Deputados ouvem relatos de prejuízos à piscicultura e pedem providências para deter rebaixamento de reservatório
Representante do Movimento SOS Represas vê jogo de empurra para uma solução
Promotor Carlos Alberto Valera diz que MP aguarda informações de órgaos envolvidos
Crise hídrica leva a risco de morte de peixes e pode motivar investigação de crime ambiental

Piscicultura pede socorro em audiência sobre crise hídrica

Situação em reservatório de Nova Ponte leva comissão a cobrar cota mínima e respeito a uso múltiplo da água na região.

01/09/2021 - 15:47

Piscicultores, ambientalistas, vereadores da região e deputados cobraram nesta quarta-feira (1°/9/21) providências para que não seja reduzido ainda mais o nível de água, já em estágio crítico, do reservatório da Usina Hidrelétrica de Nova Ponte, operada pela Cemig.

O assunto foi discutido em audiência da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido do deputado Delegado Hei Grilo (PSL), que preside a comissão.

A usina, cujo reservatório está com apenas 11,9% de seu volume útil, está localizada na confluência dos rios Quebra Anzol e Araguari, na Bacia Hidrografica do Paraná, que em junho deste ano teve a situação crítica de escassez de água declarada pela Agência Nacional de Águas (ANA).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

A situação dos rios, situados entre o Alto Paranaíba e o Triângulo Mineiro, foi mostrada em vídeo pelo presidente da comissão e destacada em relatos e desabafos de produtores.

“Todos estão muito preocupados com a piscicultura e com a vasão da água”, resumiu o presidente da comissão. Ele ressaltou que visita feita ao local mostrou uma morte anunciada de 15 milhões de tilápias, resultando num prejuízo de R$ 120 milhões e afetando toda a cadeia produtiva da piscicultura.

“Não existe possibilidade de permitir baixar mais o nível de água e estamos pedindo ao Igam (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) que informe a situação debatida na audiência aos ógãos nacionais”, destacou o parlamentar.

Requerimentos nesse sentido, de autoria do parlamentar e do deputado Bosco (Avante), foram aprovados na audiência, pedindo, ainda, que a Cemig informe oficialmente à comissão se existem problemas técnicos no barramento ou na usina que possam estar contribuindo para reduzir o nível do reservatório.

Em outro requerimento, a comissão pede que o Ministério de Minas e Energia e o Operador Nacional do Sistema Elétrico atuem para introduzir, na regra de operação de reservatórios de hidrelétricas, o respeito à cota mínima para os níveis de água, de forma a respeitar os usos múltiplos dos recursos hídricos e o direito estabelecido pelas outorgas concedidas.

Nesse sentido, o deputado Bosco destacou que a Cemig criou toda uma expectativa em Nova Ponte e região, de que  a instalação da represa seria importante tanto para a produção de energia como também para o desenvolvimento socioeconômico da região, por meio de atividades como a piscicultura e o turismo.

“Mas há anos isso já não acontece mais”, criticou Bosco, também aventando que, além da atual escassez de chuvas, problemas técnicos, como trincas no barramento da represa, possam estar contribuindo para o baixo nível do reservatório.

Cassificando a situação em Nova Ponte de “tragédia”, também o deputado Elismar Prado (Pros) cobrou dos órgãos responsáveis ações objetivas contra os impactos na região. “Todo ano temos crise hídrica nesse período no País, com maior ou menor gravidade, mas há ausência de políticas públicas com ações preventivas”, frisou ainda.

Produtores falam em desespero

Cordélia Alves Rios, engenheira química e produtora rural na região, disse que a situação dos piscicultores é de desespero e que muitos já deslocaram suas gaiolas em busca de áreas mais fundas.

“Se nada mudar, vão matar a galinha de ovos de ouro, porque até final de outubro estaremos chegando no volume morto (do reservatório) e transformando a região num cemitério de peixes”, advertiu ela.

Para Cordélia, deve prevalecer o uso múltiplo do reservatório, para energia elétrica mas também assegurando outras atividades, de forma que os diversos segmentos dividam o sacrifício em momento de crise.

“A represa está na UTI. O meio ambiente, a classe produtora e o agronegócio pedem socorro”, também alertou Reginaldo Costa e Silva, ambientalista e coordenador do Movimento SOS Represas e Afluentes.

Ele disse que piscicultores foram instalados na região com autorização da Cemig e afirmou que a atividade tem potencial de crescimento superior a 30%, o que segundo ele poderia estar se concretizando se houvesse maior controle da represa por parte da empresa. “Não há uma operação correta do reservatório mesmo com todos os recursos tecnológicos que temos hoje".

Segundo ele,  estaria havendo um jogo de “empurra-empurra” para solucionar a escassez de água na represa, que de acordo com o movimento teria sido dimensionada para um volume de água 11 vezes superior ao atual.

Ministério Público instaura procedimento e aguarda informações

O promotor de Justiça Carlos Alberto Valera informou à comissão que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) já instaurou procedimento administrativo na Cooordenaria Regional do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande, para que todos os envolvidos, direta ou indiretamente, deem explicações sobre a situação em Nova Ponte.

Entre eles a Cemig, o Operador Nacional do Sistema Elétrico, a ANA, o Igam e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

“Esta é uma questão prioritária da coordenadoria, para saber qual é a real situação (do reservatório)”, registrou o promotor.  Segundo ele, o prazo para as respostas é de 30 dias e, dependendo das informações obtidas, pode ou não haver uma investigação em conjunto com o Ministério Público Federal ou mesmo ser acionada a Justiça.

Cemig diz que também é vítima

Já o diretor da Cemig, Thadeu Carneiro da Silva, disse que a empresa também é uma vítima por estar sendo prejudicada pela situação e que tem feito ações possíveis junto aos órgãos para flexibilizar o uso do reservatório.

“Temos a menor vazão da história do reservatório”, disse ele. Para Thadeu Carneiro, a empresa não pode ser responsabilizada pela situação, uma vez que atende a condicionantes impostas no licenciamento de operação da usina.

Ele ainda descartou a ocorrência de problema técnico que possa estar prejudicando o nível do reservatório e assegurou que há inspeções rotineiras e que a barragem está regular.

O diretor da empresa registrou, entre outros, que a Cemig tem um mapeamento digital de todos os seus reservatórios, o que segundo ele é público e pode ajudar os piscicultores a posicionarem melhor seus tanques.

Igam explica outorga - O diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marcelo da Fonseca, disse que o órgão não tem autonomia em muitas decisões, mas que defende que os recursos hídricos devem ser preservados em Nova Ponte.

Contudo, ele disse que a regra de operação da reserva vigente hoje permite que se chegue a usar todo o seu volume útil outorgado, e que a definição de cotas mínimas ainda não foi discutida.

Isso significa, segundo ele, que a Cemig e demais usuários podem usar toda a água outorgada. “Podemos outorgar 30 ou 50% (do volume), o restante é para garantir condições ecológias do meio. É preciso pensar em ações de médio e longo prazo e em ações de recuperação”, afirmou.