DEPUTADO LUIZINHO (PT)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 1ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/03/2023
Página 33, Coluna 1
Assunto DEPUTADO ESTADUAL. DIREITOS HUMANOS. TRABALHO, EMPREGO E RENDA.
18ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 22/3/2023
Palavras do deputado Luizinho
O deputado Luizinho – Sra. Presidenta, muito obrigado. Quero cumprimentar a todos aqui da Mesa, os colegas deputados e deputadas. Deixem-me pegar um textinho escrito aqui.
Boa tarde, Sra. Presidenta Ione; boa tarde, Macaé; boa tarde a todos que nos acompanham pela TV Assembleia, especialmente em minha cidade de Alfenas e em todo o Sul de Minas. A nossa língua portuguesa não tem muitas opções para que eu possa expressar a satisfação, a alegria que sinto. “Orgulho” e “honra” são palavras ambíguas que podem significar sentimentos inclusive negativos. Em português não há uma boa palavra. Eu gosto muito da palavra “entusiasmo”, que é mais apropriada. Derivada do grego “en theos”, cheio de Deus, estado de grande arrebatamento e alegria. Entusiasmado, é assim que me sinto ao ocupar o mais nobre espaço deste Parlamento para agradecer a recepção generosa e amistosa que nós, novatos, recebemos nesta Casa, e o faço na pessoa do nosso presidente, deputado Tadeu Leite, que, aliás, tem vínculos familiares com a minha cidade de Alfenas. Muito obrigado.
Depois, faço uso desse direito sagrado de falar para somar minha voz à voz rouca daqueles que lutam em muitas trincheiras contra o trabalho escravo no Brasil. Nesse sentido, apresentarei um projeto de lei, uma contribuição às normas legais, que ajudará no combate ao trabalho escravo e será debatido nesta Casa. Para nos situar quanto ao problema do presente, faz-se necessária uma digressão histórica. A chaga da escravidão no Brasil iniciou-se com a escravização dos indígenas. A ideia que tradicionalmente se passa nas escolas até hoje, infelizmente, de que nativos não eram escravizados por serem preguiçosos não é fato e não condiz com a verdade histórica. Os indígenas não eram escravizados porque conheciam o território. Comunicavam-se no interior de seus grupos étnicos, poderiam fugir porque tinham como sobreviver em seu ambiente. Quem era estranho ao ambiente era o escravizador, e não o escravizado. Por outro lado, ao se trazerem os negros da África para o Brasil, estes eram retirados do seu ambiente de vida, do ambiente da sua sobrevivência, do seu grupo, da sua língua, tornando-se fragilizados. Por esse motivo, era mais fácil escravizar um negro, porque ele estava fora do seu território. O terceiro motivo da escravização no Brasil, trazendo-se os negros através do tráfico de pessoas, era porque transformava-se essa vinda dos negros em um grande negócio, numa engrenagem importante da economia mercantilista de Portugal.
O tráfico, o comércio indecoroso de pessoas, gerava divisas para a metrópole portuguesa. Assim acontece ainda hoje com a chamada escravização contemporânea. Os trabalhadores do Norte do Estado, por exemplo, e em nossa Minas Gerais, aliciados para virem para lavouras de café do Sul de Minas ou da Bahia, às vezes, vão para o Rio Grande do Sul, saem da sua realidade, saem do seu convívio, saem dos seus grupos de amizade e vão para uma terra estranha. Ali não conhecem as pessoas, não têm crédito comercial, não podem comprar, não podem ir a uma loja, não podem ir a um supermercado e, como os escravizados africanos no Brasil colonial e imperial, tornam-se fragilizados e mais fáceis de serem escravizados.
Por outro lado, quando se utilizam trabalhadores da região, mão de obra na própria região, os trabalhadores têm mais facilidade de mudar de emprego porque não estão em alojamentos do proprietário, conhecem o lugar onde vivem, podem comprar, podem ajuizar ação trabalhista local e esperar o resultado, por exemplo. Então, nesse caso, é mais difícil suborná-los com trabalho degradante. Por isso buscam trabalhadores longe, de outras regiões do Brasil. O Sul de Minas é campeão em aliciamento de mão de obra. Eu, pessoalmente, na condição de membro da Comissão de Direitos Humanos, junto com os sindicatos, já acompanhamos mais de 4 mil trabalhadores em condições de trabalho escravo na nossa região.
E, assim como era o tráfico de escravizados, o tráfico de pessoas no Brasil é um negócio, um negócio levado a cabo pela figura do chamado gato, aquele que agencia, que promete mundos e fundos a trabalhadores, por exemplo, do Norte de Minas, para irem para o Sul de Minas, mas, chegando a essa região, não têm nem o fundo. Aliciam trabalhadores e recebem pelos trabalhadores. Virou também, como na época da escravidão do Brasil colonial, um negócio. O empregador nesse caso, um criminoso, paga aos gatos para que esses trabalhadores possam vir para a nossa região. O trabalhador já chega à propriedade com a dívida do transporte, é alojado em alojamentos improvisados, em tuias de milho, em casas improvisadas que estão em situações de abandono. Já vi gente sendo alojada em baia de cavalo, irmãos nossos, de Minas Gerais, especialmente do Norte de Minas. Já vi gente do Noroeste do Paraná, do Sul da Bahia, até de Alagoas em nossa cidade.
Esse trabalhador tem ainda a dívida pelo material de trabalho utilizado. Aí se cobram o pano, as botas, as roupas, a enxada. Tudo isso vira dívida. São os grilhões modernos. Assim é o aliciamento de mão de obra.
