Pronunciamentos

MICHELLE SIMÕES REBOITA, Professora do curso de ciências atmosféricas da Universidade Federal de Itajubá, doutora em meteorologia pela Universidade de São Paulo – USP – e integrante do grupo de pesquisa em meteorologia tropical da Organização Meteorológica Mundial

Discurso

Discursa na abertura do seminário técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”.
Reunião 7ª reunião ESPECIAL
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/03/2024
Página 8, Coluna 1
Evento Seminário Técnico “Crise climática em Minas Gerais: desafios na convivência com a seca e a chuva extrema”
Indexação

7ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 14/3/2024

Palavras da Sra. Michelle Simões Reboita

Bom dia a todos e a todas presentes nesta Casa; bom dia aos nossos telespectadores. Eu vou conversar com vocês um pouco sobre o que são as mudanças climáticas, as evidências e as projeções para o Estado de Minas Gerais. Vou dar início agora à reprodução do material.

– Procede-se à exibição de slides.

A Sra. Michelle Simões Reboita – Como eu disse para vocês, a ideia é passar um panorama do que o Estado vem já sofrendo e o que se espera para o futuro. No final da apresentação, eu vou trazer sugestões para serem implementadas em modo de mitigação e adaptação para a gente tentar melhorar a vida da sociedade.

Eu começo introduzindo um pouco da física das mudanças climáticas. Como tudo começa? Tudo começa com o desenvolvimento da máquina a vapor, lá na Primeira Revolução Industrial. Com isso, a concentração de gases na atmosfera começou a aumentar. A criação da máquina a vapor foi importante. Quais os impactos disso para a humanidade? A gente sabe que foi o desenvolvimento. A partir daí, nós tivemos um rol em várias áreas de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a gente tem uma alteração na atmosfera.

Quando a gente pensa em injeção, em introdução de gases na atmosfera, a gente pode começar pensando no dióxido de carbono – CO2. Antes e no início da Revolução Industrial, a concentração desse gás era de 278 partes por milhão, o que a gente chama de PPM. Hoje a concentração é de 425 partes por milhão. A figura que eu projeto para vocês, o globo com uma estrelinha verde no meio é onde está situada a ilha de Mauna Loa, onde existe uma estação de monitoramento de CO2 que está bem distante dos grandes centros industrializados. A curva registrada é a que está acima do globo. Nós vemos o quê? Um aumento nessa concentração com o passar do tempo. Comparando-se o início da Revolução Industrial e hoje, a concentração de CO2 é 50% maior. O dado de 425 partes por milhão foi o registro do mês de fevereiro deste ano.

Aí vem mais uma pergunta: quais as consequências do aumento da concentração de CO2 na atmosfera? O que vai acontecer? Bom, se aumenta a concentração de gás, que é o gás de efeito estufa – eu vou explicar daqui a pouquinho –, a gente vai ter o quê? Mudança na composição química da atmosfera. Mudando a composição química, vai aumentar o quê? O efeito estufa, que, por sua vez, vai contribuir para o aumento da temperatura. Isso tudo leva aos distúrbios de tempo e clima, aos eventos extremos.

Aí vem a questão para vocês: o que é o tal do efeito estufa de que todo mundo fala e que todo mundo relaciona com a mudança no clima e aumento de temperatura? Efeito estufa é um efeito natural que existe desde a criação do planeta, desde o aparecimento do planeta, porém, ele é intensificado pelas atividades humanas, pelas atividades antrópicas.

Aqui eu vou explicar uma pequena parte de física da atmosfera. A radiação que o sol emite e chega ao nosso planeta não é absorvida, na sua maior parte, pelos gases na atmosfera; ela primeiro adentra, aquece a superfície do planeta; a superfície altera essa radiação e reemite. A energia que entra no planeta tem que sair. Se não tivesse esse balanço, a gente teria um superaquecimento. Mas o que acontece? Existem os gases, que gostam da energia emitida pela superfície do planeta. Essa energia fica na atmosfera e é reemitida para a superfície. Logo, a gente ganha energia tanto diretamente do Sol quanto da atmosfera, que recebe a energia convertida pela superfície. Quanto mais gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, o metano, nós vamos ter o quê? Um aumento desse processo de absorção na atmosfera e reemissão para a superfície. É o que mostra essa figura que está sendo projetada. Vocês podem observar no lado com o laranja mais claro que existe a entrada de energia, a saída e a reemissão para a superfície. Porém, esses processos são mais acentuados no lado, onde está o laranja mais escuro.

