Romper silêncio é desafio em escolas atingidas por mineração
Segundo pesquisadores, escolas afetadas pelo rompimento de barragens devem problematizar a questão.
25/10/2022 - 15:58É preciso romper com a cultura do silêncio em relação à mineração, ao risco de rompimento de barragens e às suas consequências nas salas de aula. É o que afirmaram pesquisadores e acadêmicos que participaram, nesta terça-feira (25/10/22), de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião, solicitada pela presidente da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), teve como objetivo debater a situação da educação pública nos municípios atingidos pelo rompimento de barragens em Mariana (Região Central), em 2015, e em Brumadinho (RMBH), em 2019.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Mestre em Psicologia e doutora em Educação, Maria Isabel Rocha, que atua em programa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) voltado a escolas atingidas desde o desastre de Mariana, relatou que esse trabalho identificou o que convencionaram como "silêncio pedagógico".
Ela explicou que, de modo geral, as escolas impactadas direta ou indiretamente não problematizam a mineração e suas consequências. Também não abordam o tema do rompimento das barragens.
Ainda de acordo com a acadêmica, os novos espaços destinados às instituições afetadas também precisam ser problematizados.
"As escolas de Barra Longa (Zona da Mata) e Bento Rodrigues (distrito de Mariana) foram reconstruídas e estão novinhas. Mas qual o projeto pedagógico daqui para frente? Como os profissionais vão conversar com as crianças e contar o motivo de terem ido parar naqueles espaços?", questionou.
Em sua opinião, é preciso discutir profundamente a questão, considerando o passado. "Isso porque não é uma história que passou de fato. Ela continua. É preciso incluir essa temática, e isso é uma decisão política", afirmou.
Professoras contam que tiveram que seguir em frente
Trabalhadoras da Escola Estadual Padre José Epifânio Gonçalves, em Barra Longa, que também foi afetada pela tragédia de Mariana, relataram que, após o ocorrido, tiveram que seguir adiante, sem refletir sobre o que passaram.
Cilésia Maria Carvalho, professora da escola, disse que parte da escola foi invadida pela lama, mas, segundo ela, a Samarco considerou apenas a parte baixa da instituição como atingida. Assim, nos dias seguintes, os professores e alunos já foram obrigados a continuar normalmente suas atividades nas salas de aula nos andares superiores.
Já Simone Maria da Silva, atualmente professora da escola e à época trabalhadora dos serviços gerais, contou que, nas semanas seguintes ao ocorrido, toda a comunidade assistiu a helicópteros retirarem corpos da área da escola, enquanto trabalhavam e estudavam.
Professora atingida estuda danos em escolas
Doutoranda e mestre em Educação, Adriane Cristine Hunzincker também participa do programa para atingidos da UFMG. Em 2015, ela atuava como professora em Bento Rodrigues. Nos estudos, foram constatados danos psicológicos, pedagógicos, identitários e físicos, entre outros, nos alunos impactados.
De acordo com Adriane Hunzincker, as cinco escolas diretamente atingidas pelo rompimento em Mariana eram rurais, e os alunos viviam em torno das instituições.
"Com o rompimento, as pessoas foram alocadas para diversos bairros de Mariana e região. Essa situação alterou a rotina de alunos que, em alguns casos, passaram a usar transporte escolar, e mudou a relação e vínculo com a escola", disse.
A representante da Comissão dos Atingidos por Barragens de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (Região Central), Ana Carla Cota, mencionou os problemas psicológicos enfrentados pelas crianças e adolescentes da comunidade após o rompimento da barragem, com muitos casos de automutilação.
Segundo ela, eles sofreram com a readaptação em outras escolas e comunidades, sendo chamados por apelidos depreciativos, como “pés de lama”.
