DEPUTADO SÁVIO SOUZA CRUZ (PMDB), Presidente "ad hoc". Autor do requerimento que deu origem à homenagem.
Discurso
Legislatura 17ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 17/12/2014
Página 11, Coluna 1
Assunto HOMENAGEM.
Proposições citadas RQO 31 de 2014
67ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 17ª LEGISLATURA, EM 12/12/2014
Palavras do presidente (deputado Sávio Souza Cruz)
O presidente (deputado Sávio Souza Cruz) - Sra. Patrícia Boson, filha do Prof. Gerson de Brito Mello Boson, cuja história hoje nos motiva a reunir-nos para reverenciá-lo; Excelentíssimo Sr. deputado dos idos de 1987 a 1991, hoje desembargador, Luís Carlos Cambogi; desembargador Ximenes; Sra. Maria Ottilia Lopes Boson, viúva do nosso homenageado; senhoras e senhores.
No dia 27 de novembro, completou-se o centenário de nascimento do Prof. Gerson de Britto Mello Boson. A passagem da data mereceu reuniões especiais na sede da OAB em Minas Gerais, na Academia Mineira de Letras e na Fundação Mineira de Educação e Cultura, a Universidade Fumec. Não poderia esta Assembleia, representativa do povo de Minas, deixar de juntar-se a esse singular conjunto de homenagens, com isso contribuindo para tornar simbolicamente universal, na terra mineira, o reconhecimento que muito justamente se deve ao Prof. Gerson Boson.
De fato, senhores e senhoras, mesmo sem ter podido comparecer às solenidades anteriores nas suas respectivas datas, não me é difícil avaliar que cada uma delas teria priorizado, em suas homenagens, uma face da complexa personalidade do homenageado, isto é, a síntese unificadora.
Certamente coube à OAB extrair do perfil do Prof. Boson o traço do homem do direito. Advogado capaz de unir o extenso conhecimento jurídico ao tratamento humanizado de quem o procurasse, o Prof. Boson foi um expoente em sua área de trabalho, nela tendo galgado posições de elevada significação. Juiz do TRE em Minas Gerais, sua presença ilustrou as mais renomadas agremiações do direito internacional, sem se afastar dos órgãos de representatividade nacional, como a própria OAB em Minas Gerais, onde idealizou e fundou a Escola de Advocacia.
A Academia Mineia de Letras, por sua vez, se teria dedicado a evocar, na trajetória do homenageado, a sua acentuada vocação como homem de letras e da cultura humanística. O Prof. Boson presenteou a bibliografia jurídica com vários e densos títulos, alguns dos quais permanecem como clássicos e constam na biblioteca básica que se pede aos profissionais do direito. Mas, a par da literatura filosófica e jurídica, o Prof. Boson abordou temas da história, refletiu sobre os dilemas da sociedade do seu tempo e veio a dedicar-se inclusive à arte literária, mais especificamente à poesia, embora tivesse mantido a fruição de seus poemas apenas no ambiente doméstico e familiar.
Já a Fundação Mineira de Educação, a Universidade Fumec, possivelmente ocupou-se em destacar na personalidade do Prof. Boson a figura do educador. Professor catedrático na Faculdade de Direito da UFMG e na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, o Prof. Boson foi um dos pilares que deu origem à própria Fumec.
Com expressiva capacidade de liderança, alcançou na UFMG, nos anos 60, o posto de reitor, cargo que viria a exercer também na Uemg, por duas vezes, a primeira à época de sua fundação, a segunda durante o governo Itamar Franco em Minas Gerais.
Diante dos resgates específicos já feitos em cada uma dessas solenidades, meu objetivo, ao propor esta que agora se realiza nesta Casa, foi buscar entre elas os substratos e deles chegar à síntese, à alma que bateu no peito do cidadão de Piracuruca e que é o que seria objeto de reconhecimento universal na terra mineira.