Como eu disse para vocês, é um efeito natural, mas amplificado pelas atividades antrópicas. Se nós não tivéssemos gases na atmosfera, nós não teríamos o efeito estufa, e a temperatura média do planeta seria de -18ºC, o que não é muito agradável para a vida. Já com o efeito estufa, nós temos uma temperatura média de 13,7ºC – isso em 1900. Se vocês forem observar as medidas e as médias para o período atual, verão que nós estamos com uma média global de 14,8ºC, o que implica um aumento médio de 1,1ºC. Vocês podem pensar: “Poxa, 1,1ºC! Isso não é nada”. Não. Isso é muita coisa, porque esse aumento não é homogêneo em todas as regiões. Existem regiões que estão aquecendo muito mais que outras, sendo muito mais impactadas. Isso é um problema. Se é um problema, o que acontece? O que ocorre no nosso planeta se ele estiver mais quente? Eu elenquei algumas coisas básicas para a gente. Quando o ar está mais quente, ele tem maior capacidade de manter vapor na atmosfera, e vapor é um gás de efeito estufa também. Se o vapor é um gás de efeito estufa, imaginem as atividades humanas injetando, injetando CO2. A temperatura é maior, podendo absorver mais, manter mais vapor d'água, que é outro gás de efeito estufa. Isso gera um efeito de retroalimentação. Maiores serão as temperaturas, porque o efeito estufa é intensificado.

O que a gente espera então? Aumento das temperaturas. E a distribuição das chuvas, no Globo, não são homogêneas. Há regiões em que as precipitações vão aumentar, como no Sudeste da América do Sul. Quando falo de Sudeste da América do Sul, falo da Região Sul do Brasil, do Uruguai, do Norte da Argentina. Na região Amazônica, a gente espera redução das chuvas. Tudo isso também será atrelado a eventos extremos, eventos extremos de tempo e de clima. Por que apresento uma interrogação ao lado das palavras “tempo” e “clima”? Por que há uma diferenciação. Quando nós falamos de tempo, nós falamos de eventos de curto período. Hoje, se vocês saírem desta sala e olharem para o céu, a gente está falando de tempo. Se eu quero saber se a próxima estação do ano vai ser mais chuvosa ou mais seca do que a média, do que o padrão, nós estamos falando de clima. E, em termos de eventos extremos, eventos extremos de tempo são aqueles associados com chuvas muito intensas num único dia. Por exemplo, quando a gente fala de eventos extremos de clima, eu estou falando de uma seca prolongada, de uma onda de frio, de uma onda de calor. Então nós temos de ter conosco o significado dessas palavras.

E tudo isso de que estou falando para vocês impacta diretamente em quê? Na sociedade. Em toda a sociedade, infelizmente quem sofre mais são os menos favorecidos, a classe mais pobre. Quero fazer uma analogia aqui com vocês antes de passarmos para as evidências. Suponhamos que você esteja doente e tenha febre. A febre vai levar a um aumento da sua temperatura corporal. O seu corpo vai reagir de alguma forma, com dores, com dores na cabeça. Para o nosso planeta, considero o aumento da temperatura como febre. Os distúrbios, as alterações são os eventos extremos, e esses são os mais danosos para a sociedade.

Agora eu passo para a segunda parte desta conversa, desta apresentação, que são as evidências e os impactos das mudanças no clima aqui no Estado de Minas Gerais. Eu vou fazer uma apresentação focada no nosso estado. Vou discutir algumas evidências na temperatura do ar e nos extremos, extremos de ondas de calor, frio, seca e chuvas. Isso vai bem em linha com o que foi apresentado no vídeo a que nós assistimos na abertura desta solenidade.

