Pronunciamentos

DEPUTADA ANDRÉIA DE JESUS (PT)

Discurso

Presta solidariedade às mães que perderam filhos em recentes operações policiais. Comenta a prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson, criticando o tratamento privilegiado dispensado a ele pela Polícia Federal - PF. Defende o desarmamento. Alerta para o risco da desvalorização do salário mínimo. Informa sobre reunião com quilombolas.
Reunião 58ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 19ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 27/10/2022
Página 7, Coluna 1
Assunto ELEIÇÃO. POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA.

58ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 19ª LEGISLATURA, EM 25/10/2022

Palavras da deputada Andréia de Jesus

A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, presidente; boa tarde, colegas deputadas e deputados, público que acompanha a Assembleia Legislativa, trabalhadores que aqui estão, da comunicação. Boa tarde! Eu me inscrevi, presidente, para trazer três assuntos que me chamaram a atenção. Eu gostaria de começar a semana ocupando este Plenário para trazer esses assuntos.

Primeiro quero reforçar aqui o que eu já fiz nas redes sociais, que é ser solidária às mães que perderam filhos em operações policiais. Sou presidenta da Comissão de Direitos Humanos pelo segundo ano. A gente acompanha a dor das mulheres negras como eu, mães solos que perdem filhos em ações extremamente violentas, em territórios extremamente vulneráveis e que têm que assistir pelas redes sociais, pela tevê, a um ex-deputado federal que pratica crime grave, um atentado de vida a outros policiais; e ver ainda a posição da Polícia Federal ao negociar com criminoso, tratando-lhe com um privilégio que nós, povo negro, povo que mora na periferia, jamais vimos nenhum policial conceder. A abordagem policial em territórios vulneráveis é sempre de ameaças cotidianas à vida das pessoas.

E a gente tem que ver o Roberto Jefferson, deputado federal, que responde por crime grave contra instituições fortes e importantes, como o STF, atacando as mulheres. E aqui quero também ser solidária à ministra Cármen Lúcia, porque as palavras que saem da boca desse homem ferem toda e qualquer mulher neste país. É um ataque às mulheres de forma misógina; e, não satisfeito com isso, ataca o sistema de Justiça, que, embora também seja ocupado por muita gente cheia de privilégios, precisa ser respeitado, porque, se a gente, de fato, quer garantir segurança pública e quer garantir que a nossa vida tenha valor, a gente precisa respeitar as instituições. Então, também quero ser solidária à ministra Cármen Lúcia.

Outra coisa que é importante: acho que, no meio dessa fumaça, dessa cena ridícula de ver um deputado, que ficou anos ocupando a Câmara Federal, atacar o STF, é preciso entender o quanto é importante a lei do desarmamento. É grave a gente ter um presidente da República que incentiva o uso de armas por cidadãos, por pessoas comuns, porque é uma ameaça aos familiares, é uma ameaça às mulheres. E hoje a gente viu que a própria Polícia Federal foi ameaçada por uma pessoa que tem uma granada entre os artefatos da sua casa. Coisa simples, não é? Saiu para comprar um maço de cigarro e trouxe uma granada. Isso é muito grave. Nós estamos aqui para reforçar a importância da lei do desarmamento. Ninguém compra arma para fazer coisa boa, para cuidar da família, para cuidar da saúde, para cuidar do bem-estar, para cuidar da praça em frente à sua casa, não é?

Nós precisamos reforçar a importância de a gente defender direitos humanos numa perspectiva de garantir dignidade para as pessoas. Quando a gente fala de dignidade, eu quero já entrar no terceiro assunto, que é o salário mínimo. Recentemente, nós vimos Paulo Guedes, o ministro deste desgoverno Bolsonaro, anunciar que o salário mínimo e a aposentadoria não mais vão acompanhar a inflação. Eu quero chamar a atenção de você que é chefe de família como eu, que criou filho sozinha, foi diarista, nunca teve carteira assinada, que não consegue planejar a vida porque ganha o dinheiro que vai comer naquele dia, que está trabalhando agora com aplicativo. Imagine o salário mínimo e a aposentadoria não acompanharem o aumento da inflação! Se hoje você entra no supermercado e já não consegue comprar produto de limpeza, já não consegue comprar carne e está levando ovo para casa, outros estão comendo osso, como a gente viu. São imagens que circularam amplamente. Nós estamos falando de miséria.

A palavra “miséria” já tinha desaparecido no Brasil. Havia extrema pobreza ou pobreza, mas estamos falando de pessoas viverem em situação de miserabilidade. Imagine você se, nos últimos quatro anos, o salário mínimo não acompanhasse o aumento do salário. Antes, no governo Lula, sempre no primeiro dia de janeiro, havia reajuste de salário que superava a inflação. E se isso acontecer com cada um dos servidores que está aqui, na Casa? Se o salário dos trabalhadores não seguir minimamente a alteração da inflação, você não consegue entrar no supermercado e levar arroz para casa. Você vai ter que tirar do carrinho de compra o arroz, o leite. Ou é arroz ou é fubá. A gente vai voltar a comer canjiquinha. Quantas vezes meus pais tiveram que substituir arroz por canjiquinha! Nós estamos falando de dignidade humana.

