A deputada Andréia de Jesus foi a autora do requerimento que deu origem à reunião
Tentativa de suicídio e afronta aos direitos humanos fragilizam detentos LGBTQIA+

Avanços em Presídio Professor Jason Albergaria são cobrados

Unidade voltada para custodiados LGBTQIA+ teve onda de suicídios, e ações do governo são consideradas insuficientes.

08/09/2021 - 19:12

A falta de um cronograma para ações de melhorias para o Presídio Professor Jason Albergaria, em São Joaquim de Bicas (Região Metropolitana de Belo Horizonte), e as deficiências no acesso à saúde foram algumas das preocupações ressaltadas por representantes da sociedade civil em audiência pública nesta quarta-feira (8/9/21). A reunião, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), tratou das condições da unidade prisional, atualmente destinada exclusivamente a pessoas LGBTQIA+.

A deputada Andréia de Jesus (Psol), autora do requerimento que deu origem à audiência, ressaltou que em 2021 houve um grande número de suicídios e tentativas de suicídio na unidade, fato que evidenciou as violações de direitos no local. Entre janeiro e julho foram cinco suicídios, além de várias tentativas.

Ela falou, ainda, da falta de oferta de medicamentos retrovirais para pessoas soropositivos, dos problemas gerados pelo baixo efetivo de policiais penais e dos surtos ocasionais de doenças como sarna.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Em julho, a Defensoria Pública chegou a ingressar com uma ação civil pública para que os problemas na Penitenciária Jason fossem resolvidos, e uma liminar judicial determinou medidas imediatas, como a instalação de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no estabelecimento. Diante disso, o governo estadual tomou várias medidas e dois representantes da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) estiveram na reunião para prestar contas dessas medidas.

Uma das principais ações apresentadas pelo secretário adjunto Jeferson Pereira foi a transformação do presídio em unidade referência para acolhimento qualificado do público LGBTQIA+. Até julho, o estabelecimento tinha uma ala para tal grupo, mas também recebia outros custodiados.

Além disso, ele informou que foram realizadas várias visitas técnicas ao local e promovidas capacitações aos servidores. Ainda de acordo com Jeferson Pereira, nos próximos dias deve ser inaugurado o Programa de Custódia e Atendimento do Público LGBTQIA+.

Já a superintendente de humanização do atendimento da Sejusp, Michelle Lopes, disse que foram deslocados médicos e psicólogos para a unidade e que estão sendo retomadas oficinas de artesanato e ações socioculturais na unidade.

Também foi implantado o projeto batizado de Esperança vem de Casa, com vistas a garantir visitas virtuais dos familiares. Segundo ela, quase 300 dessas visitas foram feitas só em maio. Ainda devem ser implementados encontros do grupo Narcóticos Anônimos, para tratar questões relativas ao abuso de drogas, e cursos profissionalizantes.

Negligência - Embora reconheça a importância das ações do Poder Executivo, a defensora pública da comarca de Igarapé, Camila Gomes, responsável pela ação civil pública, disse que essas ações não foram suficientes. Uma das provas é que outras tentativas de suicídio foram registradas na unidade em agosto. “É importante salientar que não foram incidentes. Na maioria dos casos, as indicações de que os presos não estavam bem foram contundentes e não foram tomadas medidas eficazes para evitar os suicídios”, disse.

Para exemplificar a negligência, a defensora pública citou o caso de um custodiado que deu sinais de intoxicação e, mesmo alertados pelos companheiros de cela do indivíduo, os policiais penais não o levaram para atendimento médico. No dia seguinte, o custodiado foi encontrado morto por ingerir mais de 40 remédios. “Há ampla documentação de que ele já havia tentado suicídio, incluindo uma vez com o uso de medicamentos, e sua pasta contava com várias indicações para acompanha-lo nesse sentido”, explicou.

Dessa forma, ela indicou que é necessário avançar na política de atendimento desse grupo e que o Estado precisa apresentar um plano claro e com cronograma de implementação.

Entre as medidas mais urgentes, para Camila Gomes, estariam a necessidade de contratação de equipe de saúde multidisciplinar, a ampliação das visitas virtuais e a implantação de política consistente para tabagistas e dependentes químicos, além de publicar chamamento público para policiais penais interessados em atuar com a população LGBTQIA+.

Efetivo – A vereadora Duda Salabert (PDT), que atua no Presídio Jason com aulas de pré-vestibular voluntárias, disse que um dos maiores problemas da unidade é a atuação cotidiana do Grupo de Intervenção Rápida (GIR). Pensando para ações pontuais em eventuais crises, o GIR tem sido usado para deslocamentos internos na unidade diante do baixo efetivo e, segundo a vereadora, vem dos membros desse grupo as agressões físicas relatadas mais comumente pelos custodiados.

De acordo com o secretário Jeferson Pereira, a abertura de concurso para reforço dos quadros da pasta é iminente e contará com 2.420 vagas, o que permitirá um melhor atendimento. Ele lembrou ainda que a unidade está em nível de ocupação que não é problemático, com 271 custodiados, 208 condenados – desses, 171 em regime fechado e 37 no regime semiaberto -, e, ainda, 63 provisórios. E, ao finalizar, garantiu que já acionou a chefia da Polícia Civil para que uma força-tarefa apure todas as irregularidades eventualmente apontadas.

Estado de Minas Gerais não segue decisão do STF sobre custodiados transsexuais

A inadequação de normas estaduais frente a decisões federais e internacionais para tratamento da população LGBTQIA+ em privação de liberdade foi um dos apontamentos de convidados de audiência pública. De acordo com Paulo de Almeida, defensor público de Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que pessoas transsexuais presas devem ter o direito de escolher cumprir a pena em unidade que esteja em conformidade com a sua identidade de gênero.

Ou seja, mulheres transsexuais, por exemplo, devem ser acauteladas em prisões femininas independentemente de terem feito cirurgia de ressignificação sexual. O estado de Minas Gerais, porém, adota, de acordo com o convidado, normativa estadual que só permite que uma mulher transsexual fique em unidade feminina se ela tiver feito a cirurgia.

Além disso, ele salientou que em regiões do Estado que não possuem alas para o público, é comum que pessoas LGBTQIA+ fiquem em celas de seguro, em geral destinadas a criminosos sexuais ou pessoas com sofrimento mental, grupos que podem estar sujeitos à violência frente às demais pessoas presas. Isso, segundo ele, pode aumentar o estigma sobre essa população, associando sua orientação sexual ou identidade de gênero a doenças mentais e a crimes sexuais.

Também Gustavo Ribeiro, da Rede Afro LGBT em Minas Gerais, ressaltou que o governo estadual tem descumprido as leis. Ele salientou que desde 1994 há legislações sobre o tratamento da população LGBTQIA+ presa, ou seja, essa discussão é muito anterior à fundação de alas para esse grupo, que teve início em 2009. Ainda assim, esses custodiados estariam cotidianamente sujeitos ao desrespeito aos seus direitos básicos, como o reconhecimento das suas identidades de gênero.

A falta de participação dos movimentos sociais e de grupos da sociedade civil na construção de políticas para o grupo também foi criticada por ele, em coro com Júlia Vidal, da Clínica de Direitos Humanos da UFMG. Eles salientaram que a política de segregação, em alas específicas, de pessoas LGBTQIA+ foi pensada para proteger esses indivíduos de constantes violências impetradas por outros custodiados, mas não é suficiente para protege-los das violências do próprio Estado.