Começo mostrando para vocês a curva ou a evolução mensal da temperatura do ar em diferentes anos. O eixo “x” dessa figura são os meses do ano, iniciando em janeiro e terminando em dezembro, e a curva em vermelho, mais acima, é a média da temperatura, mês a mês, em 2023. No ano de 2023, tivemos registros históricos. Foi o ano mais quente desde que a gente faz as medições de temperatura no Globo. Se formos comparar a temperatura de 2023 em relação ao período de 1850 a 1900, perceberemos que tivemos um aumento, uma anomalia. Quando a gente compara um dado período com uma climatologia, a gente chama a isso de anomalia. Essa anomalia foi de 2°C. Gente, 2° é muito! Nós falamos hoje que a média da temperatura do planeta não pode ultrapassar 1,5°C. Por quê? Porque vamos ter efeitos irreversíveis, como degelo das regiões polares, da Groelândia. E vejam: 2023 foi 2°C mais quente. A gente não pode manter isso pelos próximos anos.

E aí vocês devem se perguntar: “Poxa, ela está mostrando 2023, mas nós estamos em 2024. Já passou janeiro, já passou fevereiro. E aí, o que aconteceu nesses meses?”. Comparem as temperaturas médias do Globo nos meses de janeiro e fevereiro. Elas foram ainda maiores que as do ano de 2023. Será que essa tendência ainda vai ser observada nos próximos meses? Será que 2024 vai ser o recorde? Provavelmente sim. Quando pensamos no clima, além do aquecimento global, nós temos outros elementos, outros modos de variabilidade. O fenômeno El Niño, que é um aquecimento natural, que não é causado pelo homem, no Oceano Pacífico ajuda também a aumentar as temperaturas. Como esse evento El Niño ainda vai continuar até o início do inverno, provavelmente 2024 vai ter recorde nos nossos registros.

Itajubá é um município mineiro localizado no Sul do Estado. Ele seguiu o padrão global. A curva em verde é o ano de 2023. A chuva está mostrada em barrinhas. Estou olhando para as linhas. A linha verde indica, mês a mês, a temperatura média, e a linha em roxo indica climatologia, uma média de longo período. Desde julho, as temperaturas no Município de Itajubá excederam mais de 1°C. É a média climatológica. E em 2024? Gente, 2024 também está mostrando a mesma tendência.

Eu trouxe os dados aqui. Em janeiro, nós tivemos 22,9°C em média, enquanto a climatologia desse período é de 22,8°C. Então tivemos 0,1°C de aquecimento. Só que em fevereiro o aquecimento foi maior. Enquanto a média climatológica é 22,9°C, a média do mês de fevereiro foi de 23°C. E essa tendência também ocorreu nos outros municípios. Como apresentado no vídeo a que nós assistimos, 2023 foi o ano recorde no aquecimento, e o Estado de Minas Gerais foi um dos mais afetados. Dos 20 municípios mais quentes do país, 19 foram de Minas Gerais. Um destaque para a Cidade de Araçuaí, que está distante a quase 600km de Belo Horizonte. No dia 19 de novembro de 2023, ela registrou a maior temperatura já observada não só no Estado, mas no País, com 44.8ºC. Vocês devem estar se perguntando: “Ah, mas, às vezes, aparece na televisão que a Cidade do Rio de Janeiro mostra temperaturas de 50ºC”. Gente, aqueles são termômetros não oficiais! Aqui eu estou falando de um dado oficial do Instituto Nacional de Meteorologia.

Passamos então para as ondas de calor. O que são ondas de calor? Essas ondas se devem à estagnação do escoamento atmosférico. Pensem nos ventos: quando há uma região em que os ventos estão na calmaria e há predomínio de alta pressão – as minhas figuras coloridas em vermelho querem dizer isso: domínio de alta pressão –, você tem uma dificuldade de ocorrência de nuvens na região. Quando a gente olha essa informação em imagens de satélite – como mostrado na figura ao lado esquerdo da tela aqui –, vocês observam uma região preta na imagem de satélite que é a ausência de nebulosidade, ausência de nuvens e chuva. As ondas de calor então são devidas à estagnação do escoamento, e muitos processos ajudam à formação dessas ondas. Quando nós temos ondas de calor, os termômetros registram temperaturas elevadíssimas.

