Na análise dos convidados, a justiça climática, que considera que os impactos climáticos atingem de forma diferente grupos distintos, deve permear todas as políticas voltadas para o tema
Para Rodrigo Perpétuo, a questão climática seria hoje a maior ameaça à dignidade humana
Minas planeja neutralizar a emissão de carbono até 2050

Crise climática demanda articulação e análises locais

Minas seria o terceiro em emissão de gases do efeito estufa e terá novo plano estadual com participação da ALMG.

26/08/2022 - 16:13

O enfrentamento da crise climática, reduzindo desmates e emissão de gases do efeito estufa, ainda depende de maior integração de ações e de compromisso articulado de governos, segmentos econômicos e sociedade civil, conforme alertaram especialistas, ambientalistas e representantes de entidades em audiência nesta sexta-feira (26/8/22).

Outra defesa foi a incorporação, por todos esses atores, do que vem a ser a justiça climática, conceito surgido a partir da percepção de que os impactos das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais distintos. Reconhecer e atuar para combater essas desigualdades é seu princípio.

A discussão ocorreu na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido do presidente, deputado Noraldino Júnior (PSC).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Na análise de vários dos convidados, a justiça climática deve permear todas as políticas voltadas para a temática. Mário Mantovani, diretor da Associação Nacional Municípios e Meio Ambiente (Anama), disse que o Brasil foi o primeiro País do mundo a ter um marco ambiental legal, incluindo também a sociedade civil.

"Mas é preciso juntar todas as iniciativas existentes (de proteção ambiental) para um resultado mais positivo e adotar a justiça climática para se enfrentar emergências climáticas", defendeu. Na sua visão, ações e responsabilidades devem ser compartilhadas, devendo ser fortalecido o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).

O representante da Anama alertou para a importância de dados sobre o panorama ambiental e para a interpretação dessas informações, para nortear ações. "No Brasil se gasta mais em desassoreamento do que em saneamento, não é possivel. Meio ambiente não é papo de ambientalista, é qualidade de vida", advertiu.

Municípíos devem se engajar

No mesmo sentido, Rodrigo Perpétuo, diretor executivo dos Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), avaliou que o Governo do Estado, e mais diretamente o governador, precisa reiterar publicamente e de forma cotidiana a importância do meio ambiente em todas as suas dimensões.

Segundo ele, é preciso ainda que haja atualização de instrumentos de inventário, de mensuração de dados e de análises de vulnerabilidades. "Minas está em conformidade em muitos pontos, mas precisa liderar e influenciar também os municípios nessa causa ambiental", defendeu Rodrigo Perpétuo. 

Para ele, a necessidade desse envolvimento maior das três esferas de governo – União, estado e municípios – e também de cooperação internacional está no fato de que a questão climática seria hoje a maior ameaça à dignidade humana. E lembrou que tanto a seca como as enchentes causam mortes.

O protagonismo dos municípios também foi mencionado como relevante por Gustavo Bernardino Malacco da Silva, presidente da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá).

Segundo ele, dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) de 2020 mostram que o País alçançou uma emissão líquida de gases de mais de 1,5 milhão de toneladas. O Brasil ficou em primeiro lugar entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, sobretudo devido ao desmatamento da Amazônia, crescente sobretudo nos últimos cinco anos.

Minas é terceiro em emissão de gases

Minas ficou em terceiro lugar entre aqueles estados de maior emissão de gases, decorrente principalmente dos setores agropecuário e energético, alertou o presidente da Angá.

Professor de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão também abordou a situação nacional. Ele destacou que o País responde por 3 a 4% das emissões globais e que mais de 2/3 da emissão de gases registradas no Brasil estão relacionados ao uso da terra.

Por isso, ele defendeu a necessidade de se avançar na implementação do Código Florestal, que pressupõe maior agilidade na validação dos cadastros rurais. No Estado são 950 mil cadastros rurais, mas menos de 1% (95 mil) foram de fato analisados até recentemente, pela falta de sistemas prometidos no Estado em 2019, e que somente estariam sendo entregues agora.

Para suprir essa necessidade nesse meio tempo, foram implementados o Selo Verde - para certificar, de forma gratuita, aqueles proprietários que já cumprem as normas ambientais -;  e o Car2, o Cadastro Rural Ambiental, um software para análise automática dos dados, evitando que produtores e proprietátios rurais sejam inundados com uma série de exigências, algumas delas desnecessárias. 

Com o Car2, 600 mil cadastros, dos 950 mil, já foram validados na análise automática, com estatísticas preliminares mostrando que 40% dos imóveis possuem ativo florestal e que somente 3% estariam com deficit de reserva legal.

Secretária aponta efeitos positivos

A secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Carvalho, frisou que desde o ano passado o Governo de Minas definiu como prioridade na área uma política forte relacionada à crise climática. Mas admitiu que só uma decisão de governo não é suficiente, sendo necessária uma base legislativa que perdure ao longo das gestões.

Ela disse que hoje Minas estaria em posição de vanguarda. Apesar de possuir 10% da população do Brasil e responder por 35% do PIB nacional, o Estado responderia somente por 7,4% das emissões da gases de efeito estufa no Brasil. Para a secretária, isso mostra que ações adotadas têm gerado efeitos positivos, apesar de dados de entidades de que Minas seria o terceiro nessas emissões.

Ela anunciou que o Plano Estadual de Ação Climática está sendo revisto, com a contribuição da ALMG, e que espera sua publicação em novembro próximo.

Sobre os cadastros rurais mencionados pelo representante da UFMG, a secretária destacou que mais de 93% das cerca de 950 propriedades são de produtores de agricultura familiar e disse que o plano deverá prever ajuda a esses agricultores para a recuperação de áreas degradadas.

Contraponto

Maria Dalce Ricas, superintendente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), contudo, afirmou que reconhecia os esforços da Semad, mas se disse não tão otimista com a situação do Estado.

A ambientalista defendeu que uma política climática deve ter como diretrizes transversalidade, integração e responsabilização de todos os órgãos públicos, entre outras. "Os menos favorecidos já estão sendo atingidos pela crise ambiental, mas todas as classes sociais não escaparão", alertou ela.

Política estadual é proposta

O presidente da comissão, deputado Noraldino Júnior, destacou que Minas foi o primeiro estado da América Latina e do Caribe a aderir à campanha "Race to Zero", que busca zerar até 2050 as emissões líquidas dos gases de efeito estufa. Ele ainda frisou que a participação cidadã é um dos princípios da Política Nacional de Mudança do Clima. 

Ao final da audiência pública, Noraldino Júnior entregou para a secretária cópia de projeto de lei de sua autoria, que institui a Política Estadual de Enfrentamento das Mudanças Climáticas. O objetivo da proposição é assegurar a contribuição do Estado no cumprimento de metas e de estratégias na área.

Em ato simbólico de apoio ao projeto, participantes da reunião assinaram o documento.