Norma de visita a presos anterior à pandemia é defendida
Familiares de detentos reclamam que regra atual restringe acesso às unidades prisionais.
27/05/2022 - 21:17A revogação da Resolução 346, de 2022, da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), que restringiu o número e a duração das visitas e tem dificultado a entrega, pelos familiares dos custodiados, de itens como materiais de higiene e alimentação. Essa foi a principal reivindicação de representantes das famílias e de entidades que defendem os direitos dos detentos nas unidades prisionais de Minas.
Eles participaram nesta sexta-feira (27/5/22), com gestores da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), de reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Requerida pela deputada Andréia de Jesus (PT), a audiência tratou das regras impostas para as visitas presenciais durante a pandemia de Covid-19.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Em resumo, a principal demanda das famílias é que a visita volte a funcionar como era antes da pandemia, ou seja, respeitando os seguintes parâmetros: dois visitantes por indivíduo privado de liberdade (IPL); visita com duração das 8 às 16 horas; possibilidade de a esposa ou companheira levar todas as crianças filhas do preso na visitação; e permissão para que as famílias possam levar alimentação para o IPL.
Restrições só nos presídios
Miriam Estefânia dos Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de IPLs, expôs as principais críticas à atual normativa. Hoje, apenas um familiar ou amigo pode participar da visita presencial (uma por mês; a segunda pode ser virtual), que tem a duração de apenas três horas. Na avaliação dela, os protocolos de saúde foram todos afrouxados e, só nas unidades prisionais, as restrições continuam.
Ainda segundo Míriam Santos, não há privacidade, pois, em todo o tempo da visita, um agente prisional fica vendo o que o familiar e o preso estão dizendo; ou agentes falam alto para impedir a conversa. “Ser familiar de preso não é crime, queremos a garantia do nosso direito”, reivindicou.
Por fim, ela reclamou que os familiares não podem levar alimentos para os IPLs. “Tivemos relatos de filhas, mães, esposas, dizendo que os companheiros estavam em pele e osso, porque a alimentação era de péssima qualidade”, denunciou. Vários detentos teriam foram servidos com feijão com pedras, arroz cru, frango cru e até carne com varejeira.
Na opinião de Robson Sávio, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh), para facilitar a ressocialização, o Estado deve estimular os vínculos familiares do preso, como prevê a Lei de Execuções Penais (LEP). A resolução teria apontado no sentido contrário, de restringir o contato das famílias, além de não ter permitido a participação delas na elaboração do documento.
Tortura nos presídios
As representantes do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNCPT) fizeram várias denúncias de violações de direitos humanos, após duas semanas de inspeções em oito unidades prisionais mineiras. Carolina Lemos avaliou que o cenário encontrado foi desolador: “A tortura nesses locais não é só física. Fome, frio, falta de contato com família, falta de afeto, tudo isso tortura”.
Sobre a visita virtual, Carolina informou que o Mecanismo ouviu cerca de mil IPLs e poucos tiveram oportunidade de usar esse formato. Nas visitas presenciais, não há banheiro nos pátios para os familiares, que são obrigados a ficar sem comida.
Também membro do Mecanismo, Camila Antero divulgou que será elaborado relatório a ser entregue aos procuradores-gerais da República e do Estado, ao governador de Minas e a outras entidades. Entre as denúncias, ela relatou que, em muitas unidades prisionais, são adotadas punições irregulares, como a retirada da manta de frio de preso quando se esquece de colocar a máscara.
Ainda denunciou que, como os detentos têm direito a apenas uma muda de roupas, elas não secam direito e o preso as veste úmidas, o que provoca doenças de pele. Em outros locais, os presos só podem ir ao banho de sol se estiverem com barba e cabelo cortados, obrigando muitos a trocarem sua marmita por um prestobarba.
Sobre os servidores que atuam nos presídios, Camila observou que se formaram duas categorias bem distintas: a de concursados e outra dos contratados, estes em situação precária. Ela defendeu, ainda, a realização de mais concursos para reduzir o deficit de efetivo.
