Pronunciamentos

SEBASTIÃO HELVÉCIO, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - TCMG. Ex-Deputado Estadual.

Discurso

Comenta o tema do Painel: "Pacto Federativo e Políticas Públicas no Brasil".
Reunião 11ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 27/05/2010
Página 84, Coluna 3
Evento Ciclo de debates: "Pacto Federativo, Questão Tributária e Políticas Públicas no Brasil".
Assunto ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. TRIBUTOS.

11ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 20/5/2010 Palavras do Conselheiro Sebastião Helvécio As minhas palavras objetivam parabenizar a Assembleia Legislativa de Minas Gerais por esta iniciativa, porque entendo ser a discussão sobre pacto federativo extremamente oportuna e, para o Estado de Minas Gerais, de grande relevância. Quero também dizer da minha alegria de estar nesta mesa ao lado do Deputado Antônio Júlio, que, certamente nesta Casa, é um dos grandes entusiastas da questão do aprimoramento do nosso pacto federativo. O Deputado Antônio Júlio tem sido uma voz atuante no Parlamento mineiro, e o seu posicionamento na defesa intransigente da revisão do pacto federativo tem levado a Assembleia Legislativa de Minas a extrapolar fronteiras, a fim de que, cada vez mais, tenhamos uma escala importante de adesão para o estudo desse tema. Quero também, especialmente na manhã de hoje, ressaltar a qualidade dos ilustres conferencistas, tanto o Prof. Dércio quanto o Prof. Fabrício e o representante da nossa querida AMM, que participam deste evento. A minha intervenção será bastante rápida, já que, na verdade, o nosso objetivo é ouvir os especialistas sobre essa questão. Contudo, pedi ao Deputado Antônio Júlio que permitisse essa inversão da ordem - já que estava prevista - minha participação na parte da tarde -, porque eu gostaria de conversar com os senhores sobre alguns tópicos. Desejamos, nesta primeira fase, recordar as origens do nosso sistema federal de governo, que nasceu a partir da Constituição americana. O famoso trio Hamilton, John Jay e Madison teve a oportunidade, por meio dos artigos federalistas, de criar a doutrina federalista. Na verdade, a ideia de governo federal e de união de Estados é muito mais antiga e podemos percebê-la em grandes filósofos, como, por exemplo, Immanuel Kant. Mas, certamente, para a nossa conversa, vale a formação da constituição americana, que mostra essa ideia extraordinária de uma mesma região geográfica com autonomia política para mostrar os caminhos. Nesta outra lâmina, queremos destacar a importância do federalismo como parte de organização do poder político. Aqui, quero realmente deixar de modo bastante sintético - ainda mais por estar ao lado de professores tão relevantes e do representante da nossa AMM - a preocupação que temos especialmente com o caso brasileiro: entre os 195 países do mundo, 24 hoje são federações, e o único que tem um modelo trino em sua organização constitucional é o Brasil, não existindo outro similar com três entes federados estabelecidos constitucionalmente: União, Estados e Municípios. E, nesse jogo do federalismo como instância de poder, minha grande preocupação, Prof. Fabrício, ao longo desses 20 anos da Constituição Cidadã de 1988, é o fato de a figura do Estado federado estar sendo cada vez mais minimizada. É extremamente importante que nós, a partir de Minas Gerais, resgatemos a importância dos governos federados, dos governos estaduais como elementos fundamentais para o planejamento de políticas públicas, exatamente no sentido de haver essa grande quantidade de Municípios no Brasil, cerca de 5.560, sendo Minas Gerais, particularmente, o maior berçário deles, pois tem 853 Municípios. Aí, fui buscar a definição do autor que acredito ser a maior referência como marco analítico do federalismo, o Prof. Elazar, do Canadá. Ele nos mostra, com muita clareza, exatamente nesse texto original, que o termo “federal” é derivado do latim “foedus”, que, como o hebreu “brit”, significa pacto. Ao pé da letra, hoje estamos fazendo aqui um pleonasmo, pois pacto federativo, na verdade, é uma repetição, uma vez que federação já pressupõe a existência de um pacto, que, no nosso caso, é feito por meio das constituições. E somos o único país com três constituições: a federal, a estadual e a municipal, que é a lei orgânica. A presença desses três entes