Para Célia Xakriabá, não haverá democracia sem direito ao território, à terra e à moradia
André Dias disse que a Mesa pressupõe equilíbrio na representação das partes, o que muitas vezes não acontece
Ariane Lopes disse que a Mesa e a PM têm dialogado, para criar normas que evitem confrontos
Desmantelamento da Mesa de Diálogo de Conflitos é criticado

Mesa de Diálogo precisa de estrutura para melhorar atuação

Em audiência, envolvidos com o órgão reconhecem sua importância, mas questionam resultados limitados pela precariedade.

12/05/2022 - 20:26 - Atualizado em 13/05/2022 - 11:35

De um lado, o reconhecimento do importante papel exercido pela Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais na busca de solução para os conflitos. Do outro, a insatisfação com os resultados desse órgão, diretamente relacionada ao tamanho reduzido da estrutura, com apenas seis servidores para lidar com mais de 300 conflitos no Estado.

Essas foram as principais constatações da audiência que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) promoveu nesta quinta-feira (12/5/22). A reunião está inserida no escopo do Fiscaliza Mais, edição 2022, e integra as atividades de monitoramento promovidas pela comissão dentro da temática, com ênfase na regularização fundiária.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Na avaliação de André Luiz Dias, coordenador do Programa Polos de Cidadania da UFMG, a Mesa é uma conquista das comunidades e dos movimentos sociais, e não apenas uma iniciativa do Governo do Estado. Nesse sentido, defende que a coordenação da instância deveria ser conjunta, com a participação desses grupos sociais e do governo. 

Mesas itinerantes para percorrer o Estado são defendidas

Um dos idealizadores da criação da Mesa, em 2015, ele opina que essa estrutura não deveria negociar direitos humanos, porque esses são inegociáveis e suas violações teriam que ser denunciadas. Também acredita que a instância não poderia ficar estancada na Cidade Administrativa, e sim, percorrer o Estado, com mesas itinerantes. “Porque uma comunidade inteira tem que se deslocar para a sede do governo e não a Mesa ir até o local?”, questionou. 

Para o professor, as atividades da Mesa, bem como seu monitoramento, têm que ser sistematicamente divulgados, paralelamente à escuta ativa que dever ser realizada com as comunidades envolvidas.

Sobre a mediação, advoga o equilíbrio na representação das partes envolvidas, o que, muitas vezes, não ocorre, segundo ele. “Em muitas mesas, vemos governo e empresas de um lado e a comunidade do outro”, reparou. Esses desequilíbrios levam, segundo ele, à proliferação de acordos, muitos celebrados sem a participação das comunidades. 

Por fim, André Luiz defendeu que as pessoas que estão nessas áreas representam um problema menor do que se estivessem em situação de rua. Ele informou que há 9 mil cadastrados nessa condição na Capital, mas na verdade, seriam 16 mil, e no Estado, 25 mil.

Mesa teria sido mais atuante no governo anterior

Manoel Vieira, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, foi mais contundente. Em sua avaliação, a Mesa foi mais atuante no governo anterior, de Fernando Pimentel (PT), quando acompanhava mais de 300 conflitos, dentre os quais encaminhou a metade. “Hoje, vemos o governador Zema cumprindo seu plano de governo, desarticulando os órgãos que apoiam o movimento social”, criticou, lembrando que são acompanhados somente 40 conflitos.

Ainda questionou os gastos do Estado com estrutura policial para intimidar membros de ocupações, em detrimento de uma política habitacional. “Quanto custam helicópteros dando rasantes em ocupações e tropas de choque? Esse dinheiro poderia ser utilizado em programas de moradia popular”, defendeu.

Também atuante na criação da Mesa, Frei Gilvander Moreira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, avalia que em Minas, ainda continuam se reproduzindo relações sociais escravocratas. Enquanto 22% das terras devolutas mineiras são utilizadas pela monolcultura de eucalipto, há um deficit habitacional de 700 mil moradias.

O religioso considera que a Mesa precisa melhorar seu poder de decisão. “São 100 mil pessoas em ocupações. É necessário triplicar pessoal e recursos financeiros e dar maior poder jurídico”. Ele ainda defendeu a aprovação de projeto com a previsão de que, na ausência do envolvido no conflito, o fato teria que ser comunicado ao Judiciário.

Falando nesse poder, Frei Gilvander propôs que o Judiciário seja instado a parar de expedir liminares de reintegração de posse para ocupações de terrenos que não cumprem sua função social. 

Atuação não violenta

Secretário de Estado de Direitos Humanos à época da criação da Mesa, o ex-deputado Nilmário Miranda defendeu que o órgão deve ter a participação de todos os atores envolvidos, inclusive os representantes do poder econômico, que são normalmente os violadores de direitos.