Então, eu venho aqui, a Plenário, novamente dizer que nós corremos risco. Já estamos vendo o nosso povo passar fome, revirar caminhão do lixo para comer, comer resto de sacolão. Eu moro em Ribeirão das Neves e faço questão de que todo o meu salário, toda a minha remuneração fique dentro da cidade que me elegeu. E eu fico constrangida de hoje entrar no sacolão que fica no centro de Ribeirão das Neves e ver mulheres da minha idade – eu tenho 44 anos – comendo banana do lixo, pegando resto de legumes para levar para casa, aquilo que o sacolão já desprendeu, de que abriu mão. Isso não é dignidade. A gente está discutindo, às vezes, pautas de costumes, que é importante. A gente luta por ter identidade, identidade com o nosso corpo, valorização das mulheres, valorização da religião, porque é caro para a gente ter religião e poder falar das nossas crenças. Mas, neste momento, o País avança para algo que é a barbárie: pessoas que foram eleitas há anos atacando instituições como a polícia, como o Supremo; a Suprema Corte do País servindo de deboche em live; pessoa que está presa, cumprindo pena domiciliar... Eu pergunto para você que está no Aglomerado da Serra, no Cabana, no Morro do Papagaio: existe alguém cumprindo pena domiciliar que pode usar as redes sociais para atacar juiz, atacar desembargador, atacar ministro? O que é isso senão o racismo estrutural esfregando na cara da gente que ser pobre e ser preto é o motivo de a gente hoje estar cumprindo pena. Mais de 800 mil presos, e 40% deles nem sequer passaram pelo devido processo legal. Estão lá cumprindo pena. Em vários presídios aqui, em Ribeirão das Neves e na região metropolitana, estão com doenças graves, que estão acometendo as pessoas acauteladas, chegando até suas famílias. A humilhação que essas mulheres sofrem ao visitar um ente que está privado de liberdade, mas que, para se ressocializar, recuperar... Essas frases que se perderam no tempo, porque, na verdade, o que nós vimos em relação à Justiça e à segurança pública é uma discriminação. E dói, dói ver a polícia tratar de forma diferenciada pessoas que estão em conflito com a lei. E a gente precisa falar disso em espaço público. É para isso que eu fui eleita, para trazer debates e reflexões que, nesta Casa, são muitas vezes apagados ou invisibilizados. Porque, enquanto isso, eu tenho certeza de que há mais uma mãe chorando a morte dos seus filhos por esse mesmo sistema de Justiça, que trata alguém que ataca policiais com granada, com tiro como uma pessoa depressiva, que precisa de tratamento, que precisa de cuidado, que precisa de acolhimento. A maioria do povo brasileiro precisa de cuidado, e por isso nós apoiamos uma política que tenha respeito aos trabalhadores e trabalhadoras.

O salário mínimo, a aposentadoria é o que mantém a maioria das famílias na periferia. O supermercado, a economia local é mantida por aquele aposentado, aquela aposentada, que hoje mantém a família inteira, porque o número de desempregados é muito grande. Então há o reajuste dessa aposentaria anualmente, observando que o aumento da cesta básica no supermercado é fundamental. É fundamental, presidente. Eu me inscrevi porque isso vai sufocando. Só quem vive na periferia e acompanha diariamente a vida dessas famílias que dependem de aposentadoria, de salário mínimo... Não estou falando aqui de alto escalão do Judiciário, de alto escalão do Executivo; nós estamos falando de gente que vive com o mínimo existencial, o mínimo existencial.

Por isso é que eu chamo a atenção de vocês: é muito importante que alguém tenha compromisso com o salário mínimo; tenha compromisso com os aposentados; tenha compromisso com as mães solo, que trabalham e vivem o dia. É importante que a gente avance na proteção daqueles que estão em situação mais vulnerável, porque a gente sabe que, quando a assistência social se afasta, quando a política de educação se afasta, quando a política de saúde se afasta, o que chega é a falsa segurança pública que ataca aqueles mais pobres que reagem a isso.

Eu sigo com o meu compromisso. Ontem... Eu quero falar aqui também a experiência de ter ouvido mais de 90 associações quilombolas para explicar o que é a lei orçamentária, que está aqui, nesta Casa, para ser votada. É o momento em que os parlamentares podem fazer indicação no orçamento. Nós sentamos com cada uma dessas associações quilombolas para ouvir as demandas, ouvir as necessidades. E a gente ouviu muitas delas dizerem: “Nós precisamos de política para atender a juventude quilombola, porque, se a política não chega, chegam outras forças que destroem os territórios, e por omissão do Estado”. Escola integral, cursos profissionalizantes. Eu sou fruto de política pública. Mudou a minha vida ser cotista. Mudou a minha vida ter passado pelo ProUni. Não estudei em faculdade pública, infelizmente, mas ainda pretendo fazer mestrado, doutorado, compartilhar o meu saber com as universidades federais. Eu estudei pelo ProUni. As cotas mudaram a minha vida. Hoje eu sou advogada popular, acompanho a luta de quem não tem moradia, de quem não tem teto, mas eu coloco o meu conhecimento a serviço da comunidade. É isso que as comunidades quilombolas reivindicaram ontem à noite. Nós ficamos de 7 horas as 10 horas da noite ouvindo as comunidades. Elas diziam: “Cuidem dos meus filhos. Cuidem dos herdeiros”. Nós precisamos enfrentar isto: fazer uma política que queira cuidar dos herdeiros, dos saberes tradicionais, e não uma política que só atende os privilegiados desde a colonização. Obrigada, presidente.