Campanhas de esclarecimento e programa de atendimento em saúde voltado para o climatério foram propostos na audiência
Márcio Rodrigues pontuou que a falta de medicamentos adequados para mulheres pode impactar nos gastos públicos do próprio SUS
Faltam políticas públicas para mulheres que vivem o climatério e a menopausa

Especialistas cobram tratamento para climatério no SUS

Terapia hormonal, ausente no sistema público, pode conter sintomas que vão da insônia a problemas cardiovasculares.

07/06/2022 - 19:30

O principal tratamento para amenizar sintomas diversos do climatério – fase de transição fisiológica entre os períodos reprodutivo e não reprodutivo da mulher – não é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Das várias opções disponíveis no mercado, que incluem hormônios injetáveis, em adesivo e gel, entre outros, o SUS tem um único medicamento, que não atende às mulheres que retiraram útero e ovários.

Enquanto isso, mulheres convivem por anos com sintomas que causam grande impacto na saúde e na qualidade de vida. Eles começam com humor depressivo e fogachos, passam por infecções vaginais repetitivas e podem levar ao aumento do risco cardiovascular, à perda óssea e à demência. O tema pautou audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta terça-feira (7/6/22).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Entre os dados apresentados pelo ginecologista Márcio Hipolito Rodrigues, professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chama atenção que problemas ligados ao aparelho circulatório sejam a principal causa de mortes de mulheres de 50 a 59 anos. Essa faixa etária, segundo ele, é justamente uma janela de oportunidade para a terapia hormonal, que pode reduzir em 30% a 50% a mortalidade geral das pacientes.

Novas implicações do climatério também continuam sendo descobertas. Estudo realizado na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), por exemplo, focou nos sintomas geniturinários e revelou que 80% das amostras de mulheres entre 45 e 60 anos tinham a microbiota vaginal doente e a microbiota intestinal empobrecida. “A abordagem interdisciplinar é fundamental”, defende a professora Renata Guerra de Sá Cota.

Gasto público

Márcio Rodrigues contrapõe a falta de medicamentos no SUS ao gasto do próprio sistema com doenças relacionadas ao climatério. “Há mulheres que retiram os ovários e não podem ficar sem hormônios ou vão ter o risco cardíaco triplicado, com gasto público imenso”, exemplifica. A endocrinologista Patrícia Corradi destaca o aumento da expectativa de vida, o que coloca o climatério como a maior fase da vida das mulheres. “O tratamento tem que ser contínuo e individualizado”, aponta.

“Não temos tratamento nenhum, quanto mais individualizado. Temos que arrumar amostras e fazer contas para o tratamento”, contrapõe Ana Lúcia Valadares, coordenadora do Ambulatório de Climatério da Santa Casa. Segundo ela, isso explica a conclusão de pesquisa ainda inédita, que aponta que 20% das mulheres brasileiras fazem tratamento para os sintomas do climatério, mas, enquanto nas classes mais ricas esse tratamento dura 24 meses, nas mais pobres, se reduz a três meses.

Uma das possibilidades de avanço nessa área, segundo os médicos, seria a habilitação de profissionais da saúde para o correto acolhimento e encaminhamento das mulheres. Adriana Ferreira, presidente da Associação Nacional de Mulheres na Menopausa (Menopausa Feliz) também defende a realização de campanhas de esclarecimento para que mulheres conheçam essa condição e saibam buscar ajuda e a instituição de um dia para conscientização sobre o assunto.

Paciente criou associação

Até chegar a um profissional que relacionasse seus vários problemas de saúde à questão hormonal, Adriana Ferreira, que retirou o útero ainda na casa dos 40 anos, foi orientada a tomar ansiolíticos, foi tachada de queixosa e ouviu de médicos que tudo passaria com a menopausa. Mas, ao contrário, os problemas só se agravavam. “Só depois de muita briga, de virar a ‘Ana da menopausa’, fui para a atenção secundária de saúde. Os hormônios acabaram com os sintomas” aponta.

A menopausa, segundo médicos que participaram da audiência, é um momento específico, caracterizado por 12 meses seguidos sem menstruação.

Na tentativa de evitar que outras mulheres passem pelos mesmos percalços, ela criou a Menopausa Feliz e vem mobilizando discussões sobre o tema, como a que aconteceu na ALMG. Segundo ela, dados do Ministério da Saúde apontam que Minas realiza anualmente quase 5 mil cirurgias para retirada de útero/ovário. São pacientes que não terão acesso ao tratamento hormonal, a não ser via judicialização ou tratamento particular. 

Adriana prega ainda iniciativas como o Projeto de Lei (PL) 3.597/22, que cria o Programa Mineiro de Atenção à Saúde no Climatério, conhecido como “Programa Menopausa Feliz” e busca garantir assistência e amparo à saúde física e mental da mulher durante o climatério. A proposição tem como autora a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) presidente da comissão das mulheres e autora do requerimento que gerou a audiência.

Essa é uma fase importante da vida das mulheres e que fica invisibilizada. Precisamos garantir o atendimento no momento correto, para evitar desdobramentos para a saúde”, aponta a parlamentar. Iniciativa semelhante foi aprovada pela Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro no ano passado, conforme relatou a deputada estadual Rejane de Almeida (PcdoB-RJ). A norma prevê atendimento por equipe multidisciplinar.

Governo

Amanda Guias Silva, superintendente de Redes de Atenção à Saúde, representou a Secretaria de Saúde e detalhou que o atendimento em Minas segue protocolos e diretrizes do Ministério da Saúde (MS). Na rede de atenção primária, segundo ela, há equipes multidisciplinares. São 5.930 unidades, cobrindo 85% da população mineira. “Quando a rede primária não dá conta, há a rede especializada”, detalha.

Porém, de acordo com a superintendente, os protocolos têm “manejos não farmacológicos e outros farmacológicos, mas sem a terapia hormonal”. Segundo ela, essa seria uma atribuição do MS. Na fase de debates, porém, foi destacada a responsabilidade solidária de Estados e municípios nessa política de medicamentos.