federados exige tanto do mundo acadêmico quanto do político uma atenção cada vez mais presente. Mas, se continuarmos nessa leitura do conceito do Prof. Elazar, veremos que, na essência, o arranjo federal é um tipo de participação estabilizada e regularizada por um pacto em que são mantidas relações internas que refletem um tipo especial de compartilhamento que deve prevalecer entre os parceiros, especialmente o mútuo reconhecimento de suas integridades e uma especial atenção na identidade de cada um. Curiosamente, trouxe esse nominal das constituições. Embora o governo implantado na Convenção da Filadélfia seja o primeiro governo federal, a Constituição americana não fala em governo federal. A primeira constituição que estabeleceu, literalmente, que um Estado era federal foi a da Argentina em 1853, ao dizer que a Argentina é uma república federal. Esse foi o primeiro país a ter, por sua constituição, identidade federal. Hoje, por coincidência, nas Américas há apenas três países federais: a Argentina, o Brasil e a Venezuela. O único que tem o nome “Federativa” é o Brasil. A Argentina se chama apenas República da Argentina; o Brasil, República Federativa do Brasil; e a Venezuela, República Bolivariana da Venezuela. Depois, vêm as constituições da Suíça, do México, etc., consolidando-se a ideia do federalismo. O ponto vital a que nos devemos ater é sempre buscar a simetria do modelo federal. Trouxe o que os autores chamam de hexágono da simetria, porque, na verdade, se temos um triângulo - União, Estados e Municípios -, teoricamente podemos construir uma região de harmonia entre os três entes. Na verdade, o federalismo brasileiro é extremamente assimétrico. Para lembrar, compõem esse hexágono: a repartição plural do Estado, a repartição de competência entre o governo central e os governos subnacionais - abrangendo-se legislação e tributação. Aliás, o Deputado Antônio Júlio é um defensor intransigente desse aspecto. Hoje vivemos um instante em que os governos estaduais podem delegar à União a legislação sobre ICMS, que é a principal fonte de financiamento dos governos estaduais. Não podemos perder de vista esses valores do federalismo simétrico. Compõem ainda o hexágono a possibilidade de intervenção nos Estados membros, que não obedecem ao pacto federativo, o Poder Judiciário dual, o poder constituinte originário e derivado - em Minas Gerais já tivemos a quarta constituinte em 1989 - e, finalmente, a organização bicameral do Poder Legislativo Federal. Esses são os princípios que sempre devemos defender para buscar a simetria do modelo federativo. Vamos encerrar essa reflexão com uma frase do Prof. Carré de Malberg - entre os europeus, talvez seja o que mais tem a visão de modelo federal. Particularmente e apesar de toda a crise que vive a Grécia, berço da democracia, tenho convicção absoluta de que se trata de uma pequena turbulência e que o grande destino da União Europeia será uma federação. Em 1946, Churchill, na Universidade de Zurique, disse sobre o sonho de haver os Estados Unidos da Europa, e isso acabará se consolidando. A ideia do cidadão europeu é uma verdade extraordinária. Há dias, o Deputado Michel Temer, Presidente do PMDB, fez um pronunciamento muito interessante. Segundo ele, apesar de toda a crise do euro, só a grande vantagem de, desde a 2ª Guerra Mundial, não terem ocorrido invasões entre países europeus já é valor extraordinário. Esse é o grande caminho do federalismo: evitar a guerra; a ideia da paz perpétua já defendida por Kant. Mas vamos ater-nos à seguinte frase do Prof. Carré: o Estado federal é simultaneamente um Estado e uma federação de Estados. Ou seja, nunca podemos nos esquecer de que somos mineiros. Evidentemente, cada um nasceu em sua cidade, mas temos a nossa identidade regional e a nossa identidade nacional. O Prof. Pelayo nos oferece também uma interessante reflexão: o Estado federal deve ser capaz de promover a unidade a partir da diversidade. Se observarmos repúblicas federativas como a Espanha, em que há autonomia com problema de etnia, ainda assim se consegue entendimento. Num país como o nosso, cada vez mais temos que buscar harmonia da legislação entre Municípios, Estados e governo federal. Assim, é fundamental a existência de trabalhos, como este realizado pela Assembleia, para que possamos colher subsídios e colocar o movimento federalista