Ele lembrou que, naquele governo, havia mais de 100 ações transitado e julgado para reintegração de posse e, no entanto, a atuação da Mesa impediu a ação violenta da Polícia Militar. “O conflito humano é um direito e não pode ser criminalizado. Na Mesa, só vale a solução pacífica, com a construção de propostas não violentas”, apontou.

Já a coordenadora da Mesa de Diálogo, Ariane Lopes, afirmou que a instância tenta criar um espaço de garantia dos direitos humanos. Ela disse ser importante considerar todas as manifestações de violações e reconheceu o histórico da Mesa, admitindo que há estratégias a serem resgatadas.

Sobre denúncias de truculência da Polícia Militar, apresentadas durantes a fase de debates da reunião, Ariane disse que a Mesa tem estreitado o diálogo com a corporação para criar normas que evitem confrontos. Por fim, afirmou que brevemente deve ser assinado o acordo de regularização das 100 famílias da Ocupação Cidade de Deus, de Sete Lagoas (Central). 

Indígenas 

As duas representantes indígenas na reunião reforçaram a necessidade das Mesas de Negociação considerarem as relações místico-religiosas desses povos com a terra onde vivem. A cacique Anália Aparecida da Silva, liderança Tuxá da aldeia em Rodelas (BA), disse que o território para seu povo e outros indígenas é sagrado. 

Célia Xakriabá, liderança indígena dessa etnia e doutoranda em Antropologia, apontou que não haverá democracia sem direito ao território, à terra, à moradia. Ela reclamou que, no Norte de Minas, foi demarcado apenas um terço do território que seria dos Xakriabás, deixando-os sem acesso ao Rio São Francisco.

Ela lembrou que os indígenas são os detentores de 12% do território nacional e apenas 1% da população brasileira. Apesar disso, protegem 83% da biodiversidade no País. “Não existe solução para barrar a mudança climática sem a demarcação dos territórios indígenas e tradicionais, segundo a ONU. Nós, que não temos a mão suja de sangue ou de lama, devemos ser escutados”, reivindicou.

Atualmente, 49 conflitos são monitorados

Duílio Silva Campos, subsecretário de Direitos Humanos da Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social (Sedese), destacou que a Mesa retomou seu funcionamento em 2019. Ele realçou que qualquer ator social pode pedir o acompanhamento de um conflito pela Mesa, que assim passa a fazê-lo, monitorando sistematicamente o processo. O contato inicial pode ser feito através do e-mail mesadedialogo@social.mg.gov.br. Enfatizou que, atualmente, 49 casos estão sendo acompanhados pela Mesa - 28 urbanos e 21 rurais, envolvendo 4775 famílias.

Ele abordou o funcionamento da Mesa falando dos tipos de reuniões: preparatórias; câmaras técnicas, com os envolvidos no conflito, visando resoluções técnicas; plenário, que é a instância máxima, com participação do coordenador da Mesa e de todos os envolvidos no conflito; e café na mesa (reuniões para discutir alternativas e estratégias para melhorar a resolução de conflitos). Informou que , em 2020, foram realizadas 39 reuniões. Em 2021, 53; e em 2022, 38, até o presente.

Quanto ao número de servidores que atuam na Mesa, Duílio divulgou que são seis atualmente, mas ressalvou que quantidade não é qualidade. “O corpo de funcionários é muito qualificado, com grande experiência em mediação de conflitos e na área social, sob uma coordenação técnica que busca trabalhar com imparcialidade”, elogiou. E reforçou que pretende ampliar a equipe, mas que é preciso respeitar as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sem endereço formal

Das pessoas que se manifestaram, uma reclamação recorrente foi a da dificuldade que os moradores de ocupação têm de apresentar um endereço formal. Luciano Santos (Ocupação Carolina Maria de Jesus), e Andreia da Silva (Cidade de Deus), lamentaram que perderam oportunidade de emprego porque os empregadores não reconhecem a ocupação como um endereço válido.

Regularização fundiária

A deputada Andréia de Jesus reconheceu que essa regularização é uma das principais demandas dos moradores. Ela lembrou que a solução para os residentes em ocupações não é apenas o fim do processo judiciário. “Mas como vai chegar a política pública nesses territórios”, acrescentou.

Ela também criticou a centralização das soluções de conflitos na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), por considerar também uma medida racista. “O povo negro está cada vez mais distante das grandes metrópoles”, explicou.

Para a parlamentar, a Mesa precisa circular no Estado para atender as diferentes demandas das ocupações. Defendeu ainda o fortalecimento da instância, sua autonomia, além de servidores concursados e melhor estrutura. 

Presente no início da audiência, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), criticou o governo por judicializar as relações sociais em Minas. Na sua avaliação, essa questão é grave, pois compromete as relações institucionais no Estado, fragilizando as instâncias democráticas.