De acordo com pesquisadora, mesmo em casas legislativas as mulheres estão sujeitas à violência de gênero
Wânia Guimarães falou da baixa representatividade feminina nas casas legislativas no Brasil
Machismo institucional aumenta violência contra mulheres

Machismo e racismo estruturais impedem mulheres de progredir

Especialistas pedem, durante debates pelo Dia da Mulher, ações concretas contra violência de gênero, racismo e pobreza.

09/03/2022 - 16:20

Gênero é um conceito teórico para significados que são atribuídos a corpos e comportamentos, não sendo derivado de órgãos genitais, mas da cultura. Não há problemas em existirem diferenças entre homens e mulheres. O problema é quando essas diferenças são usadas como base para violências. A reflexão foi feita pela pós-doutora em História, professora e coordenadora do Grupo de Pesquisa Gênero e Violência da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Claudia Maia.

Ela participou nesta quarta-feira (9/3/22) do 2º dia do Ciclo de Debates Virtual “Sempre Vivas - Mulheres e Política: Por Representatividade, Justiça e Respeito”, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Cláudia foi uma das debatedoras do painel “Violência e machismo institucional”, e sua explanação abordou o porquê da violência contra mulheres ser uma violência de gênero. 

Assista ao vídeo completo da reunião.

De acordo com a pesquisadora, os conflitos e as tensões resultam das relações de poder estabelecidas pela cultura da masculinidade, de poder tudo, e da feminilidade, de ter de servir e obedecer

“Desde o seu nascimento, o Estado moderno excluiu as mulheres de direitos, porque foi estruturado a partir da ótica patriarcal, que assegura privilégios masculinos. Por isso, o machismo é institucional e estrutural na sociedade e na cultura”, afirmou. 

Dessa forma, mesmo os agentes do estado, que tem de garantir segurança e justiça a todos os cidadãos, fazem os atendimentos sob essa ótica patriarcal e deixam a subjetividade interferir. “A gente vê isso quando se recusam a registrar ocorrências ou registram amenizando o que o agressor fez, convencem as vítimas a desistir das queixas. Esse tipo de atitude, comum, não protege a mulher, que se torna vítima da violência de gênero institucional”.  

A professora explicou ainda que o Estado brasileiro dispõe de vários instrumentos para enfrentar a violência, mas estes não são suficientes ou sempre eficientes. 

“Precisamos pensar em ações de médio e longo prazo para reverter essa violência de gênero institucional, como a ampliação do número efetivo de mulheres em cargos decisórios e de comando no Judiciário, a criação de uma ouvidoria específica para denúncia de maus tratos e violência institucional e de um observatório estadual de pesquisa para acompanhar, monitorar e divulgar dados da violência de gênero no estado”, afirmou. 

Mulheres negras são mais vulneráveis

Já a coordenadora do Comitê da Marcha Mundial de Mulheres de Uberlândia e membro do Observatório da Mulher de São Paulo, Gláucia Matos Adeniké, deu destaque ao fato de que, além da violência de gênero, o racismo também é estrutural e este sistema discriminatório atua contra a segurança e a vida de mulheres negras

“Mulheres negras são as mais vulneráveis e tanto o machismo quanto o racismo estrutural precisam de ações concretas de combate, mas o governo federal não é comprometido com o bem-estar da população. A Casa da Mulher Brasileira, política de atendimento criada pela presidente Dilma Rousseff, não foi implementada. O fundo especial pelos direitos das mulheres, previsto no plano plurianual, não é repassado. Além disso, a não assinatura do pacto nacional pelo enfrentamento da violência contra as mulheres, tudo isso mostra o desinteresse dessa administração”. 

Ela também reforçou que sem emancipação financeira fica difícil garantir a vida e a independência das mulheres. “Precisávamos pensar na criação do Programa Estadual de Renda Mínima para mulheres negras, indígenas, quilombolas, em situação de violência e vulnerabilidade social”. 

Na mesma linha, a coordenadora do Núcleo da Diversidade da Faculdade Milton Campos e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, explicou que mais uma forma de opressão estrutural das mulheres é a pobreza. Segundo ela, sem uma administração decidida a combater a pobreza fica difícil garantir o bem-estar das mulheres.

“Várias são as obrigações assumidas pelo estado brasileiro. Somos signatários de diversas convenções internacionais de direitos humanos e inclusive fomos o país onde ocorreu a Convenção de Belém do Pará, primeiro tratado internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres. Então precisamos que essas convenções sejam aplicadas e efetivadas”.

Wânia também destacou que a violência de gênero contra mulheres acontece dentro das casas legislativas em todas as esferas, como no caso da deputada Isa Penna, na Assembleia Legislativa de São Paulo, e da deputada Andreia de Jesus (PSOL), na ALMG. 

“O Brasil é um dos últimos no ranking da América Latina em representatividade de mulheres nas suas casas legislativas. As mulheres são as que tem melhores condições de articular suas demandas, não podemos esperar as candidaturas masculinas pensarem nas nossas reivindicações”, reforçou. 

Repúdio ao machismo institucional

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) compartilhou, durante o evento, um pouco de sua vivência como deputada na legislatura que mais elegeu mulheres na história da ALMG. Segundo ela, em seus primeiros dias no Plenário, um deputado disse que a Casa agora estava “cheia de rosas”. “Eu disse a ele que rosas tem espinhos e que em muitos momentos esses espinhos precisam aparecer.

Numa reunião de votação de projetos estávamos articulando e discutindo com seriedade, e um colega disse que estávamos ‘fofocando’, sendo que os demais deputados também estavam falando da pauta. Por que nós que ganhamos a alcunha de fofoqueiras? Perceber essas micro agressões e que elas não podem mais ser toleradas também faz parte do combate ao machismo”.  

A deputada também repudiou os ataques homofóbicos à secretária de Educação de Itabira (Central), Laura Souza, e a manifestação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, em seminário promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público. “É desse tipo de comentário que estamos falando, nosso trabalho é reduzido a escolher esmalte ou sapato”.

A ex-deputada estadual e membro da Comissão Política Nacional do PCdoB, Jô Moraes, também criticou a declaração do Procurador-Geral, proferida nesta terça (8).

“É de um empobrecimento institucional assustador. Num espaço que deveria ser de abraçar a ofensiva em prol dos direitos das mulheres. É uma defasagem muito grande de raciocínio, uma autoridade que nos rebaixa a cor de unha e uso de salto alto. A Política só vai melhorar se mais mulheres participarem”, reforçou. 

Interiorização

Delegada titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Diamantina e membro fundadora da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Alto Jequitinhonha, Kíria Orlandi falou da realidade da rede de atendimento no interior do estado, onde muitas vezes falta a capacitação e os recursos para um atendimento humanizado. 

“Precisamos do apoio de outras instituições para capacitar ainda mais policiais porque a realidade do interior não é o atendimento multidisciplinar. A polícia é a porta de entrada e foi a única a permanecer aberta o tempo todo durante a pandemia. Além disso, atender a mulher, registrar ocorrência e fazer medida protetiva muitas vezes não garante a retirada dela da situação de violência. Ela tem filhos que precisam de escolas. Precisa de pensão alimentícia. De uma ação de divórcio. Reinserção no mercado de trabalho. Nós também precisamos dos órgãos jurídicos e psicossociais. A Defensoria Pública é ausente no Alto Jequitinhonha”.