Sem dúvida, o primeiro traço que avulta no perfil que procuramos desentranhar é o do amor ao trabalho. Um intenso amor ao trabalho. Se a palavra “trabalho”, em sua origem latina - tripalium -, reporta-se a instrumento de tortura, vem a longa folha de serviços do Prof. Boson comprovar, em sentido inverso, que é o trabalho que permite ao homem a plena expansão de suas potencialidades e, consequentemente, é ele a fonte das alegrias verdadeiramente engrandecedoras. E o trabalho do Prof. Boson, desenvolvido ininterruptamente ao longo de décadas, revestiu-se ainda de duas características muito evidentes, que são a diversidade e o pioneirismo. Ele atuou em mais de uma frente, tendo sido o advogado, o professor, o pensador, o escritor, o gestor, o administrador. Também atuou sempre rasgando fronteiras, adiantando-se em vanguarda, fincando as bandeiras do pioneirismo.
Consideremos o breve tempo de seu reitorado na UFMG. Breves anos aqueles, dois anos e pouco, e que grandes inovações! Assumindo como responsabilidade ética da universidade oferecer aos estudantes não apenas um cardápio de cursos, mas também a oportunidade de desenvolver a habilidade de pensar, o Prof. Boson abriu as rotas para o trabalho de pesquisa e extensão universitária.
Afirmava ele que "uma universidade que tivesse por objetivo a formação de homens portadores do 'saber pelo saber' ou da 'arte pela arte' seria tão falha quanto a que tivesse a missão de formar técnicos e práticos. “É inútil" - dizia - "fazer-se da ciência positiva ou da tecnologia o único saber possíve1”.
Atualmente, com a portentosa dimensão que tomaram as atividades de pesquisa e extensão universitária, essa afirmação pode parecer de pouco peso. Mas, à época, ela era revolucionária, e o Prof. Boson fez dela um lema de seu reitorado. Em sua gestão foram criados vários institutos e mais de uma escola, montaram-se o Observatório Astronômico da Serra da Piedade e o Centro Tecnológico de Minas Gerais - Cetec -, fundou-se o Museu de História Natural, criou-se o Jardim Botânico. Na verdade, definiram-se em seu tempo os limites com que a UFMG viveu durante os extensos 40 anos seguintes, pois somente em 2007, quando o governo federal ofereceu o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, é que ela passou por novo processo de expansão.
Mais tarde, o mesmo ideário conduziria o Prof. Boson ao processo de implantação da Universidade do Estado de Minas Gerais, a Uemg. A título de exemplo, visualizemos o Centro Universitário do Sul de Minas, que se vincularia à Uemg. Foi o Prof. Boson o incentivador da criação daquele centro e o sustentáculo que o amparou em suas turbulências iniciais. Até então um modesto grupo educacional, o Centro Universitário do Sul de Minas é hoje um grupo educacional de grande porte, que atende a cerca de 10 mil alunos e tem na Cidade Universitária de Varginha um dos câmpus mais avançados do interior de Minas.
O trabalho, a diversidade de interesses, a visão pioneira: a esses traços, se queremos na personalidade homenageada a síntese que a identifica, temos de agregar o apreço à liberdade. Foi o Prof. Boson signatário de um vivo compromisso com a liberdade. Voltemos a lembrar que, entre 1967 e 1969, era ele o reitor da UFMG. Estando em vigor no País o Ato Institucional n° 5, não hesitou em defender vivamente o movimento estudantil, reivindicando para os estudantes o direito à livre manifestação.
Também convocou a muralista Yara Tupynambá para evocar, nas paredes do saguão da reitoria, a Inconfidência Mineira, esse momento da nossa história que é ícone da liberdade. A própria autora já disse publicamente que, durante o processo de pesquisa para a produção da obra, entre fatos, relatos, cenários, personagens, montanhas, nuvens e casarios, ela só chegou ao núcleo definidor do trabalho quando entendeu que o que devia ali se representar era algo mais abstrato, era a própria liberdade. Por isso é que as formas dançam naquele trabalho e por isso é que, mais que as formas, fala ali mais alto o movimento delas.
Não por acaso consta daquele mural a seguinte frase: "Condição primeira para a cultura é a liberdade". A frase é de autoria do Prof. Boson. Se ela atesta o compromisso dele com a liberdade, atesta, por outro lado, a vinculação que ele identificava entre a liberdade e a cultura, especialmente a arte. E é aqui que nos deparamos com outro traço da alma de nosso homenageado, que foi um incansável promotor da cultura e da arte em nosso estado. Por sua iniciativa ou pelo suporte que ele deu, fundou-se o Coral Ars Nova, surgiram o Grupo Galpão e o Uakti, criou-se o Festival de Inverno de Ouro Preto e esse com a desafiadora proposta de romper as barreiras de nosso colonialismo cultural e dar lugar à música, à literatura, ao teatro e às artes plásticas de expressão verdadeiramente nacional.
