A Comissão de Meio Ambiente aprovou requerimentos para dar encaminhamento às questões discutidas durante a audiência
Baixo volume em Furnas deixa Minas em alerta

Cota mínima prevista na Constituição é descumprida em Furnas

Comissão reúne movimentos sociais, autoridades estaduais e federais para resolver problema que prejudica toda a região.

29/09/2021 - 21:55

Apesar de a Emenda à Constituição 106, de 2020, estabelecer o nível mínimo de 762 metros acima do nível do mar para o Lago de Furnas, hoje ele atinge 754 metros. Esses números refletem uma briga antiga que é travada entre o Estado de Minas Gerais e os órgãos federais que atuam na gestão e na fiscalização da produção energética da usina. 

De um lado, entidades e autoridades estaduais defendem que a manutenção das cotas dos Lagos de Furnas e de Peixoto (663 metros) garante o uso múltiplo das águas da Bacia do Rio Grande. Já Furnas Centrais Elétricas, estatal federal que gerencia as usinas, alega que cumpre as determinações do Operador Nacional do Sistema (ONS), o qual define a vazão e os níveis mínimos nesses reservatórios e em outros do País.

O impasse foi tema de reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (29/8/21), solicitada por seu presidente, deputado Noraldino Júnior (PSC). A audiência reuniu membros de movimentos que lutam por Furnas, além de representantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e de outros órgãos estaduais e federais.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

A titular da Semad, Marília Carvalho de Melo, informou que a secretaria autuou a empresa Furnas por não ter apresentado o licenciamento ambiental da usina, juntamente com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima). Segundo ela, o prazo para apresentação do documento venceu em agosto deste ano. No entanto, a Justiça Estadual determinou a suspensão da exigência do EIA-Rima e remeteu o processo à Justiça Federal. 

O promotor Rodrigo Caldeira Brazil, coordenador regional das Promotorias de Meio Ambiente da Bacia do Rio Grande, endossou as exigências feitas pela Semad. “Reitero que o licenciamento tem que ser feito em nível estadual, pois é a população mineira que sofre os impactos do empreendimento, há mais de 50 anos”, justificou. É no EIA-Rima que a sustentabilidade e os impactos socioambientais do empreendimento são abordados.

Para ele, é injusto que Furnas esteja voltada apenas para a geração de energia, sem pensar em outros usos do reservatório, como para a agricultura, a piscicultura e o turismo, e em descumprimento à EC 106. Rodrigo Brazil ainda ressaltou que, entre os usos prioritários dos recursos hídricos previstos na legislação ambiental brasileira, não está incluída a geração de energia elétrica.

A secretária Marília Melo acrescentou que o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), emitiu um ato para tombamento das Represas de Furnas e Peixoto, atendendo ao que prevê a EC 106. O governo inclusive oficiou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), solicitando que cumpra a emenda estadual. Por outro lado, o governo federal entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra a norma, e a Advocacia-Geral do Estado acompanha o caso de perto.

Por fim, a responsável pela Semad informou que foi aprovada, no âmbito de câmara especial da Aneel para questões hidroenergéticas, a retirada do volume mínimo para reservatórios. O Estado participou dessa reunião e conseguiu que o reservatório não fique com volume abaixo de 11% do seu total

Para Furnas, licenciamento da empresa deve ser federal

Na avaliação de Sidney Bispo, diretor de engenharia de Furnas Centrais Elétricas, a legislação em vigor, especialmente a Política Nacional de Meio Ambiente, de 1991, estabelece a tipologia de atividades fiscalizadas pela União. Entre elas estão as usinas geradoras de energia, indicadas para licenciamento por órgão federal.

Ele argumentou que esse marco legal também previu que, para empreendimentos constituídos após 1991, seriam necessárias todas as licenças ambientais – prévia, de implantação e de operação. Mas, no caso de empresas que já atuavam antes, como é o caso de Furnas, o entendimento do gestor é de que a empresa deve entregar apenas um licenciamento de operação corretivo. “No caso de Furnas e Peixoto, estamos em processo de execução da licença de operação”, disse. 

