Movimentos sociais são contra construção do Rodoanel
Para atingidos por rompimento de barragem em Brumadinho, obra que integra acordo judicial beneficia mineradora.
25/06/2021 - 15:42Participantes de audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta sexta-feira (25/6/21) criticaram a construção do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) como parte do acordo judicial firmado com a Vale para reparar danos causados pelo rompimento de barragem da mineradora em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019.
A reunião, promovida pela Comissão de Administração Pública, foi solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), para que fossem discutidos os impactos do Projeto de Lei (PL) 2.508/21, em tramitação na Assembleia, que autoriza a utilização dos recursos oriundos do acordo.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
A previsão de custo do Rodoanel é de R$ 4,5 bilhões, dos quais R$ 3,5 bilhões seriam provenientes do acordo da Vale.
“A mineração não devolve para os municípios o que lucra com eles. E agora estamos percebendo que o dinheiro proveniente do acordo judicial poderá ser usado para beneficiar a própria Vale em obras de infraestrutura”, argumentou o representante dos atingidos de Felixlândia (Região Central), Ormindo Brita.
Para a representante dos Atingidos de Angueretá em Curvelo (Região Central), Roziane Reginalda Duarte, os valores do acordo deveriam ser repassados exclusivamente para os afetados pela tragédia.
“Não queremos apenas continuar a assistir as consequências de um crime socioambiental e perceber que todos querem pegar uma fatia do dinheiro e fazer campanha eleitoral. Não escutamos mais falar em mortes, nos danos aos nossos rios e nos atingidos. Escutamos apenas falar de acordo e de dinheiro. Mas esse dinheiro é sujo de sangue. Ele não veio a baixo custo”, desabafou.
Atingidos questionam interesses por trás do acordo
A presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos Pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego, Josiane Melo, corroborou a fala dos que a antecederam e enfatizou que interesses políticos e econômicos estão tendo prioridade no acordo. “O crime da Vale tem sido reforçado diariamente porque falta para muitos afetados comida, assistência social, saúde e trabalho. A condição de vulnerabilidade é cada vez maior”, disse.
Integrante do Fórum de Atingidos e Atingidas pelo Crime da Vale em Brumadinho, Fernanda Perdigão classificou como imoral o acordo firmado com a Vale. “É assustadora a capacidade de o Estado construir uma realidade nesse acordo totalmente diferente do que entendemos por justiça e reparação integral aos atingidos”, lamentou.
Ativista diz que Rodoanel é, na verdade, rodominério
Ativista do SOS Vargem Flores e integrante da Frente Brasil Popular, Adriana Souza afirmou que a principal obra proveniente do acordo divulgada, o Rodoanel, se trata na verdade de um rodominério. “Percebemos que o traçado do Rodoanel proposto passa em diversas áreas de preservação ambiental, gerando devastação e morte. Contudo, o terreno da mineração não só é poupado, como também beneficiado”, relatou.
Ela defendeu que os deputados aprovem durante a tramitação do projeto de lei emenda apresentada pelo Bloco Democracia e Luta que retira essa proposta do acordo.
Segundo o coordenador-geral do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcus Vinícius Polignano, o único aspecto que não aparece no projeto é a reparação aos atingidos. Ele sugeriu que 20% do valor total do acordo fosse destinado para cidades da Bacia do Paraopeba.
Para bispo auxiliar, acordo não traz justiça
De acordo com o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Vicente de Paula Ferreira, que coordena trabalho da arquidiocese no amparo às vítimas do rompimento da barragem, o acordo judicial não representa justiça pelo o que ocorreu em Brumadinho.
“Queríamos uma punição exemplar para o maior crime socioambiental ocorrido no Brasil. Queríamos traçar um caminho sobretudo de escuta às comunidades atingidas, o que não ocorreu”, disse. Ele propôs a abertura de uma CPI para investigar o acordo feito, além de mais audiências públicas sobre o assunto.
Concordou com ele o coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, Frei Gilvander Luis Moreira. Na sua opinião, o acordo representa uma negociata.
Dirigente do MAB propõe plebiscito
Dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli sugeriu a realização de um plebiscito para que a população eleja suas demandas prioritárias e, assim, elas sejam incluídas no acordo. Ele também criticou a ausência de escuta dos atingidos no acordo judicial.
Para a assessora de Matriz de Danos do Instituto Guaicuy, Julia Nascimento, da forma proposta, os recursos serão usados na perpetuação do dano. “A reparação integral justa não está sendo promovida, mas sim a repetição de um modelo de mineração predatório”, observou.
Ao mesmo tempo em que a reunião era realizada, manifestantes estavam do lado de fora da ALMG protestando contra o acordo firmado com a Vale.
Parlamentares criticam acordo judicial
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) criticou o acordo, que, segundo ela, foi construído pelo governo estadual a portas fechadas e sem a participação das pessoas atingidas.
Conforme informou, dos cerca de R$ 37 bilhões negociados no acordo, aproximadamente R$ 11 bilhões são objeto do referido projeto de lei. “A maior parte dos recursos não está em discussão. A Vale terá a obrigação de fazer as reparações e executar o recurso sem nenhuma forma de controle do poder público”, explicou.
A parlamentar manifestou ainda discordância com a proposta de construção do Rodoanel e defendeu emenda para sua retirada do projeto. Ela destacou que a proposta teria grande impacto na segurança hídrica e na vida das comunidades do entorno.
O deputado André Quintão (PT) esclareceu que a Assembleia não participou da construção do acordo. Ele defendeu a importância das emendas apresentadas pelos parlamentares para aperfeiçoar o projeto, que é o que cabe juridicamente à ALMG fazer, conforme enfatizou.
Já o deputado Virgílio Guimarães (PT) criticou a forma como o projeto chegou à ALMG, "de maneira engessada", e foi mais um a propor um plebiscito nos municípios atingidos pelo rompimento da barragem como uma forma de ouvir a população.