Pronunciamentos

MARCUS VINÍCIUS POLIGNANO, Médico sanitarista, mestre em epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –, coordenador do Projeto Manuelzão, professor aposentado de medicina preventiva e social da UFMG

Discurso

Discursa na abertura do seminário técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”.
Reunião 7ª reunião ESPECIAL
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/03/2024
Página 21, Coluna 1
Evento Seminário Técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”
Indexação

7ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 14/3/2024

Palavras do Sr. Marcus Vinícius Polignano

Bom dia a todos e a todas. É uma satisfação estar aqui. Quero cumprimentar o deputado e fazer uma menção. O senhor me remete a uma época boa da minha vida. Você não vai nem saber por quê, mas o seu pai tinha um programa no rádio que se chamava Boca no Trombone, em Montes Claros. Eu fazia internato rural e ouvia o seu pai. Eu acho que você nem era projeto ainda. É só para recordar. É interessante como a vida é feita de ciclos. Talvez por isso eu queira me remeter a isso.

Eu já fui mais otimista com a civilização. Digo que, em 25 anos de projeto, eu já ouvi muitas histórias, muitas promessas desta Casa e de outras e fico muito preocupado com o roteiro que a gente está escrevendo, porque é um roteiro. Nós estamos escrevendo esse roteiro. Eu quero até mudar um pouco o foco. A gente fica pensando em mudança climática como se o clima fosse um trem abstrato. Nós estamos numa crise civilizatória, não é do clima, não é. Se a gente continuar batendo em temperatura, nós vamos bater no lugar errado, porque a temperatura está no planeta. Como disse a professora, isso aqui foi formado. Só para ter ideia de tempo, nós temos um planeta de 4,5 bilhões de anos. Você sabe o que é a nossa história neste trenzinho aqui? É nada. São 4 bilhões para fazer isso aqui! A Terra, do jeito como é hoje… Esses continentes Europa, Ásia e tal foram formados há 140 milhões. Olha, surgiu a 4 bilhões, e para ter esse cenário, levou um tempo, para se chegar a 140 milhões de anos. Nós estamos acabando com esse planeta em 200 anos. Em 200 anos de história! Tanto é que hoje, como a colega deve saber muito bem, o tempo geológico considerado é o antropoceno. Não é mais uma força geológica. A força que está destruindo o planeta se chama humanidade. Chamaram-me aqui para o debate, e eu não quero bater palma, eu quero dizer do inferno que nós estamos programando, e juntos. Todos aqui falam muito bem e, se eu perguntar, todos são sustentáveis, todos aqui. Se eu perguntar a um setor, ele dirá que é sustentável. Não sei quem também é sustentável. Todos nós somos.

Em 2015 nós fizemos o Acordo de Paris. A professora muito bem… Só estamos aumentando a temperatura. Então ou nós estamos fazendo alguma coisa errada ou estamos insanos. Ou então eu estou vivendo num mundo que é diferente do de vocês. Imaginem que eu seja médico – a professora lembrou –, e um dos parâmetros que eu tenho para exatamente fazer evoluir uma doença seja a temperatura. Imaginem que eu seja médico e diga a qualquer mãe aqui: “Pode ficar tranquila. A temperatura está aumentando, mas a saúde do seu filho está bem”. Quem vai acreditar nisso? Gente, nós estamos vivendo uma insanidade. Se nós continuarmos nesse roteiro… Todo mundo diz que está fazendo a sua parte, mas nós estamos aí. Essa palavra “mitigação” me dói muito. É como se a gente pudesse mitigar o planeta. Gente, nós não temos esse poder, não! Nós só somos parte disso aqui. A gente destrói o bioma, destrói o ecossistema, destrói os rios e quer que tudo funcione. Não vai funcionar, não vai. Isso é igual ao ser humano, isso é um sistema integrado. Por exemplo, a água que chega aqui vem da Floresta Amazônica. Existe um rio voador. Quem vai controlar esse trem? É decreto? “Vamos fazer um decreto. Meu amigo, mande água para o mundo.” Não funciona. Se a gente não entender que nós somos muito poucos, que nós fazemos parte de uma natureza complexa, sistêmica e integrada, nós não vamos sair.

A professora lembrou aqui, pegando a minha área, que nós estamos com uma epidemia. Gente, nós estamos com mais de 1 milhão de pessoas com dengue no País. Antigamente, o mosquito da dengue só transitava com a dengue. Hoje ele transita com a chikungunya, com a zica, e agora já apareceu no Rio de Janeiro o oropouche, que é um outro vírus da Amazônia. Mas como é que é? Ué, você vai tirando o mato… É uma busca. Todos os animais, como a nossa espécie, tentam se adaptar. Vocês acham que os animais também não fazem uma mudança climática e estudam como se adaptar? Eles se adaptam. Então a gente está fazendo um mundo insano. Eu vou ser franco: nós não vamos mudar nada. Não adianta querer fazer omelete sem quebrar ovos. Não adianta! Então se a gente não tiver…

Vou citar a nossa região aqui. O território do Estado de Minas Gerais, de mata original, não tem nem 8%. Nos últimos anos, nós perdemos aí no Brasil inteiro 18% do cerrado. Então, Ana, do setor da agricultura, é lógico que esses sistemas são importantes para a agricultura. Não adianta achar que destruir o cerrado e botar planta no lugar funciona do mesmo jeito. Não funciona. Nós estamos vivendo uma seca subterrânea. Por quê? Acaba a água na superfície, e sabem qual a solução de todo mundo aqui? Os deputados devem fazer isso muito. “Ó, precisamos de poço no Norte de Minas, em Araçuaí, naquelas bandas todas”. Aí a gente vai para o fundo, abaixa o lençol e complica o sistema, porque não há recarga. E nós vamos fazendo um ciclo absolutamente vicioso e sem saída.

