Ambientalistas criticaram funcionamento dos conselhos e câmaras ambientais
Rodrigo Miranda disse que foram levantados 10 pontos para melhorar a governança do Copam
Ambientalistas propõem mudanças na composição de câmaras temáticas do Copam

Reforma de instâncias ambientais de participação é defendida

Ambientalistas questionam critério de representação utilizado nos conselhos; CGE vê parcialidade, mas aponta melhorias.

30/08/2022 - 21:17 - Atualizado em 31/08/2022 - 13:03

Reforma completa e estrutural da política de licenciamento ambiental, revendo a composição das câmaras setoriais no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), especialmente da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) e dos conselhos consultivos das unidades de conservação (UCs) estaduais.

Essa foi a principal diretriz extraída da reunião que a Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta terça-feira (30/8/22). Solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), a audiência pública ouviu representantes de entidades com atuação nas áreas ambiental e social, além do Controlador-Geral do Estado.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Maria Teresa Corujo, ex-conselheira da CMI, que participou de 42 reuniões da instância até março de 2019, resumiu as inquietações dos convidados: se nada for feito no sentido de reformular essas instâncias de participação nos órgãos ambientais, as consequências podem ser “avassaladoras”.

Isso incluiria mais tragédias como as de Mariana (Central) e Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), além do colapso hídrico e caos generalizado.

Atuação anti-ambiental da Semad é criticada

Ela rememorou sua participação e a do professor Júlio César Grillo, em dezembro de 2018, na CMI do Copam, 45 dias antes do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Lembrou que os dois alertaram para os riscos que a estrutura apresentava e foram contra a concessão da licença para a Vale continuar minerando no local. Mas os dois conselheiros foram voto vencido e prevaleceu a opinião dos demais que formavam maioria na CMI.

Para Maria Gomes Andrade, do Movimento Popular pela Soberania na Mineração (MAM), fatos como esse mostram como o problema é histórico e estrutural, revelando a supervalorização do setor mineral no Estado. Essa atitude, segundo ela, fica evidente em outras decisões dos órgãos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), como no caso da mineração na Serra do Curral. 

“A Semad age como uma agência anti-ambiental, que busca facilitar os interesses das mineradoras. Dessa forma, se as exigências feitas pelo Estado são atendidas pelas empresas apenas de maneira protocolar, isso já é suficiente para a Semad aprovar”, criticou. 

Ela citou também o Projeto Minas-Rio, iniciado em 2014 em Conceição do Mato Dentro (Central), considerado escancaradamente parcial: “Esse licenciamento é quase um estudo de caso de como funciona o processo, em que é aplicado o fatiamento: você licencia uma pequena parte em vez de avaliar o projeto como um todo, que engloba 30 anos de mineração”.

Alemanha

Representante do Fórum Permanente São Francisco, Júlio César Grillo destacou a diferença entre a composição das instâncias de representação da sociedade civil no Brasil e na Alemanha.

Enquanto aqui, apenas ele e Maria Tereza Corujo representavam a minoria na CMI, naquele país, a composição dessas instâncias é realmente paritária: 50% de representantes das várias esferas governamentais e 50% representando a sociedade civil sem fins lucrativos. “O poder econômico pode até ser ouvido, mas não tem voto nos conselhos”, afirmou.

Camila Magalhães Leal, conselheira da Associação Comunitária do Jardim Canadá no Parque Estadual da Serra do Rola Moça, reclamou que o Decreto 47.941, de 2020, tirou o poder do conselho gestor da UC de opinar sobre projetos em sua própria área.

Ele lembrou que nos processos na Serra do Curral e na Mina de Jangada, os conselhos opinaram contra os projetos minerários, mas o Estado os autorizou. “Somos totalmente ignorados em nossas decisões”, lamentou. 

Governo define quem fiscaliza e como

Gustavo Gazzinelli, do Gabinete de Crise Sociedade Civil/Plataforma de Informação e Justiça Socioambiental, detectou outro problema no Copam. De acordo com ele, há representantes de “primeira categoria” – membros do Estado e de estatais e da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) – e de “segunda categoria”, os da sociedade civil.

Só esses últimos não podem ser reeleitos enquanto o Estado e a Fiemg podem manter sempre os mesmos representantes. 

Outra deturpação, na opinião dele, é a definição pelo governo de projetos de maior relevância, os quais são encaminhados à Superintendência de Projetos Prioritários da Semad. Com esse status, esses projetos "pulam" diversas etapas do processo de licenciamento.

Para completar o quadro, Gazzinelli citou a Lei da Liberdade Econômica, que, como ele explicou, prevê que em todas as demandas da empresa junto ao governo, este deve tratá-la com presunção de inocência, mesmo sendo uma mineradora. 

Isenção de responsabilidade

O ambientalista ainda estranhou o posicionamento presente em quase todos os pareceres técnicos e jurídicos do Estado, nos quais os órgãos e equipes de servidores são isentados da responsabilidade técnica sobre os estudos ambientais, a qual é transferida totalmente às empresas.

Além disso, atribui-se à Advocacia Geral do Estado a defesa desse agente público envolvido em processos de licenciamento. 

Por fim, Gustavo Gazzinelli divulgou o ato que vai ocorrer nesta sexta (2/9), em defesa da Serra do Curral.

Sistema descontrolado

Na avaliação de Jeanine Oliveira, do Projeto Manuelzão e do Movimento Mexeu com a Serra do Curral Mexeu Comigo, o Sistema Estadual de Meio Ambiente está descontrolado e isso é proposital: “O Igam tem dados de outorga 30% inconsistentes. O IEF não tem corpo técnico para gerir as unidades de conservação do Estado. A Feam não fiscaliza. E o Copam, que é a única instância participativa dentro da estrutura, apresenta esses problemas graves divulgados aqui”. 

Controladoria vê atuação parcial de conselhos consultivos 

Depois de ouvir as críticas, Rodrigo Fontenelle Miranda, controlador-geral do Estado, destacou que foram levantados 10 pontos a serem implementados para melhorar a governança do Copam. Um relatório da Controladoria-Geral do Estado (CGE) de 2019 mostrou que mais de 90% das votações dos conselhos consultivos foram favoráveis à aprovação dos empreendimentos minerários.

Este percentual aponta para uma atuação parcial dessas instâncias, em detrimento da proteção do meio ambiente e da coletividade. “Foi a primeira vez que a CGE se debruçou sobre esse tema e, ao final, avaliamos 32 dessas instâncias participativas, dentre elas, o Copam”, destacou.

Ele completou que dos 10 pontos detectados, oito foram atendidos pela Semad e que os dois restantes tem prazo até o fim do ano para serem respondidos. 

Avanço da mineração

A deputada Beatriz Cerqueira criticou o “abismo” que separa as decisões do Copam e de outras instâncias representativas daquilo que seria o interesse da sociedade. Para ela, interesses do governo se confundem com os das mineradoras. “O governo Zema está terminando, e o que vimos foi o estreitamento dessa relação estratégica entre a mineração e o Estado, com o avanço do setor sem a proteção dos nossos territórios”, criticou.