Eu trouxe alguns recortes, algumas notícias da mídia associadas aos extremos para vocês terem a informação. Essa notícia de 2023 diz: “Minas Gerais enfrenta a terceira onda de calor histórica, e temperaturas podem ultrapassar os 44ºC”. “O Brasil sofreu com nove ondas de calor no ano de 2023.” E, associadas a essas ondas de calor, também há condições mais propícias para o alastramento dos incêndios. E eu estou falando de incêndios… Quando a gente vê na vegetação, quando vocês observam queimadas na estrada, a maioria dos casos – posso dizer que 99.9% – não é causada naturalmente, mas por intervenção humana. Períodos secos e quentes estão mais suscetíveis a queimadas, e essas queimadas normalmente são realizadas por intervenção humana. Está aqui o Corpo de Bombeiros que confirma a minha palavra em virtude dos dados que a gente tem.

Conhecendo um pouco da dinâmica das queimadas no Estado de Minas Gerais. Este é um estudo realizado pelo grupo de Ciências Atmosféricas da Unifei. Todos os estudos que são do nosso grupo, eu coloquei o símbolo da universidade. – vocês podem ver no canto inferior o símbolo. Os meses com maior número de queimadas… Aqui eu estou chamando de focos de calor porque nós utilizamos informação de satélites. E satélites não detectam especificamente a queimada em si, a temperatura em uma dada localidade, e nós chamamos de focos de calor. Os meses com maior número de focos de calor são setembro e outubro, não é justamente o inverno. É o final do inverno e início da primavera, por quê? Porque o solo ainda está seco. Embora na primavera inicie a estação chuvosa, o solo ainda necessita de mais água para ser abastecido. Então há um delay entre o inverno e o período de maior número de queimadas. E onde ocorrem essas maiores queimadas? Na figura ao lado, os mapas que vocês estão observando, a linha superior é para os meses de janeiro, fevereiro e março; segunda linha: abril, maio e junho; terceira linha: julho, agosto e setembro; e quarta linha: outubro, novembro e dezembro. Em relação a setembro, que está na terceira linha e outubro, que está na quarta linha, notem que há mais cor avermelhada nas imagens. No Setor Norte e Nordeste do Estado é onde se concentram os maiores números de incêndios no Estado.

Qual o impacto das ondas de calor para a saúde humana? Eu fiquei bastante feliz com a presença do nosso colega que trabalha com epidemiologia, no setor da saúde, porque ele pode discutir mais tarde os impactos desses eventos na saúde. Aqui eu trouxe alguns detalhes, alguns dados para vocês. Quando a gente é exposto ao calor excessivo, a transpiração do corpo é excessiva também, levando à desidratação. A gente pode ter exaustão, queda de pressão e inúmeros outros problemas. Existe um rol de estudos publicados e periódicos internacionais, como esse da Plos, que fez uma associação entre as ondas de calor e o risco de hospitalização no Brasil. Então existem muitos estudos associando ondas de calor e problemas na saúde.

Agora mudando para o tema de ondas de frio. Enquanto eu falei que ondas de calor é uma estagnação na circulação atmosférica, ondas de frio estão associadas com deslocamento das massas de ar frias que se deslocam lá das latitudes mais altas, próximas da Antártica, e vão migrando para o interior do nosso País. Esta imagem, embora muitas informações sejam apresentadas, mostra a evolução de uma onda de frio. Notem a coloração azul na imagem. À medida que o ar frio vai entrando, ele vai alterando a temperatura das latitudes mais centrais do País, tornando essas regiões frias. O gráfico que eu mostro não é a temperatura em si da massa, mas a diferença, a anomalia causada pelo ar frio ao entrar numa região mais quente.

