DEPUTADA ANDRÉIA DE JESUS (PT)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 1ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 04/08/2023
Página 122, Coluna 1
Indexação
51ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 2/8/2023
Palavras da deputada Andréia de Jesus
A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, colegas deputadas e deputados! Cumprimento a Mesa, a presidenta Leninha. Estamos iniciando novamente o semestre, depois de um recesso, recesso da Casa, mas muito de nós circulamos o Estado. Fomos muito cobrados ainda.
Queria começar o semestre compartilhando as motivações que me trouxeram a esta Casa. Eu, que venho da luta, que milito há muitos anos na luta por moradia, pelo movimento Desencarcera e acompanho os familiares de pessoas privadas de liberdade, principalmente no enfrentamento ao racismo como parte estrutural e estruturante da minha vida, escrevi um texto que traz um pouco das bandeiras que são o alicerce da minha luta, da minha continuidade. E também trouxe aqui alguns avanços que são importantes de registrar neste início de semestre. Eu trouxe um texto que fala da luta de nós por nós. Isso foi uma palavra de ordem que me acompanhou durante toda a campanha em 2018. A gente construiu uma campanha coletiva, e isso me marca muito, porque, durante muitos anos, a gente não se viu representada nas casas legislativas – eu estou falando nós, mulheres, negras, moradoras de periferia, cotistas –, espaços em que ainda somos minoria.
Então a gente usou muito esta expressão: uma política de nós para nós, pela qual a gente se olha, a gente se vê representada. E nós chegamos aqui graças a uma série de tecnologias sociais extremamente avançadas que nós trouxeram da África, da diáspora africana e que também foram construídas a partir da experiência e dos desafios concretos. Não são teses, não são observações empíricas, são um conjunto de práticas. Enfim, ocupamos pela primeira vez – e a palavra “ocupar” é muito importante, porque diz do lugar em que infelizmente a porta não estava aberta, e a gente precisou construir estratégias para adentrá-lo – uma cadeira na Assembleia Legislativa. É porque nosso espaço vem de longe, e nós nunca andamos sós. A ancestralidade nos orienta e, graças à benção dos nossos mais velhos, os nossos saberes permitiram experiências e desafios concretos para a ocupação institucional.
Eles avançam sobre os nossos corpos com projetos de morte – eu quero dizer aqui dos projetos de desenvolvimento econômico envolvendo mineração, extrativismo, o agronegócio –, avançam sobre os territórios e corpos negros, sobre os territórios tradicionais com projetos de morte. Mas nós temos um horizonte: o direito à vida sem violência para todas nós. E caminhamos nessa direção para transformar a política em uma política feita de nós para nós.
Sabemos que a capoeira é a nossa inteligência coletiva, é a nossa maior arma em defesa dos nossos corpos. Gingar e, com isso, criar confluências que já praticamos nas ruas com o canto, com a reza, encaminhando os desafios a fim de afirmar que a política não é propriedade das grandes cidades, não é propriedade dos grandes centros; que a política não é propriedade de homens brancos, supostamente héteros e nutridos.
Assumimos a Agenda Marielle Franco de direitos humanos para os favelados, para os quilombos. Assumimos a agenda Desencarcera como um princípio para que, de fato, a gente tenha segurança; o Despejo Zero; o Menos Palácio Mais Artes; o Sempre Vivas; e o Territórios Livres de Mineração, assim como o lutar por memória, verdade e justiça. Queremos uma política que garanta a vida nos interiores das Gerais, descentralizar o orçamento. E nós praticamos isso com editais abertos para que a nossa emenda parlamentar não seja para construir currais eleitorais, mas para atender os quilombos, as aldeias, as periferias como forma de reparação pelo crime da escravidão de quase 400 anos neste estado. Queremos, então, uma política para as mulheres, por nós, negras à frente, movimentando essa famosa pirâmide que é sustentada por essas mulheres.
São aqueles e aquelas que sabem que com racismo não há democracia, que são mulheres que garantem a vida e a dignidade, que as ocupações urbanas são direito enquanto morar for privilégio, que têm consciência disso, com os povos originários reflorestando mentes.
O nosso compromisso é com a luta por territórios ancestrais, comida sem veneno, trabalho e renda e, principalmente, com a visibilidade de outras economias, economias feministas, solidárias, com mais segurança e menos farda. Por isso propomos um percurso praticado e baseado no diálogo com as nossas sagacidades e as nossas habilidades, sempre ancorado por um mestre e uma mestra do fazer político, com a participação de lideranças e parlamentares. Queremos, sim, que a política seja um território de saberes com a nossa solidariedade, mostrando como ela se comunica e nos ensina o falar e a falar para os nossos; um território de saberes, tendo a capoeira como regra do jogo; o letramento coletivo sobre as principais questões jurídicas; um banho de sabedoria sobre articulação, orçamento e reparação. Queremos a política como um território de saberes que as nossas práticas ensinam; a trajetória da mulher negra, suas práticas, estratégias de ocupação institucional em diálogo simultâneo entre a luta, a fé, as manifestações e as ações institucionais e territoriais. Nós queremos e seguiremos firmes defendendo aqueles que são silenciados, que são os últimos a serem ouvidos, aqueles que, infelizmente, muitas vezes, o cárcere serve para silenciar, para que as mulheres tenham vida plena.
