Participantes da audiência lamentaram a falta de respostas sobre o assassinato de Marielle Franco, em 2018
Para o promotor Allender da Silva, o Brasil não amadureceu a ponto de oferecer segurança à livre participação política
Mulheres denunciam a violência virtual de gênero e raça

Relatos de violência virtual marcam audiência pública

Quatro anos após a morte de Marielle Franco, mulheres negras com atuação política continuam sendo vítimas de ameaças.

16/03/2022 - 20:35

O assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que completou quatro anos nesta semana, e a falta de respostas sobre o mandante do crime foram apontados como exemplos do grau de violência política no Brasil, em audiência pública realizada, nesta quarta-feira (16/03/22), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Os convidados debateram, sobretudo, as situações de violência política virtual, sob a perspectiva de gênero e raça, atendendo a requerimento da presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (Psol). A própria parlamentar destacou ameaças dirigidas a ela: “Fui diversas vezes vítima do ódio, por ser mulher e pela minha militância, minha cor da pele e minha defesa dos direitos humanos”. 

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Andréia de Jesus relatou que as ameaças a levaram a solicitar escolta da polícia. Agora, foi surpreendida pela notícia de que o Governo do Estado vai retirar essa proteção. “Isso também é violência política, pois o Estado, ao não garantir minha segurança, compactua com essa prática e a estimula”, criticou. 

Por meio de vídeo gravado em ato público realizado nesta quarta-feira, em defesa de Andréia de Jesus, a vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença (Psol) também condenou a decisão do governo. “Outros presidentes da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia sofreram ameaças e tiveram escolta em todo o mandato”, declarou. 

Vítimas de violência política se expressam

Outras vítimas de violência política se pronunciaram na reunião desta quarta-feira. Karen dos Santos, vereadora de Porto Alegre (RS), também do Psol, relatou que vem sofrendo sucessivas ameaças, juntamente com outros parlamentares da bancada negra na Câmara Municipal.

Eles fazem constantes boletins de ocorrência, mas nenhuma ação efetiva é realizada. Por isso, denunciaram o Estado por negligência e omissão. “Nunca obtivemos uma correlação de forças favorável para conseguirmos aprovar políticas públicas para os menos favorecidos, as mulheres, os negros”, acrescentou. 

A deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) lamentou os assassinatos de defensores de direitos humanos no Brasil e a violência contra as mulheres na política. Ela é uma das vítimas: “Para eu ir à padaria, só em carro blindado. Tenho que ficar fora do Rio, porque milícias me ameaçam”, destacou. 

Karine Roza, vereadora do Serro (Região Central), do PT, destacou a importância da discussão realizada pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG e lamentou que a própria sociedade muitas vezes dê aval a episódios de violência política. Ela mencionou audiência pública realizada recentemente na Câmara Municipal do Serro, sobre um empreendimento minerário. “Quilombolas que vêm sendo violentados foram ouvidos e, por isso, sofri violência política virtual”, afirmou. 

Faltam mecanismos para garantir efetividade das leis na internet

Para Mauro da Fonseca Ellovitch, promotor de Justiça e coordenador estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público, o Estado brasileiro precisa evoluir nesse sentido. “Temos que criar mecanismos eficientes para garantir que as leis sejam aplicadas também na internet”, disse. Ele ressaltou que a maioria das mudanças nas leis criminais deve ser feita em âmbito federal.

Outro dificultador para a penalização de criminosos cibernéticos, segundo o promotor, é a dificuldade para responsabilizar judicialmente as redes sociais.  

Para orientar as vítimas de violência política, Mauro Ellovitch disse que elas devem trazer o máximo de dados e informações possíveis ao registrarem a ocorrência. “A vítima, muitas vezes, é amedrontada e tenta se proteger, bloqueando o agressor e apagando as postagens. Ao fazer isso, dificulta a investigação, pois a autoridade precisa desse registro para poder investigar”, exemplificou. 

Google

Na mesma linha, a delegada da Polícia Civil Paloma Boson relatou dificuldades na investigação de dados, principalmente de provedores com sede no exterior. Ela disse que solicitou ao Google que retirasse da internet um vídeo ofensivo e a empresa se recusou. “Daí a importância de a população ter em mente que deve guardar os dados que possam servir de prova”, afirmou. 

Diálogo interinstitucional

Para Allender Lima da Silva, promotor de Justiça e coordenador de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação, é necessário um diálogo entre as instituições do Estado. A partir dessa conversa, poderia ser criado um protocolo para respostas rápidas a essas violações de direitos, incluindo um mecanismo de registro e monitoramento dessas ocorrências. 

O promotor ainda registrou sua tristeza pelo andamento do caso Marielle Franco. “Depois de quatro anos de um crime que atacou a vida de uma parlamentar preta e periférica da Comissão de Direitos Humanos, estamos aqui discutindo a segurança de outra parlamentar negra, de outra Comissão de Direitos Humanos”, criticou. Em sua opinião, o Brasil não amadureceu democraticamente, “ao ponto de oferecer segurança ao livre exercício da participação política”. 

O deputado Doutor Jean Freire (PT), que participou do ato em apoio a Andréia de Jesus, afirmou que postou em suas redes sociais a lembrança do assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes. E lamentou que a postagem tenha lhe rendido críticas de vários internautas.