E quais os impactos das ondas de frio para nós, para o pequeno agricultor? Isso é terrível porque causam danos irreversíveis em muitas culturas. Nós temos perdas de cafezais, nós temos perdas frutíferas e prejuízos econômicos altíssimos. Ondas de frio são também problema de saúde pública. Nós ficamos mais suscetíveis a quê? Às doenças respiratórias – o ar seco e frio favorece a transmissão dessas doenças. Pessoas em situação de rua, moradores de rua chegam a ir a óbito por causa do frio extremo. Essa notícia que eu coloquei no slide não é de Minas Gerais, mas, sim, de São Paulo, onde, no ano passado, nós tivemos vários óbitos de moradores de rua associados às ondas de frio.

Temos que pensar. Vejam, eu estou trazendo um rol de informações e mostrando em que as mudanças climáticas estão impactando: impactam as pessoas em situação de rua; impactam os agricultores, não só os grandes, mas também os pequenos, que são muito prejudicados. Se você gosta de praticar exercício físico, você não vai sair ao meio-dia para fazer uma corrida num período de onda de calor – você pode ter um estresse térmico e ir a óbito. Então são todos problemas gravíssimos.

Falando de secas, nós temos secas em diferentes escalas: secas meteorológicas, agrícolas e hidrológicas. A figura na tela exemplifica quando a gente faz os cálculos matemáticos para a caracterização das secas. Quando eu falo de seca meteorológica, eu estou falando de uma seca não muito extensa que ocorreu num dado mês. Quando eu falo de seca hidrológica, são aquelas que se estendem por mais de um ano, como aconteceu na Bacia do Paraná. O que essas secas causam? Bom, gente, temos vários exemplos aqui relativamente à agricultura. Na Bacia do Rio Paraná, o transporte foi prejudicado, o transporte parou. Nós temos também impactos das secas no clima local. O Norte de Minas Gerais tem clima semiárido. Se vocês olharem o inverno… Esse mapa mostra a climatologia do índice de aridez para cada estação do ano. O último gráfico, no fundo da tela, é a média anual. Se vocês olharem para o gráfico marrom, inverno, vocês notarão que o Norte do Estado tem clima árido no inverno. Agora vamos pensar: já é uma região árida. Se não chover nada, o que acontece? Com outros problemas associados ao tipo de solo, à topografia, nós vamos ser mais vulneráveis à desertificação. Inclusive eu trouxe para vocês as notícias de desertificação no semiárido nordestino nessa figura, que é do Ministério do Meio Ambiente – ela é um pouco antiga. Eu coloquei setas indicando as regiões Norte de Minas Gerais e Nordeste, que são extremamente vulneráveis à desertificação. Também existe esse estudo mais recente, que mostra o extremo norte, em cor laranja, sendo uma área muito vulnerável. Isso tudo associado a secas. Então, secas, prejuízos para agricultura; secas causando problema de desertificação, porque aquela região já é vulnerável e, com as secas, torna-se mais propícia ainda à desertificação.

Secas e geração de energia. Nosso país depende muito da geração associada à água, à energia hidrelétrica. Nós tivemos um caso em que a barragem de Três Marias ficou totalmente seca – as turbinas tiveram que ser desligadas. Então secas e problemas na geração de energia. E aí é um caos, porque período seco, em geral, é quente ao mesmo tempo. Acontecendo isso, nós temos mais pessoas usando climatizadores, ventiladores, e mais energia sendo consumida. Então é uma bola de neve.

Problemas associados à combinação de, ao mesmo tempo, ondas de calor e secas. Onde, na Região Sudeste, a gente tem mais esses episódios? Olhem este mapa: ele indica que o centro e o Sudeste do Estado – tudo o que está em cor avermelhada – são as regiões que mais sofrem, as que tiveram aumento desses eventos combinados ao longo dos anos.

Agora vamos passar para o problema com as chuvas. Chuva é um evento extremo de tempo. Chuvas intensas podem causar o quê? Alagamentos. Esse é o caso, por exemplo, da cidade de Itajubá. A figura do meio mostra uma chuva muito intensa que nós tivemos em um curto período de tempo.

