O executivo da IBM Brasil, Marcelo Moura (à direita), consulta seu advogado durante o depoimento aos deputados que integram a CPI da Cemig
IBM Brasil nega influência da Cemig em contrato com empresa de ex-secretário

Deputados da CPI fecham o cerco contra uso político da Cemig

Executivo da IBM não consegue justificar motivo de subcontratação de empresa ligada a ex-secretário do governo Zema.

05/10/2021 - 15:50

De um lado, ausência de explicações ou respostas evasivas. Do outro, mais indícios de que a parceria bilionária firmada entre a Cemig e a IBM Brasil Indústria, Máquinas e Serviços, braço da multinacional de tecnologia, realizada sem licitação e pelo prazo inédito de dez anos, pode ter dado margem a diversas ações de uso político da estatal, representando mais prejuízos ao seu principal acionista, a população de Minas Gerais.

Esse foi o saldo do interrogatório, na manhã desta terça-feira (5/10/21), do vice-presidente da área de Consultoria da IBM Brasil, Marcelo Flores de Moura, pelos deputados que compõem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que investiga possíveis irregularidades na atual gestão da Cemig.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Ao longo de mais de três horas de depoimento, na condição de testemunha e acompanhado por um advogado, o executivo da IBM Brasil tentou justificar, sem muito sucesso, que a parceria firmada com a companhia energética do Estado aconteceu dentro da legalidade e representará mais eficiência no atendimento aos clientes. No entanto, ele nem sequer soube detalhar o prazo e valores envolvidos na subcontratação da empresa de call center AeC, fundada por Cássio Azevedo, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governador Romeu Zema.

A AeC, citada em vários depoimentos já prestados na CPI, já desempenhava a mesma atividade para a Cemig desde setembro de 2008, por três contratos, e foi subcontratada pela IBM no início deste ano, mesmo após ter perdido licitação no ano passado para continuar prestando o mesmo serviço. Uma das linhas de investigação da CPI é o aparelhamento político da empresa por dirigentes do Partido Novo, o mesmo do governador.

Advertência

Diante das respostas vacilantes do depoente, o presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD), chegou a adverti-lo e interrompeu a reunião para que o executivo da IBM Brasil pudesse apurar as informações e responder com mais precisão às dúvidas dos deputados, o que acabou não acontecendo.

Ele alegou ter se envolvido na parceria entre Cemig e IBM somente a partir da segunda quinzena de novembro do ano passado, quando a negociação já estaria alinhavada. Mesmo assim, conforme alegou, o setor jurídico da multinacional de tecnologia, ao ser consultado por ele, teria dado aval à continuidade ao acordo. Segundo o depoente, outras cinco grandes empresas de tecnologia teriam sido consultadas antes da IBM assumir a parceria, o que em tese configuraria uma concorrência.

Sobre a contratação da AeC, Marcelo Moura disse desconhecer que haveria uma outra empresa que teria vencido a licitação para call center, oferecendo um preço mais barato, e admitiu que a IBM não consultou o cadastro da Cemig de empresas fornecedoras deste tipo de serviço

“Percebemos que o melhor era manter o fornecedor de atendimento telefônico, para não causar uma disrupção no serviço”, apontou.

Depoente nega pressão para manter empresa que perdeu licitação

O executivo da IBM também negou ter sofrido qualquer tipo de pressão para manter a AeC, alegando não ter tomando conhecimento das declarações dadas à CPI da Cemig pelo ex-diretor-adjunto de Suprimentos, Logística e Serviços Corporativos da empresa, João Polati Filho, que denunciou ter sido diretamente e veementemente pressionado pelo presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, para que “encontrasse uma forma” de manter o vínculo contratual com a empresa do ex-secretário de Zema.

“São tantas coincidências que já levantamos, que gostaria de saber se o jurídico da IBM ainda avalia que não há incompatibilidade nessa situação. Entre elas essa de o presidente da Cemig pedir para dar um jeito da AeC continuar, jeito que acabou sendo dado, mais uma coincidência. Na prática, firmaram uma parceria que vai permitir à Cemig ficar livre dessa chatice chamada licitação, pois basta a Cemig indicar, que a IBM vai contratar”, criticou o relator da CPI, deputado Sávio Souza Cruz (MDB).

