DEPUTADO IVO JOSÉ (PT), Presidente "ad hoc"
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 28/09/2002
Página 52, Coluna 1
Evento II Fórum Minas por um Outro Mundo - Uma Outra América É Possível com Soberania e Integração
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
201ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 21/8/2002
Palavras do Sr. Presidente (Deputado Ivo José)
A recente decisão do Governo brasileiro de assinar novo acordo com o FMI, visto por grande parte dos políticos e economistas como única saída para evitar o descontrole do câmbio e das contas públicas nacionais, é demonstração de como nossa economia está atrelada a mecanismos externos de financiamento, às agências que estabelecem o grau de confiabilidade para investimentos no País e à volatilidade do capital financeiro.
Esse atrelamento, decorrente de uma série de razões históricas, internas e externas, está presente na maior parte dos países em desenvolvimento, como o Brasil, e é uma das características da economia globalizada, que sujeita os países endividados a sobressaltos e crises, como as que ocorreram no México, na Coréia, na Rússia e na Argentina.
Não foi por mera cortesia nem conveniência política momentânea que o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu anteontem, em Brasília, os quatro candidatos à Presidência da República que lideram as pesquisas. A preocupação com a instabilidade conjuntural e a consciência de que não estamos imunes às turbulências das relações globalizadas se sobrepõem a divergências ideológicas e a estratégias político-partidárias.
Por trás da instabilidade dos países endividados está uma equação matemática aparentemente simples: para pagar as contas e mantê-las sob controle e para ter reservas destinadas aos programas de desenvolvimento, é preciso arrecadar mais do que se gasta. Para isso é necessário, entre outros fatores, exportar mais do que se importa, aumentar a produção, gerar empregos.
Tais considerações, que dizem respeito à política econômica em seu contexto global, estão intimamente relacionadas com o tema central de discussão neste fórum técnico: as condições e os interesses que envolvem a constituição da ALCA.
Proposta pelos Estados Unidos durante a I Cúpula de Chefes de Estado e de Governo das Américas, realizada em Miami, em 1994, a ALCA tem como objetivo instituir o livre comércio entre as 34 nações do continente americano, exceto Cuba. Em reunião posterior, ocorrida em Belo Horizonte, em 1997, foi definido o ano de 2005 como prazo limite para entrada em vigor do acordo destinado a institucionalizá-la.
Em tese, o acordo poderia ser benéfico para todos os países envolvidos, uma vez que, removidas as restrições atuais à circulação de produtos e mercadorias no continente, todas as economias seriam estimuladas, com o aumento das exportações, das importações, dos níveis de produção e de emprego, diante das possibilidades abertas por enorme e diversificado mercado. Na prática, contudo, o acordo pode não ser tão bom para todos os participantes. Movimentos políticos, sociais e de trabalhadores alertam que, embora fosse extremamente favorável aos interesses dos Estados Unidos, seria prejudicial aos demais países, especialmente o Brasil, aprofundando as desigualdades e os problemas já existentes nas economias periféricas.
Em primeiro lugar, dizem os críticos da ALCA, o livre comércio de produtos e serviços favoreceria apenas as empresas mais competitivas, detentoras de tecnologia mais avançada e de maior capacidade de investimentos, ou seja, os grandes conglomerados sob controle dos norte-americanos.
Com esses grupos, muitos deles multinacionais, a maioria das empresas brasileiras, especialmente as pequenas e médias, não teria chance de concorrer e perderia boa parte do mercado, dentro e fora do País. A conseqüência da desigualdade estabelecida, afirmam os opositores do acordo, seria a redução da produção e do nível de empregos, agravando-se os problemas econômicos e sociais que já enfrentamos.
Uma segunda contestação ao estabelecimento da ALCA é que o livre comércio proposto estaria restrito à circulação de mercadorias e capitais, excluindo a livre circulação de pessoas. Com isso, dizem os críticos do acordo, persistiria a política de discriminação das populações latino-americanas e a exploração da mão-de-obra mais barata nos países pobres.
Enumeram-se ainda outras preocupações com a constituição da Área de Livre Comércio, como a obrigatoriedade de abertura de licitações a grupos estrangeiros, no âmbito dos Governos Federal, Estadual e Municipal, em detrimento das políticas de apoio à indústria nacional; a eliminação de compensações aos países detentores de matérias-primas, como as plantas medicinais, em decorrência do estabelecimento de direitos de propriedade intelectual; e a possibilidade de se aumentarem as tensões e os prejuízos no mercado financeiro, pela liberdade de circulação de capitais especulativos externos.
Estaria, enfim, ameaçada a própria soberania nacional, diante de uma crescente perda de mecanismos de proteção ao setor produtivo e aos recursos naturais brasileiros.
Tais preocupações, assim como diversas outras considerações a respeito da ALCA e dos blocos econômicos, serão detalhadas e aprofundadas no decorrer das exposições e dos debates deste encontro.
Agradecemos às autoridades presentes, aos palestrantes, aos debatedores e a todos os participantes deste fórum, a todas as pessoas e instituições que apoiaram este fórum e contribuíram para sua realização.
Estamos certos de que as idéias e opiniões aqui apresentadas irão incentivar reflexões sobre o assunto em discussão, que é de fundamental importância para o futuro do País, principalmente por acreditar e apostar que estamos, na verdade, preparando o III Fórum Social Mundial, que acontecerá em janeiro do próximo ano, em Porto Alegre. Que este fórum também sirva de aprofundamento, discussão e preparação para o plebiscito que acontecerá do dia 1º ao dia 7 de setembro. Muito obrigado.