Chuvas, transbordamento e inundação. Esse é um problema público, porque os menos privilegiados economicamente não têm condições de ter suas residências em regiões seguras – são colocadas, muitas vezes, às margens de rios. Só que os rios têm períodos em que estão mais secos e um período no ano em que eles estão com um volume maior de água. É esperado que eles extravasem, a gente sabe. Mas o que acontece? A pessoa não sabe, põe a sua residência lá no período em que o rio está com um volume mais baixo e, quando está no período de cheia, inunda tudo. Então esse é um problema. Nós temos que trabalhar nas políticas públicas de moradia – moradia e local apropriados, não em qualquer lugar.

Outro problema associado com as chuvas intensas são os deslizamentos de terra. Ok, eu sei que tem muita gente com poder aquisitivo que gosta de colocar a sua residência numa região bonita, de montanha e tudo mais. Só que muitos, os menos favorecidos, estão morando nessas regiões não porque querem; é porque eles não têm condições. Quando chove ocorre o quê? O deslizamento de terras ocasionando muitos óbitos.

Chuvas e granizo. O granizo é extremamente prejudicial para a agricultura e para as infraestruturas. Quando ocorre nas estradas, pode ocasionar acidentes – são muitos casos de acidentes.

Estou colocando aqui também muitos outros episódios de chuvas extremas no País, não só os restritos a Minas Gerais. No Município de Petrópolis houve dois casos: um no mês de fevereiro e outro em março de 2022. No ano passado, se vocês se relembrarem, houve aquele caso no litoral de São Paulo: a chuva recorde de 600mm em 24 horas – na verdade, 680mm. Ocorreu também a chuva em Itajubá, no dia 27 de fevereiro do ano passado, que causou aquele transtorno na região da universidade. As fotos que estão sendo projetadas neste slide são de Itajubá e da região da universidade. Ciclones extratropicais severos no Sul do País. Nós temos inúmeros relatos. Ano após ano, se vocês fizerem um levantamento dos eventos extremos, verão que eles estão aumentando.

Agora eu vou passar para a terceira parte da nossa conversa, que é sobre as projeções climáticas no Estado de Minas Gerais. Até agora, eu falei sobre o que é observado, sobre o que é registrado e sobre o que a gente tem de informação. A partir daqui, eu vou explicar como a gente obtém informações para o futuro e o que está sendo projetado.

Eu trouxe uma pergunta: diante das evidências das mudanças climáticas, o que podemos fazer para ajudar o planeta? Bom, eu tenho uma lista de sugestões. Primeiro nós usamos a ciência para conhecer o que já ocorreu e entender o futuro; podemos projetar o futuro também; podemos desenvolver tecnologias para a redução de emissões, tecnologias limpas; podemos desenvolver mecanismos para a remoção de dióxido de carbono da atmosfera, entre outras coisas. E o mais importante: os governantes, e nós aqui, nesta Casa, hoje, temos que utilizar o conhecimento gerado para melhorar a vida da população; nós não conseguiremos frear as mudanças climáticas, mesmo que hoje todo o planeta pare de emitir os gases, porque os gases têm tempo de vida na atmosfera. Nós não conseguiríamos reduzir o aquecimento global. Então nós temos que ter medidas de mitigação e de adaptação para poder enfrentar o que vem pela frente, que vai ser pior do que o que a gente já está enfrentando hoje.

Pessoal, obter projeções climáticas não é algo fácil. O trabalho é bem complexo e demanda muitos custos. Primeiro nós precisamos de computadores de alto desempenho. Ok, temos os computadores. Agora nós precisamos dos cérebros de pessoas que estudam muita física, matemática, computação para que consigam representar a complexidade do sistema climático cuja imagem eu coloquei para vocês: vulcão, rios, oceanos, energia chegando, indústrias, carros, plantações. Os modelos têm que representar todas essas informações. Imagine a complexidade que é a gente representar esses fenômenos numericamente!

Além disso, nós precisamos de cenários. O que são cenários? São idealizações do futuro. Nós temos a possibilidade de ser mais sustentáveis, emitir menos, poluir menos e destruir menos o ambiente, mas nós temos também a possibilidade de continuar do jeito como estamos, de mãos paradas, sem melhorar o nosso ambiente. Então nós temos um cenário positivo, que é um cenário mais sustentável, e nós temos aquele cenário mais pessimista, em que vamos continuar emitindo os gases. E o que vai acontecer? Quando nós utilizamos modelos para fazer projeções para o futuro, nós temos que considerar os cenários – o cenário mais otimista ou o cenário mais pessimista – e produzir um leque de informações para que possamos fazer as tomadas de decisão.