A suspeita de aparelhamento político da companhia já havia sido reforçada com a confirmação nas oitivas de que Cássio Azevedo, já falecido, mesmo sem ser funcionário da estatal, chegou a ter uma sala reservada no 18º andar do edifício-sede da Cemig, a pedido do atual diretor-presidente. O depoente também disse desconhecer esse fato.

Contraponto

Ao contrário dos colegas, os deputados Zé Reis (Pode) e Zé Guilherme (PP) defenderam a parceria entre IBM Brasil e Cemig, já que o modelo antigo remunerava por atendimento realizado, independentemente da taxa de resolutividade. Ao responder perguntas desses parlamentares, o depoente destacou que foi estimada a economia de R$ 500 milhões, em virtude da substituição de outros 14 contratos.

“Antes, a Cemig pagaria o mesmo sem resolver, pois o taxímetro continuava ligado. Com a Cemig, a IBM só paga se o problema do cliente for resolvido”, apontou Zé Guilherme.

Comissão vai investigar se outras empresas foram lesadas

O presidente da CPI da Cemig, Cássio Soares, revelou, ao longo da reunião, que a comissão já recebeu outras denúncias de empresas que, apesar de participarem de licitações da estatal, teriam sido preteridas em nome de subcontratações suspeitas.

“Já sabemos que a Audac não foi a única prejudicada e vamos investigar. A desculpa de buscar uma Cemig mais eficiente não pode servir de justificativa para burlar a lei”, afirmou.

A Audac, vencedora da licitação do call center, ameaça cobrar na Justiça mais de R$ 13 milhões por investimentos já realizados. O temor aí é que outras empresas também possam vir a acionar a Cemig na Justiça.

Essas novas denúncias a serem investigadas pela CPI da Cemig foram confirmadas pelo vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB), e pela deputada Beatriz Cerqueira (PT). “Estamos presenciando um dos maiores escândalos corporativos da história do Brasil. E colocaram o senhor (em alusão ao depoente) numa fria, porque parece não ter participado de nenhuma dessas tratativas podres”, afirmou Professor Cleiton.

Evasivas

Pressionado por Beatriz Cerqueira a indicar outro dirigente da IBM que pudesse dar mais detalhes sobre o que teria sido acertado nos bastidores entre a multinacional e a Cemig, Marcelo Moura deu mais uma resposta evasiva. “Não sei quem cuidou especificamente dessa negociação, pois nosso time de compras que analisou a proposta tem entre 30 a 40 pessoas”, relatou.

A parlamentar ainda questionou o depoente sobre o motivo do suposto desmonte do setor responsável pela fiscalização de contratos da Cemig, e a pedido da direção da IBM Brasil, outra denúncia que chegou ao conhecimento dos deputados da CPI. Marcelo Moura confirmou o procedimento, que se justificaria em virtude de, na parceria celebrada, a IBM ter assumido diversas funções que antes deveriam ser da estatal.

“Não é uma requisição nossa, mas uma consequência, já que assumimos atividades da própria Cemig que antes eram abrangidas por outros contratos”, apontou. Segundo ele, isso não representa nenhum risco à estatal, já que estão previstos indicadores claros e, em sua maioria, automatizados para o cumprimento de metas.

Requerimentos

Apesar disso, entre os requerimentos aprovados ao final da reunião estão pedidos para que a direção da Cemig encaminhe à CPI informações sobre todos os contratos já rescindidos ou que ainda o serão em virtude da parceria celebrada com a IBM, assim como a judicialização da licitação descartada com a Audac e seu impacto econômico-financeiro.

Também convocada para prestar depoimento nesta terça (5), outra executiva da IBM, Thais Lima de Marca, apresentou atestado médico à presidência da CPI da Cemig e teve seu pedido de adiamento acatado.