DEPUTADO WANDERLEY ÁVILA (PPS)
Discurso
Parabeniza a Universidade de Montes Claros - UNIMONTES pela realização do
II Encontro Regional dos Povos do Cerrado. Comenta a questão do êxodo
rural e da falta de investimentos na agricultura. Transcurso do 92º
aniversário de emancipação política do Município de Pirapora.
Reunião
40ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 15ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 05/06/2004
Página 30, Coluna 4
Assunto DESENVOLVIMENTO REGIONAL. AGROPECUÁRIA. CALENDÁRIO.
Legislatura 15ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 05/06/2004
Página 30, Coluna 4
Assunto DESENVOLVIMENTO REGIONAL. AGROPECUÁRIA. CALENDÁRIO.
40ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª
LEGISLATURA, EM 1/6/2004
Palavras do Deputado Wanderley Àvila
O Deputado Wanderley Ávila - Sr. Presidente, Sras. Deputadas e
Srs. Deputados, o sertão é o nervo e o osso do Brasil. Segundo
Ariano Suassuna, “não nos podemos esquecer de que, do Nordeste
para Minas, corre um eixo que, não por acaso, segue o curso do Rio
da Unidade Nacional, o São Francisco. É a esse eixo que o Brasil
tem de voltar de vez em quando, se não quiser se esquecer de que é
Brasil”.
Hoje, prestamos a nossa homenagem à Universidade de Montes Claros
- UNIMONTES -, na pessoa do Reitor, Prof. Paulo César Gonçalves
Almeida, e da Profa. Andrea Maria Narciso Rocha de Paula,
coordenadora do Campus Pirapora, pois realizarão, em Pirapora,
nesta semana, do dia 3 ao dia 5, o II Encontro Regional dos Povos
do Cerrado. A Assembléia de Minas será representada pelo Deputado
Ricardo Duarte, por este Deputado e por todos os Deputados e
Deputadas que aceitarem participar do evento.
Abro aspas para, desta tribuna, fazer minhas as palavras
expressas pelos organizadores desse encontro: “A região do cerrado
comporta muitas espécies animais e vegetais, comuns à maioria dos
biomas brasileiros, apresentando grande variedade de flores
exóticas, plantas medicinais e animais de rara beleza. Essa
riqueza biológica, porém, está seriamente afetada pela ocupação
desordenada e destrutiva de sua área, provocando, a um só tempo, o
aviltamento ambiental e social do cerrado.
A fragilidade da infra-estrutura regional, tanto a social quanto
a física, aliada às políticas públicas que privilegiaram e
privilegiam o capital, vem provocando uma grande mobilidade da
população das áreas rurais para as grandes cidades, em caráter
permanente ou provisório, levando ao rompimento das ligações não
apenas físicas, mas também de solidariedade familiar.
Na região do cerrado, especialmente no alto-médio São Francisco,
instalou-se uma rústica cultura multifacetada, resultante do
caldeamento do português com os grupos indígenas do Nordeste, que
mais tarde se encontrariam com os mamelucos, negros e portugueses
do ciclo da mineração. Há de ressaltar que o gado do São Francisco
serviu de suporte alimentar às populações do Quadrilátero
Ferrífero, havendo aí, com os tropeiros, o encontro de duas
culturas bem distintas: uma rural, pastoril e rude; e a outra,
urbana e sofisticada.
Ainda no vale do São Francisco, tivemos atividades humanas muito
ricas em elementos culturais, como a do próprio ciclo do ouro –
que não deixou de ser também um ciclo econômico regional - e o
ciclo das barcas e dos barqueiros, com seus destemidos e
folclóricos remeiros.
A navegação do São Francisco, a partir de vapores de roda à popa,
constituiu-se no mais importante elo entre o Norte e o Sul do
Brasil e, no período da Segunda Guerra Mundial, foi a solução para
o transporte das tropas para as bases nordestinas, o que evitou o
perigo dos submarinos alemães que infestavam os mares. Da fase
áurea da navegação a vapor de roda à popa, só restou o vapor
Benjamim Guimarães, que atualmente se encontra em fase de
restauração na minha, na nossa, na querida Pirapora.