Como eu disse, é uma ciência extremamente cara. Os computadores usados para isso são caríssimos. Eu trabalho com essa parte, o Prof. Benedito também trabalha – o Prof. Benedito também está aqui, nesta Casa –, e os nossos trabalhos dependem de recursos que são conseguidos por nós por via de projeto. Mas os computadores se tornam obsoletos muito rapidamente. É bem complicado. As prefeituras, o setor público pede a informação para a gente, mas, muitas vezes, a gente não pode passar a informação porque a gente não tem os equipamentos necessários para gerar os produtos. E existe uma estrutura organizacional no Globo para nós fazermos as projeções e termos os resultados mais eficientes.

Todos aqui conhecem e já sabem que existe o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC. O IPCC não paga cientistas, ou seja, todo mundo que nele trabalha o faz de livre vontade e por cortesia, juntando as informações produzidas no Globo sobre o clima. Só que para fornecer essas informações para o IPCC é necessário ter os modelos numéricos sobre o futuro. Para que não haja uma desordem no conhecimento, existe um grupo chamado Coupled Model Intercomparison Project – Cmip –, que organiza os protocolos para rodar os modelos climáticos. Esses modelos têm uma resolução de 100km: um ponto de grade aqui mais 100km.

Como a gente não consegue representar as características locais da região e estudar o clima da região, nesse caso, a gente vai para outra técnica, que é o statistical downscaling ou o dynamical downscaling, modelos com um ponto de grade mais refinado e mais próximo uns dos outros. Mas também existe um grupo internacional que cria os protocolos para a geração desses dados, dessas simulações, que é o Cordex, e eu faço parte desse grupo. Esses dados gerados são disponibilizados em plataformas de acesso público, mas não pense que você vai conseguir utilizar essa informação, que é bem complexa. É preciso haver pessoas especializadas para trabalhar a informação.

Quando eu falo de resolução horizontal, eu estou pensando numa rede. É como se fosse um pescador: se ele utiliza uma malha muito larga, ele não vai conseguir fazer a pesca; o peixe vai passar pelo buraco da rede. Agora, se eu coloco uma rede mais refinada, uma rede mais potente, eu consigo pescar, eu consigo capturar a informação, e é o que a gente faz para a atmosfera, para projetar o clima. Primeiro a gente tem que ter a informação – a informação não é tão refinada –, e, a partir daquela informação, a gente alimenta os modelos que têm um poder maior.

Então o que a gente tem nessa cadeia extremamente complexa? Eu não vou conseguir apresentar tudo que eu trouxe para vocês porque meu tempo está terminando. Quando eu fiz os testes das apresentações em Itajubá, eu falei muito rápido, e aqui eu tentei falar mais tranquilamente para vocês, e por isso vai faltar falar um pouco das projeções.

Mas eu gostaria que vocês tivessem esse conhecimento de que haver projeções do clima futuro é uma tarefa extremamente complexa. Existem grupos que pensam nos cenários, que são os SSPs narratives. Esses cenários são escritos matematicamente e passados para os modelos atmosféricos globais, que é o globinho ali em amarelo na imagem. Esses modelos liberam informações – imagem preta. Dessas informações, nós já podemos ter mapas globais indicando as tendências, como, por exemplo, a temperatura do ar, que é o mapa do globo que eu mostrei abaixo. Só que, para uma dada bacia e uma região localizada, não consigo usar essa informação dos modelos globais; eu preciso de uma informação regionalizada. Aí, a gente utiliza outras técnicas, outros modelos e pescamos o nosso peixe, que, na minha analogia, é capturar as informações climáticas de um dado local.