Até as nossas áreas de reserva, deputado, que são áreas de preservação… Nós tivemos que lutar aqui para a preservação do Rola Moça, que era já uma unidade de conservação. Eu não estou falando de novas, não, eu estou falando de resistência, para não acabar com o Mona, com a Serra do Curral, que são áreas… É preciso, gente, e eu não estou querendo ser… Posso ter um tempinho só para acalmar os espíritos?

Uma vez trouxemos um indígena do Mato Grosso, quando acontecia o Festival de Inverno em Diamantina. O motorista foi pegá-lo no aeroporto e levar para Diamantina. Quando chegaram àquela beleza de serra, chegando em Diamantina, ele mandou o motorista parar. Aí o motorista parou, ele desceu do carro, olhou para aquela coisa maravilhosa e ficou quieto, quieto. Aí o motorista ficou preocupado e falou: “O senhor está passando mal?”. E ele respondeu: “Não. Deixe-me explicar: é porque eu cheguei, mas estou esperando meu espírito chegar”. Não é? (– Risos.) Nós vamos com tanta rapidez com as coisas, não é? Tudo para nós é para ontem, e a gente deixa de contar com aquilo que é essencial para a nossa vida.

Eu fico muito preocupado quando se fala de economia verde e oportunidade. Eu vou falar para vocês: a oportunidade é a gente fazer economia ecológica, salvar o que resta do planeta, não é desmatar mais, não é criar mais. Nós temos é que tentar entender que, sem água, ar, biodiversidade, nós não somos nada; não somos nada. Eu quero falar isso de coração limpo, sem nenhuma preocupação de estar ferindo este ou aquele, mas dizendo a verdade, gente. Então, se a gente não criar… E aí eu já quero propor porque nós precisamos criar algumas agendas aqui, na Casa. Eu não quero falar mais em agenda verde, porque tudo é… Até pintar parede vira agenda verde, tudo vira agenda verde. Então, assim, nós temos que criar uma agenda de preservação de bioma, deputado. O senhor, que é do Norte, sabe, do Vale do Jequitinhonha, não é, Doutor Jean? Nós precisamos criar ainda aquilo que nós podemos salvar, porque isso é reserva ecológica ambiental para a gente enfrentar o futuro que a gente desconhece. A professora falou muito bem que há um monte de computadores tentando imaginar o que será o futuro. Agora, do jeito como nós estamos fazendo, haja computador! Não há como prever! Nós estamos acabando com tudo! Então vamos criar, realmente.

E quero parabenizá-lo e quero que essa agenda avance, para a gente criar aqui, na Casa, uma agenda para a preservação de biomas e uma agenda para as questões urbanas, porque temos que melhorar as cidades. Inclusive, há pouco tempo, houve uma reunião mundial do Pnuma para dizer que modelo de cidade nós vamos fazer, e nós precisamos de uma cidade mais verde. Uma cidade que concreta tudo, que tampa tudo quanto é rio e depois não quer inundação, meu amigo? Me ajuda! Será que acham que a água vai fazer o quê? Que não vai subir? Não tem jeito! A gente cria as próprias armadilhas, que a gente constrói. A gente precisa pensar que nós podemos fazer um mundo melhor, e melhor mesmo, e quebrando ovos, sim. “Olhe, meu amigo, isso aqui não dá. Essas regiões são áreas de reserva, de sobrevivência para a nossa espécie, para o nosso futuro.” E, para quem é cristão, outra coisa: a gente fica pensando sempre miticamente que o paraíso é alguma coisa lá para cima. Paraíso é isto que nós herdamos: o planeta Terra, meu amigo! Este é o nosso paraíso. Se destruirmos este paraíso aqui, não só não vamos ter futuro, quanto a geração futura não vai ter futuro.

Então eu acho que a gente precisa criar essas agendas de preservação de bioma. E que a Casa realmente aprove, a cada ano, coisas significativas no sentido de uma agenda com as cidades, para ver outros modelos de construção; uma agenda para preservação e revitalização dos rios verdadeiramente de Minas, para que a gente possa enfrentar – como é que eu vou dizer – os nossos próprios fantasmas, porque a gente os cria e depois não quer enfrentá-los. Vamos enfrentar! Não vamos ter medo, não! Vamos dizer que nós somos capazes disso! Vamos chamar todo mundo aqui, mineração, agricultura, Estado, e vamos conversar seriamente! Não vamos dizer que vamos fazer de conta que vamos fazer, porque nós não saímos do lugar. Isso só está nos levando para o abismo. Então é isso. Muito obrigado.