DEPUTADO MIGUEL MARTINI (PHS)
Discurso
Comenta a atividade de controlador de tráfego aéreo e sua experiência no
exercício dessa profissão.
Reunião
84ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 15ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 21/11/2006
Página 45, Coluna 1
Assunto TRANSPORTE.
Legislatura 15ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 21/11/2006
Página 45, Coluna 1
Assunto TRANSPORTE.
84ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª
LEGISLATURA, EM 14/11/2006
Palavras do Deputado Miguel Martini
O Deputado Miguel Martini - Sr. Presidente, Sras. Deputadas, Srs.
Deputados, senhores que nos acompanham das galerias e pela TV
Assembléia, ocupo hoje a tribuna para discutir um assunto que tem
sido destaque na grande mídia nacional há algumas semanas. Tenho a
obrigação de conhecê-lo profundamente, por ser controlador de vôo.
Ontem assisti ao pronunciamento de um parlamentar na Câmara dos
Deputados - não diria que seja culpado, mas a matéria é muito
complexa, não é de fácil entendimento, é preciso ter conhecimento
maior para posicionar-se.
Sou controlador de tráfego aéreo internacional, exerci essa
profissão por 17 anos e cheguei a ser instrutor. Inaugurei o
Aeroporto Internacional de Confins e também sou controlador de
defesa aérea, tendo trabalhado na base aérea de Santa Cruz. Tenho
visto, lido e acompanhado o problema do controlador de vôo, que é
extremamente sério. Mas a sociedade brasileira como um todo não
tem conhecimento do assunto.
Deputado João Leite, quando eu dizia que era controlador de vôo,
a maioria das pessoas achava que eu era aquele que ficava
sinalizando para as aeronaves estacionarem nos pátios, ou seja, um
sinaleiro. A profissão do controlador ainda não está
regulamentada. Essa será uma das nossas primeiras ações no
Congresso Nacional.
Os 15 minutos de que disponho não são suficientes para expor
minha opinião, mas pretendo fazê-lo com um tempo maior.
O que é um controlador de vôo? Como ele se forma e em quanto
tempo? O que é exigido de uma pessoa para que seja habilitada ao
controle de vôo? Depois de conhecidos esses fatores, concluiremos
que o problema no Brasil não se resolve facilmente, porque o
déficit de controladores é imenso, está na ordem de 1.000
profissionais, Deputado João Leite. Hoje há aproximadamente 2.800
controladores, e precisaríamos de 3.800 a 4 mil, para oferecer-
lhes condições mínimas de trabalho para que exercessem o seu
ofício com segurança.
Para os senhores terem uma idéia, um controlador de vôo americano
ganha US$8.000,00 por mês para trabalhar 4 horas por dia; e um
controlador de vôo brasileiro, R$2.000,00 em média para trabalhar
8 horas por dia. O que ocorre? Por exigência da Organização de
Aviação Civil Internacional, o controle de vôo no Brasil deveria
ser exercido por civis, como ocorre em todo o mundo. Porém, as
empresas áreas brasileiras sempre pressionaram o governo para não
deixá-lo sair das mãos dos militares. Por quê? Porque eles não o
têm nem como profissão, é uma especialidade. O militar não ganha
pelo que faz, pela função que exerce, mas pelo que é: Sargento,
Oficial ou quem quer que seja. Só que se chegou a um crescimento
na ordem de 15% da aviação a cada ano no País e não se estão
formando controladores de vôo na mesma velocidade. Isso gerou uma
defasagem, um estrangulamento.
Deputado João Leite e Deputada Maria Tereza Lara, um controlador
de vôo que está começando ou prestando concurso hoje não pode
operar no Centro de Brasília com segurança com menos de seis anos.
Por quê? Porque precisa adquirir experiência; passar primeiro no
concurso, fazer o curso, em que aprenderá sobre aviação geral,
performance de aeronave, meteorologia, radionavegação, conhecerá
regras de tráfego aéreo, fraseologia-padrão em português e inglês.
Depois de preparado e formado - aliás, isso ocorre, em média, em
um ano ou um ano e meio, dependendo do quanto se aprofunda -,
estará em condições de ficar ao lado de um operador de torre de
controle assistindo a tudo pelo menos por três a seis meses, sem
direito de pegar no microfone, pois precisa saber como as coisas
acontecem. Portanto, começa a acompanhar tudo como assistente para
saber como se faz, estagiando com alguém ao seu lado, sem
condições ainda de trabalhar. Ele fará controle de solo, das
aeronaves, dará autorização etc. Aí, sim, poderá começar a ser
operador de torre. Precisará pelo menos de um ano para ter
condições de trabalhar na torre de controle, que é praticamente o
primeiro órgão - aliás, o mais fácil de fazer. Após esse período,
precisará ir para o controle de aproximação e de saída para
aprender. Dependendo dele e das circunstâncias, levará
aproximadamente de dois anos a dois anos e meio para ter condições
de operar, pois passará pelo mesmo processo de conhecimento,
avaliação, comunicação, controle, transferências. Depois de
aprender e verificar como a coisa acontece, é encaminhado para
fazer novo curso, aprender a operar radar.