Maria Teresa dos Santos, da Associação de Amigos e Familiares de IPLs, reclamou da exigência do governo de que a companheira faça um documento de união estável de escritura pública para poder ter direito à visita. O documento, segundo ela, chega a custar R$ 900 nos cartórios.
Ela também reclamou da atuação da Ouvidoria do Sistema Prisional, hoje comandada por um agente do sistema socioeducativo. “Ele é um espião do Departamento Penitenciário para alcaguetar o familiar que faz alguma denúncia”, criticou.
Demandas serão levadas às instâncias superiores
Para responder aos questionamentos, participaram vários representantes da Sejusp. Alice Nery, superintendente de Humanização do Atendimento, afiançou que as reivindicações serão levadas às autoridades com poder de decisão. Ela ponderou que, embora os decretos federais referentes à pandemia já tenham sido revogados, em Minas ainda vigora o decreto de emergência em saúde pública, o que explicaria as restrições impostas ao sistema carcerário.
Em relação à visita virtual, disse que o objetivo de implantá-la foi atingir um maior número de pessoas, mas, diante das críticas, iria levar a demanda das entidades às instâncias superiores.
Complementando, Poliana Vieira, diretora de Assistência à Família da Sejusp, ressaltou que a visitação virtual foi adotada no momento mais severo da pandemia, propiciando a reaproximação familiar de pessoas que não tinham condição de ir ao presídio.
Sobre a entrada de alimentos, Alice Nery afirmou que o Regulamento e Normas de Procedimento do Sistema Prisional de Minas Gerais (Renp) determina quais os itens que podem entrar nas unidades e que foi criada uma comissão para discutir o assunto pelo Estado, que vai convidar também representantes das famílias.
Relativamente às denúncias de maus-tratos, Alice respondeu que qualquer desvio de conduta deve ser reportado à Corregedoria ou à Ouvidoria, as quais não estão subordinadas ao Departamento Penitenciário. Sobre a escolha do chefe da Ouvidoria, disse que isso cabe ao governador.
Quanto à declaração de união estável, explicou que ela é exigida para categorizar a visitante como companheira, que somente nessa condição terá direito à visita íntima. Por outro lado, informou que para a visita social, de namoradas ou amigas, não há necessidade desse documento.
Respondendo à critica do Mecanismo de que muitos presos não têm direito a trabalhar ou estudar, Alice Nery reconheceu o problema, mas destacou que Minas é, entre os estados brasileiros, o que tem maior número de detentos trabalhando - 14 mil. No que se refere à retirada de cobertor de presos, frisou que a ação é totalmente irregular.
Já Jobert Souza, diretor de Saúde da Sejusp, reconheceu que o Estado tem alguns deficits no setor penitenciário, como a falta de lavanderias em muitas unidades. Por outro lado, disse que Minas foi o estado com menor número de mortes por Covid no sistema (23 óbitos) e que foram vacinados cerca de 97 mil IPLs.
Deficit de vagas e de efetivo
Luciano Cunha, do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, informou que o Estado tem um deficit de mais de 20 mil vagas no sistema e que serão geradas em breve mais 1,2 mil. Sobre denúncias de tortura, afiançou que vai levar todos os relatos à Corregedoria. Quanto ao efetivo, disse que há um deficit de 4 mil servidores e que há um concurso em andamento para contratação de 2,4 mil. Um processo seletivo simplificado será realizado para contratação emergencial, nos próximos 150 dias.
Ao final da reunião, a deputada Andréia de Jesus questionou os membros do governo se seria possível a revisão da Resolução 346, ao que Luciano respondeu positivamente. Também perguntou sobre a possibilidade de as famílias participarem da elaboração de nova resolução sobre o tema. Alice Nery respondeu que sim, mas que seria necessário que as propostas fossem canalizadas para um representante das famílias.
Já no início da audiência, a parlamentar realizou um minuto de silêncio em memória das 26 pessoas mortas na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro (RJ), e de Genivaldo de Jesus, morto por agentes da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe.
Participando virtualmente, a deputada Leninha (PT) defendeu a revogação da resolução e a participação de representantes dos familiares nas decisões que envolvam os acautelados.