Pronunciamentos

DEPUTADO DOUTOR JEAN FREIRE (PT)

Discurso

Comenta a falta de água no Vale do Jequitinhonha, ressaltando que a monocultura do eucalipto contribui para agravar a escassez de água na região. Destaca a redução do volume da barragem de Setúbal, no Município de Jenipapo de Minas, e denuncia que falta água de qualidade para a população, mas não para molhar a estrada para os caminhões de lítio passarem.
Reunião 78ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 1ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 15/12/2023
Página 79, Coluna 1
Indexação

78ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 13/12/2023

Palavras do deputado Doutor Jean Freire

O deputado Doutor Jean Freire – Boa tarde. Com este parlamentar e com essas parlamentares presentes, tenha a certeza absoluta do apoio aos servidores e às servidoras do Estado.

Quero cumprimentar a nossa presidenta, deputada Leninha, as colegas deputadas presentes, Bella, Andréia, Macaé, os servidores e as servidoras também presentes, que tanto nos ajudam na condução dos trabalhos, e o público que nos acompanha aqui e pela TV Assembleia.

Assim como a deputada Bella falou sobre a água, também quero tratar desse assunto e da questão climática, haja vista que venho de uma região onde crescemos aprendendo a lidar com a falta de água. Crescemos aprendendo a lidar com a seca – a mesma situação que a deputada Leninha enfrentou e que sempre foi uma militante dessa pauta, como a construção de cisternas de captação de água de chuva, barraginhas, enfim, essas tecnologias sociais. O Norte e o Nordeste de Minas Gerais, especificamente o Vale do Jequitinhonha, adquiriu expertise, ao longo dos tempos, nessas tecnologias sociais. Não é de hoje que falamos e anunciamos a seca a cada ano. A cada ano, a gente vem dizendo que essa é a pior seca da história, e, no próximo ano, “esta é a pior seca da história”.

Eu cresci e vivi vendo principalmente as mulheres carregarem lata d’água na cabeça, os homens puxando animal com latas d’águas nas laterais. Eu cresci vendo isso, essa relação da água com o nosso povo. Há poucos dias, na comunidade de Canoas, próxima à Queixada e Novo Cruzeiro, vi mulheres e homens carregarem pedras, carregarem pedras em penitência, companheiras deputadas. Na minha infância, eu já vi muito isso, e a gente vê isso a cada dia. Era comum a gente ver carregarem lata d’água, e agora a gente vê carregarem pedras, fazendo penitências para pedir chuva, para que venha chuva, isso em uma região que, ao longo da história, denunciamos tantas vezes a prática da monocultura de eucalipto, que se expande cada vez mais, matando as nossas nascentes, consumindo a nossa água. É uma região onde há escassez de água.

E quem são os culpados por vivermos este momento? “Ah, é a questão climática.” É tão fácil agora apontar o dedo e dizer que é o clima. Mas, pelo fato de o clima estar assim, quem são os culpados? Não dá para a gente falar, principalmente na nossa região, da falta da água, mas não ter a coragem de dizer o mal que a monocultura do eucalipto trouxe a essa região… Quando chegou, era o progresso, verde chegando. Levaram a nossa flora, a nossa fauna, acabaram com as nossas nascentes, com as nossas estradas. Aproveito para mandar um grande abraço ao povo dessa comunidade. Vou citar várias comunidades, mas, na comunidade de Canoas, imploram, no dia a dia, por caminhão-pipa. Há anos, mais de 10 anos, um poço artesiano foi aberto a pouca distância dali, foi aberto para levar água para esse povo, e tem água. Eu fui lá, fiz vídeo, presenciei, liguei a água, uma boa quantidade e qualidade dessa água, mas não fizeram a canalização até a comunidade, por quê?

Eu quero mais uma vez solicitar – como já fiz várias vezes desta tribuna –, eu quero saber quantos poços artesianos existem em Minas Gerais, quantos poços artesianos estão em funcionamento. Eu falo que é um crime que, às vezes, é necessário. Maior crime ainda é perfurar um poço artesiano, que tem boa produção de água e não levá-la até o povo. Assim vivem várias comunidades. Não foi uma ou duas vezes que usei esta tribuna para falar da dor do povo de Lelivéldia, próximo à represa, que é a maior de alteamento da América Latina, Irapé. Eles enxergam dali a água, mas não têm acesso à água.

Os caminhões bitrem, tritrem que eu presencio no dia a dia levando eucalipto do Vale do Jequitinhonha, principalmente ali hoje no baixo Jequitinhonha, passam pelas estradas e, muitas vezes, o caminhão-pipa tem água para molhar estrada para o caminhão passar – esse que sai destruindo as nossas estradas. E até onde eu sei, caminhões bitrem e tritrem não podem passar em estradas não pavimentadas. Até quando nós vamos usar essa tribuna e denunciar? Queria eu que não fosse preciso fazer essa denúncia por não existir essa violação aos direitos humanos. O acesso à água é um direito fundamental, e eu falo que não tem como lavar se não há água. Comunidades como a de Berilo, que se chama Vai Lavando, vivem também com a questão da falta da água, que poderia ser a de Irapé.

