O presidente do Conselho de Administração, Márcio Utsch, tentou convencer deputados que aval a atos da direção foram pelo bem da Cemig
Os deputados Cássio Soares e Sávio Souza Cruz questionaram depoente sobre contratos suspeitos
O deputado Zé Guilherme defende decisões tomadas pela direção da estatal:
Possível redução de custo em contrato com a IBM poderia ser maior com licitação

Omissão de conselheiros deixou Cemig largada à própria sorte

Presidente do Conselho de Administração admite na CPI envolvimento de dirigente do Novo em contratação de presidente.

25/11/2021 - 17:20

O processo de desmonte e descrédito da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) visando, em última instância, a viabilizar politicamente a sua privatização não teria sido possível sem que os integrantes do seu Conselho de Administração, que deveria zelar pelo futuro da empresa, fechassem os olhos para uma série de irregularidades perpetradas pela atual direção da estatal.

Essa foi, em linhas gerais, a conclusão do interrogatório, na condição de testemunha, do presidente do Conselho de Administração, Márcio Luiz Simões Utsch, pelos deputados que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), criada para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da estatal.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

A oitiva realizada na manhã desta quinta-feira (25/11/21) sob o comando do presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD), atendeu a requerimento dos deputados Zé Guilherme (PP) e Zé Reis (Pode). Por três horas, o executivo tentou convencer os deputados de que o aval dado pelo Conselho a uma série de decisões suspeitas foram para reorganizar a empresa e dar a ela maior eficiência e competitividade no setor elétrico.

Letargia

Mas a maioria dos deputados que participaram da reunião, sobretudo o relator da CPI da Cemig, Sávio Souza Cruz (PMDB), deram diversas mostras de não terem se convencido disso. “O Conselho de Administração da Cemig parece ter comido aquela maçã da Branca de Neve e agora está dormindo. Acordar quem dorme já é difícil, mas acordar quem finge estar dormindo é impossível”, ironizou o relator.

Na mesma linha dos contos de fada, o vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB), estendeu as críticas ao setor responsável pelo compliance da Cemig, que, segundo o próprio depoente, é um dos cinco setores de controle ligados ao Conselho de Administração.

A letargia da Diretoria-Adjunta de Compliance, Riscos Corporativos e Controles Internos da Cemig no monitoramento de decisões suspeitas tomadas pela atual direção da companhia foi comparada por Professor Cleiton ao “sono eterno da Bela Adormecida”.

Na análise do presidente da CPI, Cássio Soares, cabe agora ao Conselho de Administração da Cemig aprender com as irregularidades já detectadas e aprimorar a gestão da companhia, e não fazer parte do que parece ser, segundo ele, uma linha de defesa do injustificável.

“Nenhuma boa ação da Cemig pode ser justificativa para deslizes. Queremos a Cemig cada vez mais eficiente, nada mais além disso. Mas o próprio diretor de Compliance veio aqui e deixou uma péssima impressão de incompetência”, lembrou Cássio Soares.

O diretor-adjunto de Compliance da Cemig, Luiz Fernando de Medeiros Moreira, prestou depoimento à CPI no último dia 20 de setembro.

Depoente confirma ter recebido ligação de dirigente do Novo

Interrogado na condição de testemunha, o presidente do Conselho de Administração, Márcio Utsch, foi confrontado pelos parlamentares com uma série de decisões questionáveis tomadas pelo governo estadual no âmbito da estatal sem que o Conselho de Administração criasse qualquer tipo de dificuldade.

A primeira delas teria sido a própria escolha do atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanesi Filho, pela Exec, empresa de headhunter (seleção de executivos) ligada a dirigentes do Partido Novo, o mesmo do governador Romeu Zema.

Tão logo o presidente anterior da Cemig, Cledorvini Belini, teria anunciado sua intenção de deixar o cargo, em novembro de 2019, o depoente declarou ter recebido uma ligação do empresário Evandro Negrão de Lima Júnior, que não tem cargo na Cemig, nem no Executivo, mas é secretário de Assuntos Institucionais e Legais do diretório do Partido Novo no Estado.

“Ele me disse que falava em nome do secretário Cássio Azevedo (já falecido, o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Zema) e que era para eu entrevistar dois candidatos selecionados. Eu sabia que ele trabalhava para o Partido Novo”, contou Márcio Utsch.

Conforme já apurado pela CPI da Cemig e confirmado por depoimentos anteriores, a Exec recebeu, em um contrato sem licitação, R$ 170 mil.

Convalidação

A convalidação do contrato da Exec foi aprovada em fevereiro de 2020, mais de 30 dias depois de o presidente Reynaldo Passanezi ter sido nomeado para o cargo. Ou seja, ele “contratou” a empresa que o selecionou. Prevista na legislação, a convalidação é a regularização de contratações depois dos serviços já terem sido executados, que deveria ser utilizada somente em situações emergenciais.