O deputado Noraldino Júnior questionou Sidney Bispo sobre os planos da empresa para recuperação do Lago de Furnas, diante da crise hídrica enfrentada no Brasil. O engenheiro destacou o projeto de recuperação de nascentes e de construção de aterros sanitários em toda o entorno dos lagos de Furnas e Peixoto. O parlamentar ponderou, contudo, que, se esses investimentos em nascentes tivessem sido realizados anos atrás, a situação dos reservatórios estaria melhor.

Sobre a vazão dos lagos, Sidney Bispo disse que o responsável por essa definição é o ONS. “Ele faz o monitoramento contínuo da vazão dos reservatórios e emite um relatório semanal sobre cada um. Conforme os resultados, o ONS determina que aumentemos a vazão para suprir a necessidade energética de outros reservatórios do País”, afirmou.

Furnas e órgãos reguladores são questionados

Representantes dos Movimentos Pró-Furnas 762 e Todos por Furnas lamentaram a situação degradante vivida nos lagos de Furnas e Peixoto. Eles atribuíram o problema à atuação de Furnas Centrais Elétricas e dos órgãos que regulam suas atividades. Estes últimos foram ainda mais criticados por não enviarem participantes à reunião da ALMG. 

Emocionada, Maria Ordones de Oliveira, coordenadora do Pró Furnas 762, disse que “lama e lodo tomaram conta do lago”. Ela lembrou que todos os circuitos turísticos do entorno dependem do chamado Mar de Minas. “Nosso Estado contribui há mais de 50 anos com o desenvolvimento do País por meio de Furnas. Agora, exigimos crescimento, desenvolvimento e justiça social”, reivindicou. 

Para ela, a culpa pela atual crise hídrica não é de São Pedro, e sim da gestão temerária das agências e dos órgãos responsáveis pela gestão de Furnas: “Reforço a denúncia que fiz em 2020, de que não é só a crise climática que esvazia Furnas. Faltam um modelo de gestão e políticas públicas para melhoria da geração energética, além de planejamento estratégico”, pontuou. 

Vários deputados também se solidarizaram com a causa, defendo a manutenção das cotas mínimas para Furnas e Peixoto. Para Antonio Carlos Arantes (PSDB), ambos os lagos são um patrimônio do Estado e precisam ser preservados. Professor Cleiton (PSB) enfatizou que as 34 cidades do entorno de Furnas e as 10 do de Peixoto seriam beneficiadas com a manutenção dos níveis dessas represas. Ele foi veemente nas críticas aos gestores dos órgãos federais: “Eu queria dizer na cara desses burocratas covardes que nós avisamos que esta crise hídrica iria acontecer”.

Mauro Tramonte (Republicanos) lembrou do plano de desenvolvimento estratégico do turismo nos lagos de Furnas e Peixoto, nos termos da EC 106. “Como vamos discutir isso na situação crítica em que eles se encontram?”, questionou, acrescentando que ou os níveis mínimos serão respeitados ou nada restará de turismo, agricultura e pesca nesses locais

Sávio Souza Cruz (MDB) defendeu que a gestão dos dois lagos não pode ser subordinada simplesmente à lógica de geração de energia. “O Estado de Minas tem que colocar o dedo nesta questão”, propôs. Também o deputado Bartô (sem partido) deixou registrado seu apoio à causa. 

Noraldino Júnior, por sua vez, destacou que representante do ONS, em audiência no Senado, alegou que os custos de geração energética subiriam muito caso fosse cumprida a cota prevista na EC 106, com uma perda de 1.687 MW. Foi estabelecido, então, um acordo entre a ONS e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para manter o nível em 750 metros, pelo menos. Furnas hoje está com 14,5% de seu volume total e com seu nível de água oito metros abaixo do mínimo que prevê a emenda. 

Ao final da audiência, ele anunciou requerimentos de providências em relação ao que foi discutido. Será solicitado à Furnas que apresente seu plano detalhado de recuperação. A comissão também pretende realizar visita técnica ao ONS, à ANA e à Aneel para discutir o problema. 

À Semad, a comissão fará um pedido de informações sobre os impactos das mudanças de nível dos lagos de Furnas e Peixoto.