O deputado Noraldino Júnior sabatinou o representante da Vallourec e alertou que laudo de estabilidade não elimina risco de novas tragédias
Claudio Musso (à direita) admitiu que pilha de rejeitos e dique vão precisar de outro laudo de estabilidade

Empilhamento de rejeitos minerários também representa perigo

Alerta contra infalibilidade de método alternativo a barragens foi feito em audiência da Comissão de Meio Ambiente.

31/03/2022 - 20:40

O sistema de filtragem e empilhamento de rejeitos a seco da mineração pode não ser totalmente seguro, mas apenas menos pior do que a utilização de barragens e merece um olhar mais atento por parte das autoridades responsáveis pela fiscalização, legisladores e da sociedade em geral.

O alerta foi feito na tarde desta quinta-feira (31/3/22), em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), agendada para debater denúncias de irregularidades na exploração de minério pela mineradora francesa Vallourec, especialmente no Complexo da Mina Pau Branco, em Nova Lima (Região Metropolitana de Belo Horizonte).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Foi nesse complexo que, em 8 de janeiro deste ano, em meio a fortes chuvas que castigaram o Estado no início do ano, ocorreu o deslocamento de parte da chamada Pilha Cachoeirinha. O material foi parar no Dique Lisa, cujo vertedouro transbordou e provocou uma avalanche de lama de resíduos minerários que interditou completamente o tráfego de veículos na BR-040.

Isso aconteceu na altura do km 562, bem próximo ao trevo de Ouro Preto, no trecho que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. Carros que trafegavam pela rodovia foram atingidos, mas não houve vítimas diretas. Também foram comprometidas áreas de preservação ambiental, inclusive uma instalação do Ibama.

Mariana e Brumadinho

Segundo o presidente da comissão e autor do requerimento que motivou a audiência, deputado Noraldino Júnior (PSC), o ocorrido serve de alerta para que não se repitam as tragédias de Mariana, na Região Central (2015), e Brumadinho, da RMBH (2019), já que a Lei 23.291, de 2019, aprovada na ALMG e que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens, criou fortes empecilhos à proliferação de barragens de rejeitos minerários no Estado. A lei também é conhecida como “Mar de Lama Nunca Mais”.

“Essas barragens tinham laudos de estabilidade, assim como essa pilha de rejeitos até parte dele desabar. Não existe laudo de estabilidade que nos garante a segurança de qualquer método de disposição de rejeitos em eventos climáticos extremos, que com o aquecimento global vão se tornar cada vez mais comuns”, afirmou Noraldino Júnior.

Novas pilhas de rejeito

O parlamentar alertou que novas estruturas como essa da Vallourec, que já em 2015 foi pioneira em Minas Gerais na utilização do método de empilhamento a seco, estão sendo criadas e recebendo ininterruptamente mais rejeitos.

“Estamos dando a partida nessa discussão, que precisa ser altamente técnica e séria, porque daqui a alguns anos podemos ter que debater novas alternativas para evitar o desabamento dessas pilhas de rejeitos”, adverte Noraldino Júnior.

Durante a audiência, o deputado leu trechos do Relatório de Sustentabilidade, disponível no Portal da Vallourec, em que a empresa garante que o método não apresenta riscos. “Eu não me sinto seguro para dizer que é seguro. E ao contrário do que a empresa diz em seus comunicados, mesmo após o desabamento, o dique não cumpriu sua função, porque a função dele não era conter deslocamento de pilha”, explica.

Vallourec diz que estrutura cumpria requisitos legais de funcionamento

Essa justificativa foi repetida na audiência pelo gerente-executivo da Vallourec Mineração, Claudio Musso, que reiterou o compromisso da empresa com a segurança, a preservação ambiental e a regulação do setor minerário em vigor.

Ao ser sabatinado pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente sobre o que deu errado na Pilha Cachoeirinha, ele disse que a estrutura possuía laudo de estabilidade emitido conforme legislação vigente, mas que a Vallourec contratou empresas especializadas para avaliar o caso e respostas serão dadas oportunamente. “Mas a mineração foi interditada e a pilha e o dique vão precisar de outro laudo de estabilidade”, admitiu.

“Eu afirmo que o laudo de estabilidade não foi dado com os critérios técnicos necessários”, rebateu Noraldino Júnior, que exibiu ao longo da reunião diversas imagens de satélite, aéreas e vídeos para reforçar a tese de que as pilhas de rejeitos também representam risco. Um dos vídeos mostra o momento do transbordamento do dique e, na avaliação do deputado, há indícios de assoreamento.

Denúncia de lavra ilegal é investigada

Outro vídeo, aparentemente feito por um drone e apresentado na audiência, reforçaria a denúncia recebida pela Comissão de Meio Ambiente de que a Vallourec, mesmo antes do desabamento de parte da pilha e o transbordamento do dique, estaria se aproveitando de obras de terraplanagem autorizadas para expansão da planta para camuflar mineração sem a devida autorização.

As imagens exibidas mostrariam, segundo Noraldino Júnior, comboio de caminhões conduzindo material retirado do que seria uma área de terraplanagem para outras pilhas de material que seriam processados, bem próximas às estruturas industriais para esse fim.

A suspeita foi negada pelo representante da Vallourec. Segundo ele, trata-se apenas do deslocamento necessário do material retirado para aterros com as devidas identificações, conforme preveem as autorizações. “Em hipótese nenhuma houve a lavra do material”, reforçou Claudio Musso.

Apuração

A apuração sobre a suspeita de mineração ilegal e as causas da queda de parte da pilha de rejeitos que atingiram o dique ainda estão em andamento, conforme apontaram outros participantes da audiência, como o delegado Pedro Ribeiro de Oliveira Sousa, do Departamento Estadual de Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) da Polícia Civil mineira, e o delegado da Polícia Federal, Frederico Levindo Coelho.

Da mesma forma, o subsecretário de Fiscalização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), Alexandre de Castro Leal, fez um balanço de todas as ações realizadas na planta da Vallourec. Segundo ele, já foram emitidos três autos de infração por motivos diversos, mas ainda não foi possível comprovar a prática de mineração ilegal.

Liquefação

O gerente regional da Agência Nacional de Mineração (ANM), Leandro César Ferreira de Carvalho, informou que o órgão já vistoriou as 17 maiores pilhas de rejeitos do Estado e foram feitas várias exigências, confirmando que algumas delas apresentam erosões significativas.

“Discutir uma nova legislação sobre elas é um ponto a ser considerado. Algumas podem ser suscetíveis a liquefação (como em Mariana e Brumadinho), ainda mais nos períodos chuvosos, já que antes essa deposição era feita em barragens”, confirmou.

Sobre a suspeita que pesa contra a Vallourec, ele admitiu que foi constatada a retirada de material de um ponto da planta e que há mesmo a possibilidade de ter ocorrido lavra irregular, mas tudo que foi apurado foi encaminhado para a Polícia Federal e é preciso aguardar a conclusão das investigações.