Transferência de lixo nuclear para Caldas é rejeitada
Autoridades do município e da região criticam INB pela proposta e por má gestão dos resíduos tóxicos na unidade local.
21/09/2021 - 21:30Não à transferência de 1.179 toneladas de rejeito radioativo para a unidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caldas (Sul de Minas). Este foi o apelo quase unânime na reunião que a Comissão de Administração Pública realizou para tratar dos impactos dessa ação, que atingiria toda a região.
Vários participantes do debate lamentaram a ausência de representante da INB na audiência pública desta terça-feira (21/9/21), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). E criticaram a empresa por descumprir medidas acertadas com autoridades no sentido de melhorar o armazenamento de resíduos nucleares já existentes no local e de promover o descomissionamento da barragem em Caldas.
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De acordo com a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião, o rejeito radioativo conhecido como torta II, que se cogita trazer para Caldas, viria de outra unidade da INB, em Interlagos, São Paulo. Ainda segundo ela, esses resíduos, classificados como de alto índice de radiação, seriam transferidos com o objetivo de atender interesses econômicos, pois isso permitiria a valorização de terrenos próximos à unidade paulista.
O vereador de Caldas Daniel Tygel disse que o histórico da INB na cidade mostra que a empresa não é digna de confiança. Ele denunciou que outras milhares de toneladas de lixo atômico já foram transportadas para lá na calada da noite. “Já fomos enganados nos últimos 30 anos. Agora, basta”, indignou-se.
Na opinião dele, há um claro interesse em transformar a INB local em um lixão nuclear do Brasil, apesar de vários estudos confirmarem que as condições de armazenamento são inaceitáveis.
Ele informou que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) impetrou ações civis públicas para tentar reverter a situação, apontando a urgência de promover o descomissionamento da unidade. Nesse caso, seriam tomadas as providências necessárias para sua desativação.
Barragem de rejeitos - Para Ângela Marques Santos, do Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Mogiguaçu e Pardo, a preocupação maior é com a barragem de rejeitos da INB. Segundo informou, lá estão depositados mais de 3 milhões de toneladas de resíduos, incluindo a torta II, mesotório (produtos radioativos derivados do tório) e estéril retirado da mina. Com a chuva, parte desse material se infiltrou na terra, promovendo a contaminação com urânio e outros metais pesados, relatou Ângela.
Além disso, afirmou ela, nos galpões e nos silos da INB, estariam estocados, desde 1981, 5,5 milhões de toneladas de torta II e de mesotório em cerca de 20 mil bombonas. Muitos desses reservatórios, conforme relatório do Tribunal de Contas da União, estariam em condições precárias ameaçando vazar, e outros, com mais de cinco metros, com perigo de tombarem. “Foi dito que esse material seria vendido para uma empresa chinesa, mas a negociação não se confirmou”, lembrou.
Outro problema apontado é que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), apesar de ser a responsável pela fiscalização, não teria, de acordo com Ângela, poder de polícia para aplicar sanções à empresa. Ela defendeu a criação de um observatório que atue para mudar a governança na área nuclear. E sugeriu que se desenvolvam pesquisas para reutilização desses rejeitos.
Já Joelma Martins, da Articulação Antinuclear Brasileira, complementou as denúncias, informando que o Ibama, em 2019, verificou a contaminação de água com material radioativo na INB, o que já estaria atingindo o Ribeirão das Emas, em Caldas.
Outro grave problema apontado foi a liberação, nas pilhas de rejeitos da empresa, de metais radiativos como urânio, césio, chumbo, arsênio e enxofre, contribuindo para a drenagem ácida, que provoca a contaminação da terra e de lençóis d’água.
Cnen não foi consultada sobre transporte de lixo radioativo
Jefferson Araújo, coordenador de Reatores e Ciclo do Combustível da Cnen, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, participou da reunião. Tentando dar respostas a questionamentos apresentados, disse que não havia nenhum pedido de licenciamento envolvendo o transporte de material radioativo para a INB de Caldas. “Quero deixá-los tranquilos quanto a isso”, afirmou.
Sobre a fiscalização da barragem, Jefferson Araújo destacou que a Cnen conta com inspetores residentes em Caldas, que fazem visitas semanais à estrutura, para verificar suas condições de segurança. “Temos apresentado várias exigências à INB para corrigir deficiências no armazenamento de rejeitos”, completou.
Quanto ao descomissionamento, de acordo com o coordenador, esse processo já foi iniciado nessa instalação nuclear. “De dezembro para cá, temos dado atenção especial à unidade de Caldas. Já há vários estudos em andamento sobro o descomissionamento, o qual não acontece de uma hora para outra. Algumas atividades já estão em andamento, mas há outras ações de médio e longo prazos”, explicou ele, completando que o cronograma apresentado pela empresa está sendo verificado.
Prefeitos - Também condenaram a vinda de rejeito nuclear para a região os prefeitos das cidades de Caldas, Andradas, Santa Rita de Caldas, Ibitiúra de Minas e Ipuiúna, todas no Sul de Minas.
Ailton Goulart, de Caldas, afirmou que essa luta contra o lixo atômico deixou de ser local e passou a ser estadual. “Não somos obrigados a receber lixo de outro estado”, declarou. Frisando que Caldas é uma cidade turística, concluiu que a vinda do material radioativo colocaria uma “pá de cal” no projeto turístico do município.
Vereadores da região também protestaram. A vereadora Regina Cioffi, de Poços de Caldas (Sul), destacou que o problema na INB de Caldas afeta também o seu município. Ela disse que os resíduos da barragem de rejeitos estariam contaminando cursos d’água em Poços. E lembrou que Itamar Franco, quando era governador, baixou um decreto proibindo a entrada de rejeito nuclear em Minas e, segundo ela, a medida não foi revogada.
“Presente de grego” - Outros deputados também se posicionaram contra a transferência do lixo atômico. O deputado Duarte Bechir (PSD) disse que os mineiros não aceitam esse “presente de grego” vindo de São Paulo. “Precisamos trazer, sim, é mais emprego e renda para nossos municípios”, defendeu.
O deputado Professor Cleiton (PSB) revelou sua indignação diante dessa proposta que pretende aumentar ainda mais a quantidade de rejeitos no Sul de Minas. “Quem analisa a situação de Caldas vê que pode acontecer não o que houve em Goiânia, com o césio 137, mas uma nova Chernobyl”, alertou, em referência a dois acidentes nucleares ocorridos nos anos 1980.
Já o deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) lembrou que esse assunto já vem sendo discutido pela ALMG há mais tempo, por meio de audiências e visitas. “Mas agora precisamos de uma solução para tranquilizar o povo da região, por meio da construção de uma legislação robusta sobre esse tema”, propôs.
O deputado Cleitinho Azevedo (Cidadania) também protestou contra a possível vinda do lixo radioativo para Minas.
Governo - Leorges de Araújo, superintendente de assuntos parlamentares da Secretaria de Estado de Governo, defendeu que o Governo do Estado e a ALMG construam um posicionamento conjunto para discuti-lo com o governo federal.