No cerrado vive grande parte da população brasileira,
constituindo uma pluralidade de costumes, valores e crenças, sendo
a cultura uma forma de resistência, persistência de um povo, que,
como disse Guimarães Rosa, é forte e guerreiro.
A realização do I Encontro Regional dos Povos do Cerrado nasceu
das indagações e das discussões das práticas cotidianas do viver
no cerrado, através de um grupo de docentes e discentes da
UNIMONTES, uma universidade pública com um “campus” na minha
ribeirinha Pirapora, lá no Norte de Minas Gerais, que se reuniram,
no verão de 2003, para refletir sobre as questões do cerrado e do
povo cerradeiro e sobre os traços marcantes de sua cultura.
O diálogo foi sendo fortalecido por meio das parcerias que se
foram firmando: órgãos públicos, instituições acadêmicas,
movimentos sociais, organizações não governamentais, grupos de
teatro, músicos, autores, artesãos e representantes das
comunidades da microrregião.
Tendo a certeza de que os laços que unem os povos à terra são as
tradições e os modos de vida que ali se estabelecem, percebeu-se
que as modificações que ocorreram e continuam a ocorrer no sertão
das gerais, pela via capitalista e todos os tipos de invasões que
ali se estabeleceram cultural, econômica e, principalmente,
ambiental -, fazem com que os nossos elos se esvaiam, da mesma
forma como o ambiente se modifica para receber os novos modos de
produção.
Nasceu naquele grupo a forte vontade, de alguma forma,
fortalecer, unir e deixar aflorar a força da gente barranqueira e
“geraisera” e então discutir seu meio, seu lugar, sua diversidade
cultural e todos os diversos tipos de problemas ambientais que
surgiram com a exploração e a expropriação do cerrado e do
cerradeiro.
No inverno de 2003, dias 12, 13 e 14 de junho, às margens do rio
São Francisco, aconteceu o primeiro encontro, que estabeleceu como
objetivo promover a interação dos mais diversos segmentos da
sociedade para refletir sobre o viver no cerrado e os impactos
provocados pela utilização dos recursos naturais finitos. O
encontro trouxe, apresentada na forma de uma das suas
considerações finais, a convicção de que cada vez que
possibilitamos o reunir das mais diversas pessoas e entidades fica
a certeza de que “o outro mundo é possível”, por meio das ações
cotidianas, simples, dentro de nossas casas, em nossos ambientes
e, ao mesmo tempo, entendemos que a nossa casa maior é a “Gaia”; e
que tudo que fazemos se reflete em nosso lugar e em nossa morada:
a Terra.
Estamos agora realizando o II Encontro Regional dos Povos do
Cerrado, lá na nossa Pirapora, fortalecidos pelas idéias e ideais
anteriores e pelos resultados obtidos no primeiro encontro,
acreditando que é essencial a mobilização dos povos da terra para
haver cuidado e ternura pela vida, e, assim, torne-se possível
propiciar um presente que viabilize um futuro com eqüidade e
cidadania planetária para todos.
Água, terra, ar, solo e seres viventes são elementos essenciais
para a sobrevivência humana. Contudo, o homem contemporâneo se
expõe a um modo de vida contrário ao equilíbrio do meio;
compreende a natureza como algo exterior, de que se pode
apropriar. Os recursos naturais são vistos como objetos de uso
descartável. Nessa caminhada, grande parcela de nossos biomas, de
nossa flora, de nossa faunas e de nossas comunidades tradicionais
está sendo consumida. Manancial de 5% de toda a biodiversidade
mundial, o bioma cerrado é também uma das vítimas da destruição do
sistema imposto.
Até o início dos anos 70, o solo do cerrado brasileiro era
considerado pobre e imprestável para o aproveitamento agrícola,
servindo apenas como pasto para a pecuária extensiva. Com os
avanços tecnológicos, o cerrado passou a ser visto como local
propenso para produção de grãos, principalmente os de exportação,
devido ao baixo custo da terra, à boa estrutura do solo, aos
terrenos planos aptos à agricultura mecanizada.