Em nosso país, lá em 1940, no Código Penal, já tipificamos isso como crime, crime contra a organização do trabalho, crime de competência federal. O art. 207 do Código Penal caracterizou como crime levar trabalhadores de uma região para outra, ou seja, o chamado aliciamento de mão de obra, e pune com prisão o empregador. E não se pode terceirizar o crime. Terceirizam-se, no âmbito do trabalho, as obrigações trabalhistas, mas, pelo crime, é o dono do empreendimento que é responsabilizado. É assim em nosso país. Desde 1940, o legislador, com muita sensibilidade, tipificou isso como crime, pois levar trabalhadores de uma região para outra, além de fragilizá-los, também há prejuízo para ambas as regiões. O importante é desenvolver as regiões para que os trabalhadores não tenham de migrar.
Dessa forma, como está no Código Penal, se levarmos trabalhadores de uma região para outra, é preciso que se registrem as pessoas na cidade de origem. Então, se você vai trazer pessoas de Brasília de Minas, de Coração de Jesus – eu já vi muita gente dessas regiões chegarem a Alfenas –, você precisa registrá-las na sua cidade de origem, na CTPS, na Carteira de Trabalho, e assim trazê-las registradas para a panha do café, se for o caso.
Diante desse quadro de trabalho escravo que nos envergonha, o que nós vamos propor é uma norma auxiliar, equiparando os alojamentos que são feitos escondidos dentro de muitos empreendimentos rurais, a alojamentos urbanos, como hotéis, pensões, para que tenham os alvarás de saneamento, os alvarás sanitários, a fim de que esses alojamentos possam receber trabalhadores. E aí, se o Estado de Minas Gerais trouxer essa equiparação, a vigilância local terá que exigir desses alojamentos alvarás sanitários, alvará de Corpo de Bombeiros para que eles possam existir. Fazendo assim, nós dificultaremos essa prática nefasta que, infelizmente, ainda existe no nosso Brasil. Envergonha-nos saber que Minas Gerais é a campeã de trabalho escravo, Sra. Presidenta, viu, Macaé? Minas Gerais é a campeã de trabalho escravo no Brasil: 40% dos casos de trabalho escravo no Brasil estão em Minas Gerais. Até agora já são mais de 8 mil trabalhadores resgatados em Minas Gerais. Só no ano passado, foram descobertos mais de mil trabalhadores que estavam em condições análogas a de escravos.
Eu sempre digo, deputados, deputadas, que nós não estamos nem no capitalismo moderno ainda, nem capitalistas esses empresários são. Não estamos falando aqui de socialismo nem de comunismo, estamos falando de capitalismo. Nem capitalistas são, estão na época da escravidão. Não conseguiram nem evoluir, dar um passo ao capitalismo. Esses empresários que fazem isso também são desonestos com os outros colegas empresários, porque eles fazem essa prática para auferir lucros e prejudicar a concorrência leal, já que têm mais facilidades com os concorrentes que cumprem a legislação brasileira. E aqui nós não estamos falando de nada revolucionário, de nenhuma reforma; estamos falando do Estado de Direito, de cumprir a legislação. Nem isso se faz, nem isso se faz! É crime no Brasil tirar trabalhadores de uma região e levar para outra, é crime federal, de competência federal. E, quando chega à fazenda, o objeto do crime está lá, a materialidade do crime está dentro da fazenda. É fácil a gente descobrir, esse crime é fácil de ser revelado. Infelizmente os fiscais do Ministério do Trabalho são poucos, os auditores são poucos, e, por isso, nós estamos tentando buscar uma força auxiliar para que os municípios e o Estado de Minas Gerais possa ajudar a legislação federal a combater essa prática, como eu disse, que envergonha todos nós.
Eu vou apresentar, nos próximos dias, Leleco, uma legislação que auxilia. Discuti muito com os auditores do Ministério do Trabalho, com o nosso pessoal do movimento popular, com as pessoas que lutam há anos e anos. Encontrei hoje o José Aparecido – não sei se o senhor se lembra do José Aparecido –, que é acampado lá no Vale do Aço, é um lutador; com o Jorge, lá de Varginha, que é um lutador também contra essa prática, com muitos. Então, nós esperamos que o Parlamento debata e que este Parlamento dê uma contribuição.
Também quero enaltecer a… Já assinei aqui uma proposta da Frente Parlamentar contra o Trabalho Escravo, já houve algumas iniciativas aqui do nosso líder Cristiano também sobre esse caso, já temos uma legislação anterior, que cassa a inscrição do ICMS dos produtos que são produzidos com trabalho escravo. Mas isso é de difícil implementação, porque o processo tem que transitar em julgado. Então, dificilmente a gente consegue punir com cassação do cadastro de ICMS. Como existe a legislação aqui, em Minas Gerais, desde 2013, é difícil, porque transitar em julgado é muito difícil. Às vezes nem o devido processo legal há. Mas eu também proponho que – a legislação também tratará sobre isso, a proposta – baste a multa do Ministério do Trabalho para já caracterizar o fato para que se possa caçar a inscrição do ICMS dos produtos que sejam produzidos em condições de trabalho escravo.
Também uma possibilidade, Cleiton, na nossa região, cuja situação de trabalho escravo você conhece muito bem, é que pudéssemos punir os prefeitos, impedindo-os de receber verbas nas cidades onde houvesse trabalho escravo, financiamentos, inclusive emendas parlamentares. Depois dessa lei, ele poderá ajudar fazendo vistorias, por exemplo, nos alojamentos, o que impediria a vinda de trabalhadores de outra região. Se precisarem vir, que venham, mas que venham com carteira registrada, e não em condições de trabalho escravo. O ideal é que possamos desenvolver todas as regiões do Brasil para que os trabalhadores possam ficar nas suas regiões e desenvolver por igual o nosso país.
Muito obrigado, Sra. Presidenta. Obrigado a todos e a todas. Muito obrigado.