Deputados questionaram convidado sobre importância de regulação em possíveis privatizações no Estado
Para pesquisador, sucesso depende de bons governos e generalizar que estatais são ruins atrasa o debate
O que é preciso para uma privatização dar certo?

Polarização prejudica debate sobre privatização

Estudioso aponta que preconceito também atrapalha e defende que privatizar ou não serviços deve ser uma decisão social.

15/07/2021 - 18:16

O debate sobre privatizar ou não estatais deve ser desprovido de preconceito e polarização, para que sejam discutidas as melhores alternativas para as políticas públicas. 

O alerta foi feito nesta quinta-feira (15/7/21) pelo professor Sérgio Giovanetti Lazzarini, pesquisador reconhecido nas áreas de estratégia e organização no setor público e estratégia empresarial em mercados emergentes.

Para debater na ALMG a experiência brasileira e as perspectivas do processo de privatização no País, ele  foi ouvido pela Comissão Extraordinária das Privatizações, a requerimento dos deputados Coronel Sandro (PSL), que preside a comissão, e Guilherme da Cunha (Novo).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Ele ressaltou que optar pela privatização não deve ser uma decisão técnica, mas social, sempre tendo em mente aquilo que vai melhorar a vida do cidadão.

“Privatização não deve ser feita pelos governos para se livrarem de serviços, mas para entregar serviços da melhor forma”, insistiu o pesquisador ao longo de sua apresentação aos deputados.  

Da mesma forma, ele alertou que não há receitas prontas. “É preciso avaliar a riqueza de alternativas para uma decisão sem preconceitos. Garantir que não haverá corrupção também não é um argumento para se livrar do serviço público, porque há corrupção no setor privado também”, considerou.

Citando outros estudiosos do assunto, ele disse que debater privatização exige tolerância a diferentes pontos de vista e ênfase a problemas sociais; além de análise continua do desempenho e do impacto das soluções e causas de fracasso; e apostar em melhorias graduais ao invés de reformas radicais.

Legitimidade  - Autor do livro “A privatização certa: por que empresas privadas em iniciativas públicas precisam de bons governos”, Sérgio Lazzarini apresentou exemplos para mostrar que os melhores resultados em processos de privatização pelo mundo estariam diretamente relacionados à existência de bons governos. 

Os bons governos, definiu ele, são aqueles que têm capacidade de formar boas políticas públicas, não de cima para baixo, mas ouvindo a sociedade. 

Que têm capacidade de mobilização, execução e prestação de contas, sendo fundamental compartilhar dados e assumir o compromisso de seguir um mandato claro. 

É importante também a Assembleia definir legislação e parâmetros de regulação, do que é possível ou não fazer”, recomendou quanto a monitoramento de resultados de possíveis privatizações.

Pesquisa aponta que regulação diminui polarização

Sérgio Lazzarini citou que a polarização em torno do tema pode ser constatada em pesquisa feita  em parceria com a Idea BigData, em novembro de 2019, com 1.542 respondentes em todas as regiões do Brasil.

Sobre se seria a favor ou contra as privatizações de empresas do governo, 31% disseram que sim e também 31% disseram que não, tendo 38% se colocado como neutro ou que não sabia.

Já os favoráveis subiram para 61% no caso de haver agências públicas cuidando para que os novos donos das empresas não cobrassem preços abusivos da população e oferecessem serviços de qualidade.

“Ou seja, bons governos aumentam a legitimidade das privatizações”, reforçou o pesquisador ao defender a importância das agências reguladoras. “Mas no Brasil houve um enfraquecimento delas e isso não sinaliza uma maior segurança para a população”, pontuou.

Monitoramento - Sérgio Lazzarini mencionou também alertas do economista americano Oliver Hart, de que operadores privados têm mais incentivos pró-produtividade, mas podem cortar despesas às custas de atributos de qualidade difíceis de mensurar em contratos.

A gestão privada teria, portanto, efeito ambiguo sobre a efetividade do serviço. Nesse sentido, Sérgio Lazzarini expôs um dos exemplos que considerou dos mais controversos em resultados, relacionado ao sistema prisional.

Ele relatou que numa unidade no Mississippi, nos Estados Unidos, cenas chocantes de rebelião vieram à tona em 2018 e foram atribuídas ao fato de a unidade prisional ser privada. Para cortar custos, a empresa não cuidou da segurança e não teria se interessado por ações de ressocialização. As críticas levaram o governo a colocar fim a contratos com operadores privados.

Por outro lado, estudo do qual ele participou no Brasil, no estado do Paraná, mostrou que a terceirização da gestão de unidades prisionais foi feita sem a mesma  preocupação com a redução de custos, tendo sido criados inclusive serviços de assistência jurídica, médica e odontológica nas unidades.

Sérgio Lazzarini disse que estudos comparativos feitos entre 1999 e 2006, período em que algumas das unidades prisionais foram reestatizadas no Paraná, revelaram não ter havido redução em indicadores de qualidade com a terceirização. 

Segundo ele, ao contrário do caso nos EUA, havia no Paraná uma gestão pública observando e avaliando as unidades terceirizadas. Houve ainda acompanhamento externo pela sociedade e pela mídia.

Decisão embasada requer respostas

Também mencionando outros autores, Sérgio disse que perguntas devem ser respondidas antes de uma decisão de privatizar ou não serviços de interesse público e de qual será o modelo adotado.

Segundo ele, é preciso verificar primeiro se há impedimentos críticos de acesso ao serviço em questão, especialmente para grupos vulneráveis; se os provedores do serviço têm incentivos para aumentar ganhos privados às custas de atributos difíceis de verificar quanto à qualidade. E também se há restrição substancial de oferta do serviço em análise e se há medidas possíveis de governança.

Em relação a alternativas, o professor mencionou o exemplo de um experimento de concessão de vouchers de educação no Chile, dado a escolas privadas para subsidiar o atendimento de alunos mais carentes, e que não deu certo.

Segundo ele, as escolas privadas começaram a restringir o acesso de alunos com maior dificulidade ou passaram a cobrar extras por esse atendimento.

Comissão aponta preocupação com desvalorização de empresas

O presidente da comissão manifestou preocupação com os cuidados e limites que o trabalho da comissão deve ter para não influenciar em pontos que possam resultar na desvalorização de empresas estatais.

Coronel Sandro também questionou o convidado sobre se seria conveniente se ter no Estado uma agência reguladora para acompanhar com independência o cumprimento dos contratos de privatizaçao que venham a ser feitos.

Para o convidado, sem dúvidas uma agência reguladora teria papel relevante, mas desde que observados uma série de cuidados, como na seleção de membros, definição de mandatos e de parâmetros de monitoramento e análises sobre necessidade de subsídios no caso de demandas por tarifas sociais.

Na mesma linha, o deputado Bruno Engler (PRTB), vice-presidente, indagou se as críticas públicas que o governador Romeu Zema (Novo) faz a problemas da atual gestão de empresas públicas poderiam desvalorizá-las num processo de privatização.

“Não acredito que seja salutar depreciar, não é o caminho, essa agenda não tem avançado no Brasil por causa dessa generalização de que todas as estatais são ruins, e isso já obstrui o debate”, opinou o pesquisador.

“Se uma estatal não está funcionando bem, a sociedade deve saber, com dados e números", disse Lazzarini, ao mencionar que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem um guia a esse respeito.