As péssimas condições de trabalho e a pressão tanto de empresas quanto de usuários também provocam doenças mentais como depressão e estresse
Melhorar a vida dos motoristas reflete na melhoria do serviço, segundo psicóloga
Motoristas profissionais cobram apoio ao setor de transportes

Motoristas querem políticas públicas para melhorar trabalho

A falta de apoio à categoria provoca adoecimento e compromete a saúde mental dos profissionais do transporte.

22/06/2022 - 20:05 - Atualizado em 23/06/2022 - 10:38

A falta de políticas públicas que assegurem melhores condições de trabalho para motoristas dos diferentes segmentos de transporte contribui para o aumento de doenças e o comprometimento da saúde mental dos profissionais.

A reclamação foi consenso entre os participantes de audiência pública realizada nesta quarta-feira (22/6/22), pela Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião foi realizada em conjunto com a Frente Parlamentar de Prevenção à Automutilação, à Depressão e ao Suicídio.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

O autor do requerimento para a reunião e coordenador da frente, deputado Charles Santos (Republicanos), passou o vídeo de uma reportagem que mostrou dados do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Belo Horizonte e Região (STTRBH). De acordo com a entidade, 16,7% dos trabalhadores sofrem de pressão alta, 14,7% apresentam problemas de coluna; 45,9% comem fora de casa e 73,6% estão acima do peso.

Na opinião do deputado, são muitos os fatores que contribuem para a má qualidade da saúde dos motoristas. Ele citou como exemplo a alta dos combustíveis, a má qualidade das rodovias e ruas das cidades, a violência nas estradas, a pressão por cumprimento de prazos e a concorrência do mercado.

“Dependemos do transporte público, mas também precisamos que esses profissionais desfrutem de melhores condições. É um segmento que movimenta o Brasil”, lembrou Charles Santos.

Celinho Sintrocel (PCdoB) também lamentou a ausência de apoio para a categoria. Ele afirmou que o trabalho dos motoristas é insalubre e desgastantes e muitos não conseguem trabalhar por muitos anos na profissão.

O próprio exercício da direção traz reflexos negativos para o corpo do profissional, como as vibrações provocadas pelo atrito do veículo com a pista, os ruídos do motor, dos passageiros e do próprio trânsito, com consequente perda auditiva e as longas jornadas de trabalho.

Os caminhoneiros, segundo o deputado, ainda sofrem com a escassez de pontos de apoio nas estradas e os roubos de cargas. 

O deputado reclamou, ainda, que faltam investimentos no setor do transporte para melhorar a qualidade dos veículos e assegurar condições “mais humanas de trabalho”. Celinho Sintrocel sugeriu que os governos, seja de qualquer nível, providenciem subsídios para o segmento para garantir melhores serviços com tarifas mais baixas ou até mesmo gratuitas.

Motoristas de transporte individual também sofrem

Representante dos motoristas de aplicativos, Jonathan de Almeida Cirilo também relata o abandono da categoria pelos poderes públicos. No aeroporto Internacional de Confins, por exemplo, os motoristas não podem utilizar o banheiro e ficam horas sob o sol à espera de passageiros de volta para a Capital.

Eles também não contam com pontos de estacionamento na cidade, forçando muitos a rodarem vazios até encontrar novas corridas. Sem apoio também das plataformas, segundo Jonathan, ainda têm que arcar com qualquer prejuízo ou dano aos veículos ocasionados pelos desgastes. Os aplicativos também não oferecem assistência à saúde dos profissionais. “Tudo isso influencia na questão psicológica”, lamenta.

Com a alta dos combustíveis, tanto os profissionais de aplicativo quanto os taxistas ampliaram a carga horária para compensar o gasto com o abastecimento dos veículos.

João Paulo de Castro Dias, presidente do Sindicato dos Taxistas (Sincavir), afirmou que a partir da chegada dos aplicativos, em 2014, a situação ficou ainda pior com o aumento da concorrência. Belo Horizonte conta com 7,5 mil permissões para táxi e as plataformas virtuais movimentam cerca de 60 mil veículos, segundo ele.

O sindicalista propõe a regulamentação dos aplicativos para garantir concorrência mais leal e até melhores condições para os próprios motoristas. Segundo ele, além das pressões da profissão, o excesso de trabalho também tem comprometido a saúde mental dos profissionais. Nos últimos 5 anos, foram registrados seis suicídios, além de muitos casos de problemas psicológicos.

Profissionais sofrem violência também de usuários

O presidente do Sindicato dos Rodoviários (STTRBH), Paulo Cesar da Silva, confirmou que o sucateamento do sistema de transporte traz adoecimento precoce aos profissionais, com aumento dos casos de doenças mentais, ortopédicas e cardiovasculares.

Ele lamentou que os motoristas também sofrem agressões físicas e verbais de passageiros e pressão tanto por parte dos empresários, quanto dos usuários. São forçados a rodar com ônibus superlotados e ainda administrar os atrasos do trajeto para cumprir o horário.

As dificuldades com a falta de investimentos e com as péssimas condições das estradas foram ressaltadas pelo diretor do Departamento Jurídico da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários, Urbanos, Próprios, Vias Rurais, Públicas e Áreas Internas no Estado de Minas Gerais (Fetrominas), José Carlos Melo dos Anjos. Segundo ele, as viagens, além de mais perigosas, têm se tornado mais longas e inseguras, em função da precariedade das rodovias.

O advogado trabalhista Geraldo Luiz Nardy Severino disse que os motoristas ainda têm dificuldades de obter auxílios acidentários da Previdência, por não conseguirem comprovar a relação da doença com o trabalho. 

Categoria está entre as que mais adoecem

A psicóloga do Sindicato dos Rodoviários de BH e Região, Susan Rafaelle Soares Barbosa, afirmou que os motoristas profissionais são a terceira categoria que mais adoece, a que mais registra afastamento temporário e a quarta que mais obtém aposentadoria por invalidez. 

Além dos já citados problemas mentais, como depressão e estresse, os motoristas também sofrem com excesso de uso de álcool e drogas. 

A profissional lamentou que ainda é tabu no setor a necessidade da assistência psicológica para esses profissionais. Defendeu que essas questões sejam mais debatidas com o poder público e com as empresas. “Elas ainda olham o trabalhador como uma máquina”.

Melhorar a qualidade do trabalho e da vida do profissional, segundo Susan, vai refletir na melhoria também do serviço prestado à sociedade. Raciocínio semelhante tem o representante da  Assessoria de Mobilização Social da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), Marcos Fontoura de Oliveira, para quem é necessário quebrar alguns paradigmas no Brasil.

Para Marcos Oliveira é preciso desvincular o custo das tarifas com a melhoria do sistema. Segundo ele, muitas cidades mundo afora já adotam a tarifa zero e mantém um serviço de ótima qualidade. No Brasil, 35 municípios já oferecem o transporte gratuito de passageiros, entre eles, Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O assessor explica que o serviço precisa ser visto como um bem social e seus custos diluídos por todos os cidadãos e não apenas entre os usuários. Dessa forma é possível garantir veículos mais modernos, confortáveis e seguros e diluir o preço das tarifas.