“O senhor sabia que a Exec tinha, entre seus sócios, filiados do Partido Novo e que isso é inadmissível em empresas públicas?”, questionou Sávio Souza Cruz. “Eu não tinha conhecimento disso. Só entrei nessa história depois do telefonema”, admitiu o depoente.

IBM

Márcio Utsch também foi confrontado com as circunstâncias estranhas da contratação pela Cemig da multinacional de tecnologia IBM Brasil, novamente sem licitação, pelo prazo inédito de dez anos e por valor superior a R$ 1,1 bilhão. O acordo foi assinado em 12 de fevereiro de 2021, após receber também o aval do Conselho de Administração da Cemig.

A IBM Brasil teria sido contratada pela Cemig para prestar consultoria em transformação digital e implementar um modelo integrado de atendimento aos clientes, conhecido como omnichannel. Contudo, segundo o apurado pela CPI, falta à multinacional a expertise necessária no atendimento humano, como é o caso do call center.

Em consequência disso, foi por meio da IBM que a empresa de call center AeC, que tinha como sócio o mesmo secretário de Zema, Cássio Azevedo, foi subcontratada após interferência direta do atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi.

Interferência

O presidente da Cemig teria ordenado que “se encontrasse uma forma” de manter o contrato, mesmo após a empresa ter perdido a licitação para o serviço, conforme revelou aos deputados João Polati Filho, ex-diretor-adjunto de Suprimentos, Logística e Serviços Corporativos da estatal.

“Eu não sabia dessa forçação de barra”, admitiu o depoente, que contudo defendeu a contratação da IBM Brasil como legal e altamente rentável para a Cemig por substituir 14 outros contratos com economia de cerca de R$ 500 milhões.

Lei das Estatais permitiria contratação da IBM sem licitação

“A Cemig não fez nada ilegal”, sentenciou o deputado Zé Guilherme (PP). De acordo com ele, a empresa não teve alternativa a não ser estender o vínculo contratual com a AeC após o mesmo ex-diretor de Suprimentos suspender a licitação um dia antes, ainda em setembro de 2019.

O contrato para a prestação de serviço de call center venceria apenas cinco meses depois e, de acordo com o deputado, seria temerário correr o risco de interromper a prestação desse serviço essencial. “Isso indica quem causou o eventual prejuízo e quem deve ser responsabilizado”, aponta.

O deputado Roberto Andrade (Avante) lembrou ainda que a Lei 13.303, de 2016, mais conhecida como “Lei das Estatais”, prevê duas hipóteses para dispensa de licitação, uma para a contratação de empresas de notória especialização e outra para contemplar as chamadas oportunidades de negócio.

“Este último caso foi o da contratação da IBM e para mim parece uma escolha muito óbvia. Foi uma decisão acertada da diretoria referendada pelo Conselho”, pontuou.

PMI - Segundo o presidente do Conselho de Administração foi realizado o chamado Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), da qual participaram várias empresas, que culminou na escolha da IBM. Márcio Utsch contou ainda que somente com o advento da pandemia é que o alto escalão da Cemig passou a questionar a estratégia de atendimento ao cliente da empresa.

“Isso é o que se pode chamar de má gestão”, rebateu o relator da CPI da Cemig, Sávio Souza Cruz. “Por meios indiretos, a ordem do presidente foi cumprida. Mas, legalmente, aquilo que não pode ser feito de forma direta não pode ser feito de ordem transversa”, completou o deputado.

Segundo o já apurado pela CPI da Cemig, somente esta operação teria gerado prejuízos em série para os cofres da Cemig, tanto na prorrogação excepcional do contrato com a AeC pela Cemig quanto na sua subcontratação pela IBM, ambas por valores maiores.

E, ainda, futuramente, pela ameaça da direção da empresa Audac, que venceu a mesma licitação, de cobrar judicialmente da Cemig pelos investimentos realizados.

Coincidências

“São coisas difíceis de explicar. Olharam a formiga com uma lupa e deixaram passar o elefante. É um processo muito nebuloso, com tantas coincidências, tantos indícios de tráfico de influência e beneficiamento de certas pessoas, e ainda acham que está tudo normal? Por que não licitar?”, questionou Sávio Souza Cruz.

O presidente da CPI da Cemig, Cássio Soares, foi além e classificou o contrato celebrado pela Cemig com a IBM como ilegal. “Existe a lei e estamos todos submetidos a ela. A diretoria da Cemig não está acima da lei. A licitação é sempre mais saudável para os cofres públicos. Cada centavo que sai deles vale muito”, afirmou.