Eu teria esta parte da apresentação para mostrar para vocês, que é o que a gente espera para o Estado de Minas Gerais nas próximas décadas. Os resultados todos são pautados em modelagem numérica, não apenas em um modelo mas também em vários modelos. A apresentação estará disponível para vocês. No período da tarde, a gente pode discutir. Vou falar brevemente sobre a temperatura do ar para o futuro. Chegando ao final do século, a temperatura no Estado pode chegar a mais de 6ºC acima do que já é hoje. A precipitação, nesse lado da tela, ou seja, os quadrinhos em vermelho indicam onde está a Região Sudeste do Brasil. Para o verão, a gente espera, nas próximas décadas, aumento da chuva; e do inverno para a primavera, a redução da chuva no Estado.

Eu vou passar por estes aqui e ir para a parte de agricultura. Os mapas mostram, neste caso aqui, a evolução das áreas aptas ao cultivo do café. No último mapa, no fundo da imagem, nós temos somente uma pontinha em laranja indicando a área apta ao cultivo do café no clima futuro. Isso com um aumento de temperatura na casa de aproximadamente 6ºC. Outro estudo mostrando a mesma informação para o cultivo do café: plantio de oliveiras. O verde indica umas áreas aptas ao plantio indo para o final do século, que é a última linha da imagem. Vejam que o verdinho se concentra no Sul do Estado, sendo a área que vai estar apta a esse plantio. Frutíferas: é a mesma coisa. As frutíferas de clima temperado, as áreas aptas ao cultivo vão ser reduzidas também. Mudando, isto aqui seria a dengue, gente. No futuro, a Região Sudeste vai estar mais suscetível a casos de dengue. É o mapa do lado direito.

Agora vamos para a parte de energia. O Estado de Minas Gerais não é apto à geração de energia eólica porque os ventos são fracos. Entretanto, para a geração de energia fotovoltaica, ele é muito promissor. No futuro, esse mapa com um borrão vermelho no fundo, que é a estação de setembro a outubro e novembro, para o período de 2080 a 2099, mostra aumento de energia fotovoltaica. Esse é um trabalho em preparação pelo meu aluno de doutorado. Em breve, a gente já vai estar com a publicação pronta.

Eu concluo aqui com vocês dizendo que temos muitos impactos na saúde, na economia, na energia. Nós temos que pensar esses impactos porque daqui para a frente eles vão ser piores. Eu pulei os slides dos extremos. Nós vamos ter o maior número de chuvas extremas, o maior número de dias com chuvas extremas e mais volumosas, e problemas como deslizamento de terra e inundações. E o que a gente pode fazer? Recentemente saiu um estudo da Lancet em que eles propõem – e essa figura é um rol de sugestões para ser trabalhado nas cidades – trocar a fonte de energia das indústrias por fontes limpas, haver transporte público de qualidade, incentivar o uso de bicicletas. Essas são várias medidas que a gente pode implementar. Eu trouxe isso para a gente discutir à tarde as medidas que podem ser realizadas. Inclusive, eles fornecem essa tabela. Não era minha intenção ler a tabela aqui mesmo, gente. Estou passando rápido, mas é uma ferramenta que nós podemos utilizar durante as discussões nos grupos à tarde.

Terminando, então, lembramos que 22 de março é o Dia Mundial da Água; e 23 de março, o Dia Meteorológico Mundial. Esses são dias para a gente refletir sobre a água e a atmosfera. Este é o site da meteorologia do curso de ciências atmosféricas onde há os produtos de queimadas, de monitoramento do Rio Sapucaí, entre outros, inclusive das projeções climáticas. É o local que vocês podem utilizar para conseguir informações.

Muito obrigada pela atenção. Desculpem-me se tive que pular uma parte, mas é que, normalmente, eu sou uma pessoa que fala extremamente rápido e, hoje, tentei ser mais espaçada.

O presidente – Obrigado, Sra. Michelle. É muito importante a apresentação. É claro que é preocupante. Especialmente essa parte final da apresentação demonstra ainda mais a necessidade de todos nos envolvermos, conversarmos, aperfeiçoarmos e trabalharmos para tentarmos amenizar os problemas futuros. Muito obrigado por sua participação.

Agora nós vamos passar para a parte dos comentários, dos comentaristas que convidamos também, sobre essa discussão. Começamos pelo Sr. Bernardo Campolina, vice-diretor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, para que possa fazer os seus comentários.