Dificuldade na alfabetização e baixo rendimento
Andresa Rodrigues, professora e mãe de vítima do rompimento da barragem em Brumadinho, que trabalha na área há 25 anos em Mário Campos e Betim (RMBH), enfatizou que já são percebidas como consequências na educação dificuldades na alfabetização de alunos e no rendimento escolar.
Ela também destacou que é uma realidade a falta de um apoio psicológico que atenda à necessidade de alunos e familiares, bem como dos profissionais da educação atingidos, que tiveram que dar prosseguimento a suas vidas sem um suporte.
"Às vezes, profissionais da educação nem sabem que a escola em que trabalham está em área de autossalvamento. Se não foram informados, quanto mais treinados", salientou Paulo Lage, professor em Itabira (Região Central) e mestrando em Planos de Ação Emergencial de Barragens.
Área de autossalvamento é o local abaixo da barragem em que não há tempo suficiente para uma intervenção dos serviços e agentes de proteção civil em caso de rompimento da estrutura.
Investimento de mineradoras em educação
Coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Maria Júlia Andrade afirmou que o investimento das mineradoras em projetos educativos nas áreas mineradas faz parte da estratégia corporativista do setor para amortizar resistências às suas atividades.
O problema, como explicitou, é que, dessa forma, as mineradoras entram nas escolas e buscam calar os professores mais críticos, já que as instituições passam a depender das empresas, e criar consensos ideológicos em torno da mineração.
Professoras da RMBH querem fazer diferença
Professora no distrito de Honório Bicalho, em Nova Lima (RMBH), Roberta Cristina Araújo procura ser uma exceção a essa regra. Na reunião, ela abordou trabalho interdisciplinar que realizou com seus alunos em 2019 para alertar sobre a mineração na cidade e os riscos para o distrito.
"Se barragens romperem, algumas de Macacos atingiriam a escola e o distrito, além do Rio das Velhas, contaminando a água que abastece BH e a Região Metropolitana", explicou.
Doutora em Educação, Daniela Campolina, que integra um grupo de pesquisa que estuda a educação em territórios atingidos pela mineração, também comentou que muitos profissionais da área nem se dão conta de que suas escolas estão em área de risco.
Professora em escola de Rio Acima (RMBH), que fica a 100 metros de distância do Rio das Velhas, ela contou que integra um observatório, no qual elaboram um boletim das barragens com foco nos possíveis desdobramentos para as escolas, monitorando quais entraram em emergência e quais saíram.
"É preciso falar sobre a mineração e seus riscos nas escolas. O rompimento não é evento, é um processo que começa muito antes do dia do colapso. E a desinformação pode ser perpetuada nas escolas", pontuou.
Escolas de Brumadinho em atenção
Moradora de Piedade do Paraopeba, Fernanda Perdigão destacou dois casos em que a mineração tem impactado a educação e a saúde em Brumadinho.
Um deles é o de escola do distrito de Aranha, onde o abastecimento de água, conforme análises, está contaminado com metais pesados como arsênio.
Ela relatou que há crianças que estudam no local com quadro de diarreia constante. Um grupo de pais e alunos foi criado e demandou que Estado, município e a Vale fornecessem água para consumo, o que até o momento não foi atendido.
Outro caso abordado diz respeito à Escola Municipal Padre Xisto, no distrito de Piedade do Paraopeba. A instituição fica a cerca de 2 Km da barragem Santa Bárbara, pertencente à empresa Vallourec Mineração. Fica, portanto, na área de autossalvamento da barragem.
A escola, intalada no distrito há 120 anos e que atende a mais de 250 crianças da educação infantil e do ensino fundamental, já recebeu visita da comissão em julho deste mês.
Série de visitas
A deputada Beatriz Cerqueira ratificou que crianças e adolescentes sofrem com os impactos da mineração e do rompimento das barragens.
"É na escola que esses impactos são sentidos. Em novembro, vamos visitar diversas delas, encaminhando proposições que possam dar condições para enfrentarem essas violações de direitos humanos", afirmou.