Pronunciamentos

DEPUTADA BELLA GONÇALVES (PSOL)

Discurso

Manifesta indignação pelo estupro de uma jovem no Bairro Santo André, no Município de Belo Horizonte. Elogia decisão do Supremo Tribunal Federal - STF - que proíbe o recolhimento de pertences de pessoas em situação de rua.
Reunião 50ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 1ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 03/08/2023
Página 88, Coluna 1
Indexação

50ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 1/8/2023

Palavras do deputado Bella Gonçalves

A deputada Bella Gonçalves – Boa tarde, boa tarde, presidenta Leninha! Boa tarde, todas as pessoas presentes aqui na Assembleia! É muito bom recomeçar este semestre com uma Mesa composta aqui por três grandes deputadas, três grandes mulheres.

Pessoal, corroborando um pouco também a fala da minha companheira Ana Paula Siqueira, hoje eu me inscrevi porque não podia deixar de manifestar a minha dor. Dor por ser mulher em uma sociedade em que tantas vezes nos abandona pelas calçadas. Acho que o sentimento de toda mulher, ao escutar os relatos de uma situação de abandono múltiplo por quatro homens, de uma mulher que estava vulnerável... Depois o estupro dessa mulher causou na gente uma revolta muito grande. A revolta é grande, porque foram tantas pessoas que poderiam ter oferecido uma posição de cuidado em relação a essa mulher, e não o fizeram, que alguma explicação isso precisa ter, Macaé. É tão inacreditável que um homem tenha levado uma mulher por 3km nas costas e ninguém tenha visto ou feito algo para além desses homens que violentaram, negligenciaram e abandonaram essa mulher, que o nome disso não é outro, senão a cultura do estupro e do assédio, que segue extremamente forte no Brasil, que vitimiza mulheres nesse nosso estado, que é o Estado campeão de feminicídio, de violência contra a mulher e que tem casos também terríveis, violentos e inaceitáveis de violação de estupro, de abuso, de assédio.

Nós temos visto um levante dos movimentos feministas; o 8 de março unificado e se manifestando em relação a isso que aconteceu. Não vejo outra forma de enfrentar a cultura do estupro se não com a desconstrução cotidiana do patriarcado, que se dá na educação, educação esta que acontece dentro e fora das escolas, que acontece em todos os espaços. Não vejo outra forma de a cultura do estupro ser anulada se a gente não parar de naturalizar situações como essa, naturalizar o fato de que mulheres podem ser abandonadas em uma situação vulnerável e tratadas com tamanho descuido. Queria eu que essa companheira tivesse encontrado uma outra mulher, uma amiga, que, sabendo o que significa caminhar nas ruas de Belo Horizonte à noite, pegar transporte à noite, sair de um show e voltar para a casa à noite, tivesse estendido a mão e feito um ato mínimo, um ato mínimo de cuidado, que era buscar ajuda profissional para essa mulher, ou mesmo que oferecesse um espaço de acolhimento para ela enquanto ela se recuperava. Infelizmente não foi o que aconteceu. Essa dor nós, então, vamos carregar como uma ferida na história também das mulheres mineiras, mas ela exige de nós luta, reparação, justiça por todas nós. Não queremos que nenhuma mulher seja mais violada.

Eu me inscrevi aqui também, gente, para tratar de um outro assunto que eu considero muito importante, que foi a decisão do ministro Alexandre de Moraes na ADPF que foi protocolada pelo Psol, pelo MTST, movimento que eu também construo, pela Rede de Solidariedade, que reproduz inclusive uma decisão anterior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proibindo o recolhimento de pertences de pessoas em situação de rua. Para alguém que passa frio nas calçadas, um papelão, um cobertor, uma barraca, um colchão é muito valioso. Nós não podemos permitir que o recolhimento de pertences siga acontecendo. Apesar de a gente já ter uma decisão transitada em julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, aqui, no nosso estado, há pelo menos cinco anos, a partir de uma ação popular do Coletivo Margarida Alves, grande coletivo de advocacia popular, a gente ainda percebe tentativas dos municípios e, neste caso, do Município de Belo Horizonte e de outros municípios do Estado de Minas Gerais, de tentar regulamentar o que pode ou não a população em situação de rua portar, o que pode ou não uma pessoa que está em situação de rua ter. Aí a gente vê se reproduzindo técnicas horríveis, como é o caso da instalação de pedras debaixo dos viadutos, o que a gente chama de arquitetura hostil; como é o caso do recolhimento de pertences; como é o caso ainda de outras medidas, como controle de natalidade, internação compulsória e até multa para familiares de pessoas em situação de rua. Essa foi uma das propostas que o Partido Novo levou para a Câmara Municipal de Belo Horizonte, medida, projeto que foi aprovado vergonhosamente em 1º turno, mas que foi arquivado depois da decisão do Alexandre de Moraes. Essa decisão do Supremo Tribunal Federal fortalece uma perspectiva de garantia de direitos para a população em situação de rua, que precisa começar com a garantia do direito à moradia; direito de acesso à água; direito de acesso ao trabalho; direito de construir um acolhimento, um cuidado que permita a essas pessoas superar a situação de rua para depois viver com dignidade.

Belo Horizonte tem cerca de 10 mil pessoas em situação de rua. O Estado de Minas Gerais tem tantas outras pessoas em situação de rua. E a gente vê que medidas como as que têm sido empregadas em São Paulo e o projeto de lei aqui, em Belo Horizonte, são medidas absolutamente agressivas, que remetem a um período de totalitarismos e de genocídio, a que a gente assistiu em períodos como o do nazismo. Inclusive isso foi citado pelo desembargador Rafael Bitencourt, na decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e também é uma das medidas que embasou a decisão do STF.

Parabenizamos então o Alexandre de Moraes, o STF, o Psol, a rede MTST pela decisão importante em relação à população em situação de rua. E também estamos com os nossos olhos virados para o Ministério dos Direitos Humanos, com o ministro Silvio Almeida tendo lançado agora, em tempo recorde, um pacote de medidas que já atende a várias das prerrogativas do STF, com o lançamento do programa Inverno Acolhedor. Ele foi lançado em Curitiba, nos últimos dias, e pretende fazer uma série de ações emergenciais para que a população em situação de rua tenha acolhimento, atuação emergencial neste período de frio, para que este frio não signifique a morte das pessoas, como em tantos casos costuma significar.

Mas também o ministério tem avançado na construção de vários outros pacotes, experimentando metodologias de Moradia Primeiro, experimentando a ampliação do orçamento para os Centros Pops, para os restaurantes populares, para toda uma estrutura de proteção em direitos humanos. Nós também queremos ver isso avançar no Estado de Minas Gerais. Por isso, na semana passada, nós protocolamos um projeto de lei aqui, na Assembleia, para instituir também uma política estadual intersetorial da população em situação de rua. A gente espera conseguir avançar com acolhimento, atenção, insistência no cuidado, porque só o cuidado pode fazer da nossa sociedade adoecida uma sociedade que, de fato, não permita tamanhas violências como as que têm sofrido as mulheres, como as que tem sofrido o povo negro, como as que tem sofrido o povo indígena, como as que tem sofrido a população em situação de rua.

É isso. Vamos seguir firmes. Grandes desafios para este semestre.