no rumo certo. Há um problema que todos nós estamos sempre discutindo: a Constituição Federal dá missões específicas para a União, missões específicas para os Municípios, e o Estado fica naquela função residual; com algumas funções concorrentes com as da União e outras concorrentes com as dos Municípios. Exatamente por causa disso, vivemos diariamente as dificuldades de entender o que é constitucional e o que não é. Temos que avançar e buscar mais clareza sobre o que é competência dos Estados Federados, o que é competência da União e o que é competência dos Municípios. Quase sempre, essa assimetria do modelo federativo está sendo tomada por questões que tentam buscar a simetria. Deixo, por fim, essa frase de alerta: os Estados Federados devem exercer o poder da auto-organização para exercerem nessa atividade a autonomia constitucional de que irradiam a autonomia política, a autonomia administrativa, a autonomia judiciária, a autonomia legislativa e a autonomia financeira. É muito importante que todos nós, representantes e militantes da Academia e de qualquer instituição, entendamos claramente que não centralizar não é o mesmo que descentralizar. Não podemos pensar que a mera transferência de um recurso garanta a sua autonomia. Deve haver dispositivos para se garantir a autonomia sem se ficar na dependência de um pires na mão, de uma transferência que, de uma hora para a outra, pode desaparecer por uma questão infraconstitucional. Nessa questão, entendo que a governança deve exigir dois aspectos fundamentais de caminhos, e um deles é a rede cooperativa. Defendo - e o Presidente desta Casa, Deputado Alberto Pinto Coelho, no Colegiado, também tem realizado esse trabalho - a ideia de criarmos leis federais. Temos de distinguir a lei federal da lei nacional: a lei federal é aquela que os entes da Federação discutem e sobre a qual tentam chegar a um acordo; a lei do governo da União, ou seja, unionista, por sua vez, é aquela que todos os entes devem passar a aplicar, como, por exemplo, a criação das contribuições. Na época da Constituição de 1988, vivíamos basicamente dos impostos. Eles - principalmente o Imposto de Renda e o IPI - financiavam o Fundo de Participação dos Municípios e o dos Estados. Hoje, a criação das contribuições, salvo a participação dos entes federados, é uma assimetria desproporcional, pois já representam mais para o erário da União que a própria arrecadação dos impostos. Temos de estar atentos a isso. A segunda questão, que é talvez o grande novo detalhe e o grande tema atual - e acredito que seja o grande futuro dos Legislativos, tanto municipais quanto estaduais, e dos seus órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas -, é o trabalho interinstituições. Podemos apoderar-nos de conhecimentos vindos da Academia. Esse enleamento entre a Academia e as associações representativas das instituições que se qualifica cada vez mais é muito importante. Hoje, buscam-se dados constantes na Associação Brasileira de Municípios - ABM - e da AMM que podem robustecer as suas posições, sem falar desse constante encantamento, que é o trabalho legislativo, uma oportunidade de se produzirem textos novos de acordo com a nova sociedade que surge. Nesse trabalho, gostaria de destacar - e certamente os conferencistas de hoje abordarão isso com detalhes - a questão da avaliação de resultados. Não basta, pura e simplesmente, o gestor público brigar por mais recursos - é evidente que isso é fundamental, pois nunca o recurso será grande demais para atender à demanda; o crescimento das demandas sociais na sociedade contemporânea é visível -, mas é absolutamente fundamental que, para cada programa e ação de um plano plurianual ou orçamentário, haja uma medida desse efeito, para que possamos, cada vez mais, ajudar quem decide as políticas públicas a fazer isso com ferramentas que possam trazer melhor desempenho da nossa comunidade. Acredito que a presença dos indicadores deixa de ser um assunto meramente acadêmico para passar a frequentar as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas, o Congresso Nacional e também os órgãos que auxiliam o assessoramento do controle externo, como Tribunais de Contas da União e dos Estados. Aí está o Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros - Promoex -, que criamos em nível dos Tribunais de Contas estaduais para verificarmos a