No encerramento da primeira edição do Festival de Inverno de Ouro Preto, ocorrida em 1967, o Prof. Boson ressaltou que a forma que ela alcançara dava o projeto como vitorioso e isso em face das implicações que estavam sendo deixadas para a vida cultural mineira. O tempo não viria a desmenti-lo, pois se sabe que aquela edição do festival abriu, entre outros, o caminho para a interlocução cultural com a América Latina e a criação de grupos inovadores como o Galpão.
O Prof. Boson não ressaltou na ocasião que o festival era uma resposta concreta a seu pensamento de que às universidades cabia a responsabilidade ética de sair de seus muros para alcançar as pessoas que, em outras condições, não usufruiriam das atividades universitárias. Todavia esse foco na partilha solidária e na promoção da sociedade converge para outro dos traços da personalidade do Prof. Boson, que é o seu interesse pelo bem comum. Dando voz a esse interesse, ele o exerceu não apenas como professor e reitor mas também como homem que emprestou seu vigor pessoal à administração pública do Estado. Sem se prender a rótulos, sem concordar com o aprisionamento do pensamento humano em teses da esquerda ou da direita, exerceu ele o cargo de advogado-geral do Estado em 1966 e, posteriormente, os de secretário de Educação, no governo Israel Pinheiro, e secretário da Casa Civil, no governo Newton Cardoso. A res publica, a coisa pública, encontrava em Gerson Boson um digno sustentáculo, que se comportou como servidor público no sentido mais autêntico da expressão, moveu-se a todo tempo com simplicidade, tratou a todos com a cordialidade e a isenção capazes de disfarçar a pessoa culta e nobre que era.
O trabalho; a diversidade de interesses; a visão pioneira; o compromisso com a liberdade; a valorização da liberdade como indutora da cultura e como requisito para a construção da sociedade igualitária; o serviço público; o serviço para o público; a simplicidade de comportamento; a coerência mantida entre os princípios e a prática ao longo da vida inteira.
Estes os traços com que me deparo ao final desta reflexão em que procurei apreender os substratos da trajetória do Prof. Boson, visando a alcançar-lhe a síntese. E constato que os traços apreendidos são traços caros aos mineiros. Pois também os mineiros, no curso da história, têm se mostrado valentes no trabalho, audaciosos nas posições de vanguarda, defensores da liberdade, amantes das artes em nível muito elevado, essencialmente éticos, marcados por selo inconfundível de modéstia.
Sinto, por essas razões, identificadas a alma do mestre e a de Minas, valendo destacar neste confronto que o Prof. Boson deu a nossos traços mineiros expressão muito elevada. Não poderia, portanto, ser outro senão o espaço desta Assembleia, Casa representativa do povo mineiro, o cenário exato para que alcançássemos hoje esta síntese e aqui fechássemos o ciclo das homenagens públicas devidas ao Prof. Boson na passagem de seu centenário de nascimento.
Os meus cumprimentos a D. Maria Ottilia Lopes Boson, companheira solidária do nobre professor em seu ideário e em todas as atividades de sua intensa vida. Os meus cumprimentos aos filhos Patrícia, Branca, Caio Márcio, Luís Felipe e Marco Aurélio.
Minas é sabidamente uma terra rica em tradições e em valores, mas isso não dispensa que sejam revitalizados continuamente. Mesmo nesta terra onde, no dizer de Drummond, galopam sombras e memórias, novos patronos são necessários a fim de que aqui se mantenha vivo o irrevelável segredo que a define. A personalidade em torno de cuja memória nos reunimos nesta noite tem a estatura de um desses desejáveis novos patronos. Em nome dos mineiros, tenho a honra de reconhecer que integra a galeria das personalidades de nossa história, como exemplo inspirador, a figura do Prof. Gerson de Britto Mello Boson. A nossa homenagem. Muito obrigado.