Pronunciamentos

CLEIA DE FÁTIMA, Engenheira agrônoma, representante da articulação do semiárido mineiro e do programa Convivência com Semiárido, da Cáritas Diocesana de Araçuaí

Discurso

Discursa na abertura do seminário técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”.
Reunião 7ª reunião ESPECIAL
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/03/2024
Página 19, Coluna 1
Evento Seminário Técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”
Indexação

7ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 14/3/2024

Palavras da Sra. Cleia de Fátima

Bom dia a todos e a todas. Eu gostaria de agradecer pelo convite em nome da ASA Minas. Para a gente, é muito importante estar nessa construção aqui, junto com a Assembleia, porque são questões que nos fazem refletir sobre os nossos agricultores, sobre nossa população, uma vez que eu sou a pessoa que vem daquela cidade que foi mais quente: Araçuaí. Então a gente quer muito estar fazendo parte dessa construção junto com a Assembleia.

– Procede-se à exibição de slides.

A Sra. Cleia de Fátima – O semiárido brasileiro é um dos mais populosos e chuvosos do mundo. São 1.477 municípios e 11 estados do Brasil: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe. Cerca de 28 milhões de pessoas vivem no semiárido, o que equivale a 12% da população do Brasil – um número bastante representativo: 62% em zonas urbanas e 38% em zona rural, e a maioria são pequenos agricultores e agricultoras. A Articulação do Semiárido, a ASA, trabalha nesses estados, nos projetos de sementes, de captação de água de chuva via cisternas.

O semiárido mineiro compreende as regiões do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, Noroeste de Minas, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce, em 209 municípios. É caracterizado por longos períodos de estiagem. Como é o nosso semiárido? A gente tem uma estiagem de até oito meses, depois chove, só que essas chuvas são muito irregulares, elas têm essa caracterização. A grande questão da região é a má distribuição das chuvas. As chuvas não são bem distribuídas: chove um pouco, passa um mês e volta a chover novamente, o que torna importante que os agricultores da nossa região trabalhem com as questões de armazenamento de água, não é? Eu falo “agricultores” porque toda a população sofre com a questão da seca ou das chuvas extremas, mas os agricultores têm o maior problema de armazenar água para a produção e água para beber, água de qualidade; não só água, mas água de qualidade para consumo humano.

A Articulação do Semiárido é uma rede. Ela propaga e põe em prática, através das políticas públicas, o projeto político de convivência com o semiárido. Ela é formada por mais de 3 mil organizações – a ASA Articulação do Semiárido – da sociedade civil e de distintas naturezas: sindicatos, ONGs, igrejas evangélicas, Igreja Católica. Todas essas organizações fazem parte da Articulação do Semiárido, que é a ASA. Atualmente são 50 organizações cadastradas, e aqui eu trago um gráfico que mostra que 48% dessas organizações estão na veia do Jequitinhonha e que 48,7% estão no Norte de Minas. A ASA Minas faz essa grande articulação e está dividida nos seguintes territórios do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha. Seus 33,3% formam a ONG com personalidade pública. Então ela é formada, como eu disse, por ONGs, sindicatos, igrejas evangélicas, associações, as EFAs – escolas de educação no campo contextualizada; várias organizações formam a Articulação do Semiárido.

As ações da ASA estão pautadas, principalmente, na cultura de estoque de água. Por quê? Porque nós temos chuva por um período de tempo e, num outro período de tempo bem maior, nós não temos, então os agricultores, as famílias precisam armazenar água. A nossa ação é pautada também no estoque de alimentação para os animais, na questão do feno, ou seja, em estocar água e em estocar alimentos para garantir que, na época da escassez, haja água e alimentos em abundância para serem consumidos.

Então, é a partir dessa visão que as tecnologias de captação e armazenamento de água para consumo humano, ao lado das escolas rurais, e para a produção de alimentos têm grande importância dentro dessa estratégia. Então a gente busca trabalhar a estratégia de captação de água de chuva para, na época da escassez, as famílias terem acesso a essa água.

O Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC – é um programa de mobilização social que visa à construção de cisternas de captação de água de chuva, com capacidade de 16.000 litros, para as famílias consumirem na época de escassez. É água para beber, para lavar folhagem, para lavar verduras; não é uma água usada para fazer a limpeza da casa ou para outro fim que não seja o consumo humano.

Em Minas Gerais, 300 mil pessoas já foram beneficiadas com essa tecnologia social. Então, só em Minas, 300 mil pessoas receberam cisterna de captação de água de chuva para beber e para cozinhar. Essa cisterna é colocada junto ao telhado da família. Quando vem a época da chuva, a família deixa a primeira água cair, espera um tempo para lavar o telhado, aí ela coleta essa água e, durante o período de escassez, as famílias fazem uso dela. Através de mais de 80 mil cisternas construídas em Minas, cerca de 300 mil pessoas já foram beneficiadas.