economicidade dos resultados. Não basta simplesmente verificar se o gestor púbico gastou aqueles índices percentuais previstos para a saúde e para a educação: é preciso verificar se aquele recurso está transformando os indicadores daquela região. Essa visão moderna do “accountability” serve exatamente para melhorar a gestão e não entravar o poder decisório das autoridades. O Presidente Lula se insurge, por exemplo, contra algumas medidas do TCU, que quer saber se determinada obra pública está com preço razoável ou compatível com seu fluxograma, mas isso serve para melhorar a gestão, e não para impedir que o Executivo faça aquele determinado tipo de programa. Quanto maior o enleamento entre o controle e o gestor, certamente mais eficaz será a administração. Aproveito a presença da nossa querida AMM para dizer que o meu convencimento pessoal é que será um grande trabalho a valorização dos controles internos nas administrações em qualquer nível. Temos que acabar com o mito - e certamente os professores nos ajudarão em relação a essa visão - de que os governos subnacionais são inferiores ao governo federal. Temos que fazer um enfrentamento muito claro dessa questão e não achar que os técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional são os detentores de todo o conhecimento, de toda a verdade e que o que vem dali não pode ser discutido nem modificado. Na verdade, quem tem poder são os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, esses é que têm capacidade de representação. Para mim, os caminhos desse novo estadualismo, da valorização do Estado como ente de planejamento se assentam na eficiência administrativa, para fazer mais com menos, e na regionalização e na descentralização das políticas. Temos que entender que a nossa diversidade terá que ser tratada de modo diferente. Não basta mais aquele ideário da Revolução Francesa de igualdade; hoje queremos equidade, ou seja, que os diferentes sejam tratados de modo diferente. O exemplo moderno e interessantíssimo que vivemos em Minas Gerais, quer seja na Assembleia, quer seja no âmbito do Tribunal de Contas, é essa dicotomia muito interessante em que não fazemos mais uma administração focalizada em Secretarias, mas em programas e projetos, com uma ação multidisciplinar. Cada vez mais essa visão multidisciplinar da administração atende aos princípios da geopolítica. Termino com a ideia dos consórcios intermunicipais, que também são pioneiros em Minas Gerais. Poucas pessoas os destacam, mas foi na Assembleia de Minas, ainda na década de 90, por um trabalho da Comissão de Saúde e do Tribunal de Contas do Estado, que foram fornecidos elementos para subsidiar o que, depois, permitiu que os consórcios intermunicipais se tornassem figura jurídica dentro de nosso Direito - hoje, o mesmo se aplica às regiões de desenvolvimento e às regiões metropolitanas. Não falaremos sobre o tema da metodologia da avaliação, que deverá ser tratado por um especialista, o Prof. Fabrício. É o marco lógico, a avaliação dos projetos com capacidade de identificação. Temos uma luta constante, e os recursos são pequenos. Faço um programa focado numa determinada população, escolho um público-alvo ou faço um programa universal? A tendência para a equidade, muitas vezes, justifica a focalização de uma determinada política pública. Não podemos confundir os objetivos de um programa com os resultados. Essa distinção é importante quando fazemos políticas federativas. Despeço-me de todos, deixando o nosso “e-mail” para possíveis comentários. Renovo a minha crença no Parlamento. Tenho a absoluta convicção de que a arena ideal para se resolverem políticas públicas não é o ativismo judicial, que muitas vezes ocorre, quando o Judiciário interfere tremendamente no orçamento de determinada prefeitura, por intermédio de uma discussão; não é, pura e simplesmente, a produção do meio acadêmico, distante da realidade; mas é o que estamos fazendo nesta manhã e que a Assembleia de Minas faz diariamente: a discussão com a sociedade sobre suas prioridades. Tenho a convicção de que o local, a arena, o sítio para se debater política pública é o plano plurianual e, depois, a diretriz e as nossas leis orçamentárias. Deixo um grande abraço e agradeço a oportunidade de participar deste encontro. - No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à apresentação de “slides”.