Todavia, foi necessário corrigir a acidez do solo, utilizar
largamente adubos químicos e orgânicos, numa lógica inversa à da
natureza, pois, ao invés de se adaptarem as plantas ao solo,
adaptou-se o solo às plantas. Ao domínio anterior da pecuária
extensiva e da lavoura itinerante e de subsistência, seguiu-se a
lavoura comercial de monocultura de grande porte para fins de
exportação, com larga utilização de máquinas agrícolas e descarte
de mão-de-obra não especializada. A ação governamental priorizou a
construção de estrada e de infra-estrutura de armazenamento, mas
também financiamentos subsidiados, única forma de tornar
competitiva a agricultura do cerrado.
Porém, os efeitos socioambientais mostraram-se muito graves:
êxodo rural, aumento de bóias-frias, desmatamento, erosão dos
solos, contaminação das águas e dos alimentos, surgimento de
pragas antes adaptadas ao próprio ambiente natural e significativa
redução da biodiversidade do cerrado.
No momento em que as preocupações ambientais são cada vez
maiores, uma grande questão é apresentada: como preservar essa
megadiversidade, se a cada dia a devastação aumenta? Esse é o
desafio oferecido por uma visão que busca o desenvolvimento
econômico sustentado em áreas do cerrado, pressuposto que inclui a
melhoria da qualidade de vida do cerradeiro. Embora em seus
primeiros passos, essa perspectiva já desencadeia mudanças, e
parcelas da sociedade começam a valorizar o cerrado, suas coisas e
sua gente.
O conhecimento prático das populações locais, antes
negligenciado, passa a ser valorizado, especialmente o uso de
plantas nativas na alimentação, na ornamentação e na cura de
doenças. Cachoeiras, serras, parques e cavernas da região vêm
sendo cada vez mais visitados. E os movimentos sociais
organizados, nascidos na sociedade civil, universidades e ONGs são
cada vez mais freqüentes e atuantes na região do cerrado, fazendo
vislumbrarem-se alternativas que possam melhorar a vida do homem
do cerrado, preservando seu ambiente, por meio do desenvolvimento
sustentável.
Sabemos que não há fórmula mágica para conciliar desenvolvimento
e preservação, mas precisamos buscar alternativas que contemplem
essas dimensões. É uma tarefa que demanda conhecimento,
criatividade e encontro de diversos tipos de atores; workshops,
seminários, feiras; criação de espaços de discussão, conhecimento
e troca; mostras que propiciem o encontro dos povos do cerrado,
assim como a divulgação de suas belezas cênicas. Cultura, história
e ciências podem contribuir para sua preservação.
Reconhecemos a necessidade de discutir, no campo científico, a
importância da formação de redes e de grupos que possam organizar
e viabilizar as alternativas e as proposições para o viver no
lugar, considerando lugar como espaço de construção e reconstrução
do homem a partir de suas relações socioambientais.
Veredeiros, “geraiseros”, pescadores, agricultores, camponeses,
lavadeiras, lavradores, universitários, pesquisadores, cantores,
autores, educadores, professores, instituições públicas e ONGs
discutirão e refletirão, por três dias, sobre o cerrado e o homem
que nele vive; sua sustentabilidade e preservação como formas de
garantir um futuro mais harmônico.
Estou aqui em nome da UNIMONTES - “campus” de Pirapora -, como ex-
aluno, barranqueiro, veredeiro, “geraisero”, pescador, convidando
os Deputados, as Deputadas e os telespectadores da TV Assembléia
para, juntos, nas barrancas do Velho Chico, na gostosa Pirapora,
no outono de 2004, durante os dias 3, 4 e 5 de junho, partilharmos
a convivência com a gente ribeirinha: noites de lua cheia, Dia
Mundial do Meio Ambiente, véspera do Dia dos Namorados. Vamo-nos
enamorar pelos povos do cerrado!
Hoje, como sempre, queremos também abraçar os nossos conterrâneos
piraporenses pelo aniversário de emancipação política da nossa
Pirapora, que completa, neste 1º de junho, 92 anos. Estamos
chegando perto do centenário dessa minha querida cidade, que, além
da beleza e da proteção do rio São Francisco, possui um povo com
este perfil marcante: hospitaleiro, alegre, forte e criativo.
Mistura uma série de características dicotômicas, cujo resultado é
o privilégio de ser piraporense. Muito obrigado.