O Programa Uma Terra e Duas Águas – P1+2 – propõe a construção de cisternas de captação de água de chuva, seja cisterna calçadão, seja cisterna enxurrada, seja tanque de pedra, para produzir alimento, para irrigação. Então o P1+2 significa Uma Terra e Duas Águas. Então, faz-se necessário que a gente trabalhe com as famílias o quê? A questão do acesso à terra, porque nós sabemos que um dos grandes problemas da população, dos agricultores da nossa região é não ter terra para trabalhar. Às vezes, têm terra, mas a terra não é suficiente para dividir entre a família, para que eles consigam produzir o suficiente para a família naquela terra. Então quem tem a cisterna de água de chuva de 16.000 litros recebe a cisterna de captação de água de 52.000 litros, que é uma cisterna calçadão ou uma cisterna enxurrada, que é colocada nos quintais das famílias. Aí, as famílias fazem uso da água para irrigar as plantas, para irrigar os quintais e para os animais beberem.

Cerca de 14 mil tecnologias foram construídas em Minas Gerais, nos últimos anos. Então a gente conta com o número de 14 mil tecnologias construídas com essas cisternas de 52.000 litros para irrigar plantas e para dar de beber aos animais.

O projeto Cisternas nas Escolas também está presente em Minas Gerais, com a construção de uma cisterna de 52.000 litros na escola, para que a escola tenha também acesso à água. Já receberam essas cisternas 600 escolas rurais. É muito importante que as escolas tenham também acesso à água por meio dessas cisternas.

Para ampliar a proposta de convivência com o semiárido, a ASA lançou, em 2015, o programa Sementes do Semiárido. O que seria o Sementes do Semiárido? O Sementes do Semiárido é um programa que faz com que o agricultor colha a semente que ele plantou e a guarde para que ele possa usar no ano seguinte. Assim, ele possui uma autonomia maior em ter a sua semente para plantar, não fica dependente das grandes empresas, não fica dependente de comprar semente que não seja a semente que eles chamam de semente da gente. Então ele não compra semente transgênica. A gente constrói o banco de sementes para a família, faz a capacitação das famílias para que elas tenham sementes para plantar no ano seguinte, que são chamadas de sementes crioulas.

Ainda temos um grande desafio pela frente, que é o desafio de universalizar o acesso de muitas famílias de trabalhadores e trabalhadores à água para consumo e para a produção de alimentos. Então, há ainda um árduo caminho pela frente, porque a gente sabe que nem todas as famílias conseguiram adquirir essa cisterna para armazenar água. Então esse é um caminho que a gente ainda tem que trilhar para universalizar o acesso de muitas famílias à água.

Os programas e as tecnologias sociais devem ser políticas públicas de Estado, não de governo. Por isso a inclusão no orçamento estadual é fundamental e necessária.

Já foi falado bastante, pelos nossos companheiros aqui, sobre mudanças climáticas: aumento da temperatura, seca, tempestades. Nós vivemos tudo isso também no Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas. Nós convivemos com toda essa questão das mudanças climáticas. Então isso já foi bem falado e não precisa nem citar aqui.

O semiárido mineiro sofre com a crise climática, com a má distribuição de terra, que é a estrutura fundiária. A gente sabe que as famílias não possuem terra para produzir, então elas sofrem com essa crise de estrutura fundiária. A invasão do nosso semiárido pelo agronegócio, a gente tem que dialogar sobre isso também.

Recentemente, no nosso Vale do Jequitinhonha, tivemos uma questão que divide muito as opiniões, que é a chegada do lítio com muita força. O Vale vem sendo até chamado de Vale do Lítio. Aí a gente questiona se… Para muitas pessoas, é geração de trabalho e desenvolvimento, mas a gente sabe que, atrelado a isso, vêm muitos outros problemas, como a poluição sonora, a poluição do ar, a poluição dos recursos hídricos. As famílias, às vezes, têm que deixar as suas terras, vendem-nas para essas empresas. Então nós temos dialogado muito sobre essa questão no nosso Vale.

Bom, eu queria agradecer. Era o que eu tinha para falar para vocês. O meu tempo já se esgotou. Agradeço a vocês.

O presidente – Obrigado, Sra. Cleia, engenheira agrônoma, representante aqui da Articulação do Semiárido Mineiro e do programa Convivência com Semiárido. Obrigado por sua exposição e por seus comentários. Para finalizar os comentários, eu quero convidar, para que faça a sua apresentação, o Sr. Marcus Vinícius Polignano, médico sanitarista e coordenador do projeto Manuelzão, da UFMG. Fique à vontade para fazer a sua apresentação.