Por isso eu quero trazer aqui duas decisões importantíssimas que o STF promoveu neste segundo semestre. Acho muito importante a decisão unânime do STF, que entendeu que o uso da tese da defesa da honra contraria os princípios constitucionais da dignidade humana e da proteção da vida e da igualdade de gênero. A tese da defesa da honra é inconstitucional. É uma vitória para nós o Judiciário se posicionar a favor das mulheres, mas é importante a gente perceber como historicamente a gente teve pessoas à frente da escrita das leis, e muitas vezes essas mesmas leis não deveriam sequer ser praticadas, deputada Leninha, deputada Beatriz e deputada Ana Paula, que está chegando aqui, agora. São leis injustas e inconstitucionais. Graças a isso, graças a essa tese da legítima defesa da honra, muitas vezes, pessoas que praticaram feminicídio, tentado ou não, foram absolvidas, e o Judiciário invisibilizava tantas mortes ou deixava de responsabilizá-las. A tese da legítima defesa da honra era utilizada em caso de feminicídio e agressões contra mulheres para justificar o comportamento do agressor. O argumento era que o assassino e o agressor eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor. Eu sou formada em direito e inúmeras vezes ouvi isso nas aulas de direito penal. Muito me honra o fato de agora eu poder mudar os livros didáticos, mudar os discursos que autorizavam a morte de mulheres e legitimavam os agressores.
E aí eu quero também trazer uma preocupação. Nesta semana, nós assistimos, pelas redes sociais e pela TV, a uma situação muito grave em Minas Gerais, aqui em Belo Horizonte, que foi a omissão de socorro, dentro do aplicativo Uber, e responsabilização no caso de estupro.
Eu sei o quanto nós, mulheres, nos sentimos inseguras diante disso, o quanto isso machucou e feriu – e imagino que os colegas também. Mas eu queria chamar a atenção para o entendimento de que a legislação sobre os aplicativos deve ser de competência municipal. Em Belo Horizonte, há o Decreto nº 16.832, que fala da regulamentação do serviço de transporte individual, privado e remunerado, de passageiros do Uber e de outros aplicativos, como diretrizes para promover a segurança do usuário. Assim que eu ouvi o caso, fiquei pensando: o que nós, parlamentares, poderíamos fazer para garantir que os aplicativos formem e deem condições para que os motoristas cumpram diretrizes mínimas de proteção? É inadmissível! É o óbvio, porque eu imagino que ninguém, tendo uma pessoa dentro do carro passando mal, vá abrir mão de garantir a segurança dessa pessoa, de chamar um socorro. Mas, infelizmente, a gente precisa legislar. É preciso estar escrito na lei. A partir de uma pesquisa mais apurada, a legislação de Belo Horizonte já prevê que era dever do motorista do aplicativo garantir que a passageira estivesse em condições de segurança. Não foi o que ocorreu com a jovem que foi abandonada desacordada na rua por um motorista de aplicativo.
Nesse sentido, a Lei Federal nº 13.640, de 2018, determinou que cabe exclusivamente ao município legislar sobre transporte remunerado de aplicativo. Então quais medidas que eu achei oportuno tomar? A partir desse decreto federal, provocar as prefeituras e as câmaras de vereadores para que possam legislar sobre o óbvio: qual deve ser o comportamento dos motoristas de aplicativo ao transportar passageiro. E aí determinar, como a lei, o decreto de Belo Horizonte já prevê, que é obrigatório à pessoa do motorista, no serviço de transporte remunerado – isso aqui já é um artigo do decreto –, que, em situações nas quais o passageiro esteja desacordado ou com a sua capacidade de discernimento comprometida, que seja encaminhado à unidade de pronto-atendimento ou ao pronto-socorro mais próximo de sua residência; além disso, promover campanhas educativas em conjunto com empresas de serviço por aplicativo para que o motorista do serviço de transporte remunerado, privado e individual de passageiros, a serviço do transporte de aplicativo, preste socorro aos passageiros que estejam desacordados ou com a capacidade de discernimento comprometida.
Este aqui que eu acabei de ler é o ofício que encaminhei às prefeituras e às câmaras de vereadores, principalmente aqui, na região metropolitana, onde esse serviço é mais usual. Nós também iremos aprovar, na Comissão de Direitos Humanos, requerimento com teor semelhante para que, mais do que ser solidária, sofrer junto, porque foi muito grave – e nos preocupa que as nossas filhas e os nossos filhos que precisam usar aplicativo também sejam cuidados por esses motoristas –, que os operadores dos aplicativos também tenham responsabilidade de cuidar, de treinar esses trabalhadores e de fiscalizar para garantir, de fato, segurança.
Então essas são as minhas contribuições nesta tarde, presidenta. Agradeço. Boa tarde!