Ontem eu recebi em meu gabinete a visita do amigo e companheiro de tantas lutas, Zé Trindade, prefeito de Rubelita, com a seguinte demanda: água, água, trazendo a dificuldade de ele manter os caminhões-pipas. Uma diária de caminhão-pipa é por volta de R$2.000,00 para levar água até as comunidades. E as autoridades, o que andam fazendo? É difícil. E aqui, Zé, eu quero deixar não só a nossa solidariedade, mas também a nossa luta junto com você. Eu sei, companheiro, o quanto você se esforça pelo povo de Rubelita; eu sei que, ao falar de cada comunidade, da condição, da falta da água, vi no seus olhos a sensibilidade para com o seu povo. Você tem o nosso compromisso e a nossa luta de estarmos juntos nesta questão.

Há anos foi construída pelo presidente Lula a Barragem de Setúbal, que deveria ficar sobre a gestão do Estado. Hoje essa barragem está secando, a água sempre teve uma turbidez elevada; a Ruralminas, que faria gestão, acabou, se foi e fica agora um empurra-empurra. A barragem secando; as pontes que foram feitas já há muitos anos, destruídas, pontes de madeira que foram feitas pela Ruralminas; e o povo não tem acesso à água e o pouco de água que lá está é de péssima qualidade. A Secretaria de Agricultura procurando sempre dar uma explicação que não convence a quem lá está.

Ali há problemas de assoreamento, precisa-se de estudos, há pessoas da querida Cidade de Jenipapo que já se colocaram à disposição para auxiliar e ajudar nessa demanda. E lá está uma barragem que foi feita para levar acesso à água, para garantir a perenidade do Rio Setúbal e que vem agora passando por essa realidade. Mas essa barragem tem uma coisa que, para alguns, talvez seja um problema: talvez ela seja tão lembrada e não apareça nas mídias porque é uma barragem que se localiza no Vale do Jequitinhonha, o tão chamado – e tentam embutir esse nome em nós – Vale do Lítio pelo governo do Estado. Uma riqueza imensa, mas falta água para aquele povo. Mas não falta água para molhar as estradas para passarem os caminhões de lítio. Eu presencio no meu dia a dia as estradas sendo molhadas para passar o caminhão de lítio. Para isso não falta água. Não falta água para essa produção, mas falta água para o povo beber, sobretudo água de qualidade para o povo beber.

Todos já ouviram falar do Sistema Cantareira, quando começou a faltar água em São Paulo – foi alardeado em todos os cantos, em todos os meios de comunicação o Sistema Cantareira. Quando eu iniciei o meu primeiro mandato há quase nove anos, ouvi falar muito no Sistema Paraopeba, porque era sobre faltar água para Belo Horizonte, era sobre faltar água para a região rica, para uma cidade rica. O Sistema Cantareira era sobre faltar água para São Paulo. Aí aparece na televisão, aí todo mundo sabe o que é, até as crianças aprendem o que é. Mas talvez nunca tenham ouvido falar na Barragem de Setúbal, em outras barragens pequenas da nossa região; talvez nunca tenham ouvido falar de alguns riachos ou da falta desses riachos na nossa região.

Fizemos uma audiência pública, nesta semana, questionando a mortandade de peixes na cidade de Cachoeira do Pajeú. O nome lembra água – Cachoeira –, mas aquela água que lá está serviu para matar muitos peixes – foi denunciado aqui. E, vendo um vídeo, ainda a Copanor questionou se era real a mortandade daqueles peixes, porque não acharam peixes mortos lá. Talvez os peixes estivessem imitando, fazendo de conta ou se suicidado – quem sabe? Foi denunciado por vereadores, pela população de Cachoeira. Denunciamos também a qualidade da água de uma comunidade que se chama Encachoeirado. O nome também lembra água, mas lá não há água de qualidade. E a Copanor diz que aquela água que nós mostramos ali era de qualidade, uma água marrom, deputada Macaé. Eu propus que nós trocássemos: que saísse aquela água de lá e fosse para os diretores da Copasa e que eles levassem a água que eles bebem para a comunidade. Estou esperando uma resposta, se eles topam essa troca.

Esse é o dia a dia denunciado tantas vezes por mim aqui neste Plenário; tantas vezes, aqui desta tribuna, nos jornais. Agora é fácil falar que é uma questão climática causada pelo homem, por muitas autoridades, que cruzam os braços, ou pior, que usam os braços para aumentar esse ataque à mãe Terra, à nossa mãe natureza.

Por isso, eu termino a minha fala – quando a gente fala muito, a gente tem sede – com um copo d’água na minha frente. E agradeço àqueles que sempre nos servem água aqui. Eu terminei a minha audiência, há poucos dias, com muita sede, mas eu disse que ia terminar sem beber água, porque eu estou falando de um bem maior que falta na minha aldeia, que falta no lugar de onde eu venho. Muito obrigado, deputadas companheiras.