e que buscou, após a Guerra de Troia, retorno à terra de origem, onde encontraria sua esposa Penélope, viveu aventuras impensáveis, tentações a que todo humano comum sucumbiria, enfrentou riscos demasiados e poderia ser, ao final, não reconhecido. Mas a marca do seu caráter, revelada nas armas, o distinguiu, mesmo passadas duas décadas entre a partida e o retorno. Simbolicamente, este é o caminho de todos, homens e mulheres, que não se atemorizam diante das adversidades, que sabem que a vida é percurso que não se nega.

Vim para Minas, confesso, ignorando muito do que, no horizonte, se descortinaria entre história e política, cultura e formação de caráter, compreensão e assunção de quem verdadeiramente sou. Era necessário, antes de tudo, encontrar a mim mesmo e saber onde estava aquela que seria a minha Ítaca, a terra onde se realizaria a promessa de ser quem sou, com minha consciência e nas circunstâncias que sou, algo digno do que Ortega y Gasset também sintetizou, abro aspas: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. Fecho aspas.

A totalidade à minha volta forma a mim, além de mim mesmo, no exercício das escolhas fundamentais a que todos somos levados por aquilo que Tomás de Aquino estudou e filosoficamente nos legou como herdeiros do ocidente: o livre arbítrio. Somos livres para escolher o nosso futuro e determinar caminhos que poderão condicionar nossa descendência. A ideia de liberdade tão cara a Tancredo Neves, que a pronunciou num discurso ao povo mineiro, no palácio que honra o Estado, é por si ética e emana tudo que constitui consciência daqueles que não aceitam a arbitrariedade ditatorial e a sujeição ao titular do poder político à vontade de um ou de um grupo que se assenhora ilegitimamente do Estado.

Aprendi, nesses anos de vivência mineira, que, na liberdade do outro não se toca, e que a liberdade própria não se negocia. O valor fundante daquilo que entre nós é simultaneamente cultura e civilização existirá, enquanto houver em nossas montanhas o sonho do horizonte, o efeito espelhado. Somos levados a pensar e não a questionar que a história é um constante seguir em frente. Isso está certo, na consideração do indivíduo, para quem a história jamais se repete, embora na perspectiva dos povos e das nações possa ser diferente.

Na minha história, imaginei que, vindo para Minas Gerais, caminhava para a novidade da esperança e do desconhecido, invertendo a lógica do verso de Dante, como se ao pórtico houvesse, como inscrição, abro aspas: “Guarda quem ingressa no seu peito toda esperança, pois esta é a terra da sua realização”. Fecho aspas. Estava certo, mas haveria de passar três décadas para compreender que a inversão da lógica do verso de Dante se realizaria com efeito espelhado.

Quem a um espelho recorre tudo nele enxerga reproduzido de forma invertida. Assim foi comigo igualmente. A Troia de minha história estava conquistada em São Paulo. Vir para Minas Gerais era já um aprendizado de consciência, algo forjado nos mais de 300 anos desde a criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, no tricentenário da separação, na viabilização econômica da colônia, que foi o Brasil dos tempos do Império e da Primeira República. Mal sabia eu que, na epopeia homérica atualizada, era eu quem deveria reconhecer a força e o caráter dessa terra-média como Ítaca por mim sonhada.

São Paulo me deu vida, Minas me deu propósito. Os dois Estados compõem quem sou e minhas circunstâncias. Não preciso retornar, a mim me basta viver com o que o Pai proporcionou. Sem jamais negar minha origem de nascimento, sou agora também destino em alma: mineiro. Muito obrigado.