Para os senhores terem numa idéia, certa vez, no Centro de São
José dos Campos, no CTA, mandaram 30 a 40 civis com pouca
experiência na rede para fazer o curso de radar, pois precisavam
formá-los. Eu era instrutor. Reprovamos todos, pois nenhum tinha
condições de operar, experiência necessária para saber o que
acontece no controle de aproximação e de saída.
Depois de passar por esse período, terá de aprender agora a
trabalhar com o Centro de Controle de Tráfego Aéreo, se, por
exemplo, for para Brasília - aliás, deixo de lado aqui a defesa
área, pois é de outro ramo. Aí, sim, ele passará por um mesmo
período de observação depois de fazer cursos e conhecer a área. A
informação que tenho é que, na regra normal, em menos de dois
anos, um operador não pode falar ao microfone no centro de
Brasília.
Deputados João Leite, Maria Tereza Lara, Célio Moreira, Lúcia
Pacífico, isso significa que, para o controle de vôo, é necessário
previsibilidade e planejamento. Todavia o que acontece sempre? Os
militares estão sobrecarregados, aliás, são doutrinados para
superar a si mesmo, as dificuldades, os problemas. Isso arrebenta
o ser humano.
Como testemunha, digo que houve casos em que saí do trabalho e,
por um pequeno incidente, na primeira semana, costumava não
dormir. Às vezes ficava, dois, três, quatro meses pensando naquele
problema, quais alternativas eu tinha naquele momento, o que
poderia ter feito de melhor, o que não fiz. Isso arrebenta com o
ser humano.
O pobre do controlador e da equipe que trabalharam no dia do
acidente com o avião da Gol não têm mais condições de trabalhar
nem de ter vida normal, pois a carga é muito pesada. O tráfego
aéreo é isso. O que está acontecendo em Brasília diz respeito às
regras de tráfego aéreo e de segurança, segundo as quais tem de
haver, no máximo, vigilância radar - na linguagem mais comum,
chama-se monitoração. Eram somente 14 aeronaves, mas eles
precisavam fazer 20, senão não teriam condições de atender ao
fluxo de tráfego. Isso significa aeronaves maiores com velocidade
cada vez maior e maior número de vidas nas mãos de um controlador
de vôo.
Para se ter uma idéia, o controlador civil, além de uma escala
melhor, tem um psicólogo, tem direito a um profissional de
educação física para fazer relaxamento durante o trabalho dele.
Militar não tem nada disso. Estão dizendo por aí que seria um
absurdo transferir isso para as mãos de civis. Então, vamos dizer
que, por ser uma profissão muito importante, não poderá ir para as
mãos dos civis, pois eles poderão exigir o que vale a profissão,
e, aí, será um problema. Então, vamos acabar com os médicos, que
também não podem fazer greve. Imaginem! Ou , então, todos eles têm
de ser militares. Só há uma saída. A curto prazo, estão tentando
trazer de volta os controladores de vôos que saíram, porque já
estão preparados e necessitariam apenas de cerca de seis meses a
um ano de adaptação para voltarem a operar. Quem já é formado,
preparado e sabe de tudo. Isso, a curto prazo, de certo modo,
melhora um pouco a situação, mas não tem outra saída, o Brasil
caminha.
Se quisermos resolver esse problema para transferir todos os
militares para a vida civil, regulamentar a profissão de
controlador de vôo e reconhecer a importância que ela tem...
Não digo que um controlador de vôo devesse ganhar o que ganha
esse profissional hoje nos Estados Unidos - R$32.000,00 -, mas
deveria ganhar, pela importância e necessidade da sua função, no
mínimo, R$7.000,00, R$8.000,00, para começar, com melhores
condições de trabalho. Esse valor seria um mínimo suportável. Ou
fazemos isso ou vamos viver esse “apagão”. Isso não é culpa apenas
do Presidente Lula, mas da maioria dos governos, que nunca deram
importância a isso, que sempre superaram esse problema com os
militares, que não podem falar, mas sofrem calados.
Chegou um momento em que o problema está extrapolando, por isso
quero aproveitar para dizer que isso é sério. Ouvi um Deputado
dizendo que deveriam punir os militares insubordinados, como se
isso fosse um problema de insubordinação. Esse não é um problema
de insubordinação, é um problema gravíssimo que nunca foi tratado
com a responsabilidade, a seriedade, a atenção e os recursos
necessários. Não é controlador de vôo quem quer, é quem pode.
Encerro meu pronunciamento e depois vou pedir um prazo maior para
discutir essa questão. Quis apenas levantar esse problema, que é
grave e que precisa de uma ação para ser resolvido. Esse problema
precisa ser tratado com rapidez, mas só tem solução a médio e a
longo prazo. A curto prazo tem uma solução apenas emergencial.
Obrigado.
* - Sem revisão do orador.