Deputados da CPI dos Fura-Filas da Vacinação ouviram representantes de entidades da área de saúde
Para Cibele de Carvalho, sem padrão para procedimentos e prioridades, o número de mortes pode aumentar
Área médica cobra alinhamento entre governos sobre critérios de vacinação

Para conselhos, vacinação contra Covid-19 não é transparente

Representantes de médicos, dentistas, enfermeiros e fisioterapeutas ouvidos em CPI denunciam falta de coordenação.

30/03/2021 - 17:55

A presidenta do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Cibele de Carvalho, disse, nesta terça-feira (30/3/21), que nem todos os trabalhadores da linha de frente no atendimento a pacientes com Covid-19 foram vacinados em Minas Gerais e que a situação pior em imunização na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) está na Capital.

Ela afirmou reiteradas vezes que falta clareza na definição de procedimentos para a vacinação e que cada ente federado tem comportamentos diferentes. Cibele foi ouvida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fura-Filas da Vacinação acerca dos critérios estabelecidos para definição dos grupos prioritários para aplicação da vacina.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Foram ouvidos também pela CPI da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) representantes dos conselhos profissionais de odontologia, de enfermagem e de fisioterapia e terapia ocupacional. Em geral, todos apontaram a falta de coordenação geral para a imunização, tendo a representante do CRM esclarecido que há dificuldades também para que o órgão obtenha informações sobre o cenário atual.

Ela frisou que os números sobre a situação da vacinação ainda estão sendo levantados, mas adiantou que a situação mais crítica é a de Belo Horizonte. Cibele disse à CPI que a Capital tem cerca de 140 mil trabalhadores em saúde, dos quais somente 86 mil teriam sido vacinados até o último sábado (27/3), quando a vacina foi aplicada àqueles com mais de 60 anos.

Isso, mesmo depois que o então titular da Secretaria de Estado de Saúde (SES ), Carlos Eduardo Amaral, ter informado, em reunião no fim de janeiro, que até o fim de fevereiro todos os profissionais de saúde seriam imunizados no Estado.

Somente quanto à classe médica, ela informou que há em Minas pouco mais de 20 mil médicos, dos quais 60% teriam sido vacinados até o último sábado.

A informação foi dada em resposta a questionamento do deputado Guilherme da Cunha (Novo). O parlamentar disse que, ao analisar nesta terça-feira (30) o vacinômetro do Estado, que expõe o número de doses recebidas e aplicadas em Minas, constatou que haveria um excedente superior a 180 mil doses, segundo ele a diferença entre recebidas e ainda não usadas. A quantidade é suficiente para vacinar todos os profissionais de saúde.

Em 19 de fevereiro, data em que o ex-secretário de Estado de Saúde e servidores da área administrativa da SES teriam sido vacinados, motivando a instalação da CPI, o CRM enviou ofício à pasta manifestando preocupação acerca dos critérios adotados no Estado para a imunização. Como não houve resposta imediata ao ofício, a questão foi então levada ao Centro de Operações de Emergências em Saúde (Coes-MG).

A médica ainda disse ter levado ao conhecimento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) toda a situação de atrasos e de falta de transparência quanto a datas e prioridades na vacinação.

Disse, também, que foi relatado ao MPMG o fato de que médicos afastados por idade de risco ou comorbidades não puderam voltar ao trabalho, mesmo num cenário de grande demanda por atendimento, porque não tinham ainda recebido a vacina em 19 de fevereiro, quando teria havido a vacinação de servidores administrativos da SES. 

Médica diz que falta uma conduta única

Em respostas a questionamentos do relator da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), sobre se o CRM está fiscalizando o cumprimento da ordem para a vacinação, Cibele disse que o órgão enviou ofícios a quase 300 instituições de saúde pedindo informações a respeito. “Nem todos responderam e estamos em momento de reiterar esse pedido, de envio da lista dos vacinados e dos não vacinados”, disse ela.

“O que posso dizer é que apesar de todo mundo falar que segue o Plano Nacional de Vacinação (PNI), a gente vê uma certa diferença na prioridade dada aos trabalhadores de saúde entre os municípios mineiros”, afirmou Cibele.

“Não há uma fala única. A situação é muito grave, e se não unirmos e tivermos uma linha de conduta, com certeza teremos muito mais mortes do que teríamos”, insistiu a médica, para quem União, Estado e municípios não estão atuando de forma padronizada, provocando confusão e desentendimentos acerca de procedimentos e priorizações.

O deputado Roberto Andrade (Avante) questionou o papel de cada nível de governo e registrou situações como a de trabalhadores da Hemominas que ainda não teriam sido vacinados. 

O presidente da CPI, deputado João Vítor Xavier (Cidadania), observou que pelas falas há falta de sintonia entre a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a SES, o que resulta no fato de médicos da linha de frente não terem sido vacinados, ao menos até fevereiro.

O vice-presidente da comissão, deputado Ulysses Gomes (PT), também manifestou preocupação sobre a imunização de médicos.

Segunda dose - O deputado Noraldino Júnior  (PSC) questionou a representante do CRM sobre se quem furou a fila teria a saúde prejudicada se não vier a receber a segunda dose, defendendo que ela seja aplicada, sem prejuízo de eventuais punições. O deputado Carlos Pimenta (PDT) manifestou posicionamento semelhante. Cibele disse que a resposta imunizatória será prejudicada no caso de não aplicação da segunda dose.

Classificando de graves as informações apresentadas pela presidenta do CRM, o deputado Sargento Rodrigues (PTB) fez questionamentos acerca da atuação do conselho na fiscalização da imunização e do cumprimento das prioridades.

Cibele disse que não há definição de critérios claros para o rastreio e que o Estado falhou ao não planejar e acompanhar o desenrolar da imunização. 

Já em resposta ao deputado Zé Guilherme (PP), a presidenta do CRM acrescentou que o órgão fez fiscalização in loco em alguns hospitais a respeito da vacinação. 

Enfermagem aponta desprezo e falta de vacinação

O presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG), Bruno Souza Farias, lamentou o desprezo com que ele considera que os profissionais da categoria estão sendo tratados pelos governos. 

Segundo ele, nem a SES e nem as prefeituras mineiras estariam priorizando os profissionais de enfermagem para a vacinação. Reclamou, ainda, que solicitou a prioridade ao órgão estadual e à Prefeitura de Belo Horizonte, mas sequer recebeu resposta.

Bruno afirmou que o Coren tem recebido uma média de 90 denúncias diárias de falta de imunização dos profissionais. Uma delas denuncia que no Hospital João XXIII, o maior e principal hospital público de Minas, a maioria dos servidores da enfermagem ainda não foi vacinada. 

Ele disse ainda que o órgão tem recebido denúncias de falta de pagamento de adicional de insalubridade a profissionais do Samu e de excesso de trabalho em diversas instituições. 

“Tem técnico que está há 3 meses sem voltar para casa, com medo de contaminar familiares”, lamentou, acrescentando que entre 5% e 10% dos profissionais estão sendo afastados por adoecimento mental, em função do estresse no trabalho durante a pandemia.

O deputado Cássio Soares afirmou que solicitará ao Estado informações a respeito da denúncia sobre o Hospital João XXIII.

Dentistas também denunciam falta de coordenação

Raphael Castro Mota, presidente do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG), também criticou a falta de uma coordenação central para a campanha de vacinação. Em sua opinião, o governo estadual, que é o responsável pela distribuição das doses aos municípios, deveria fazer esse trabalho para evitar os diferentes problemas que têm ocorrido, como o desvio de vacinas para grupos não prioritários.

Ele afirmou que o conselho tem recebido muitas denúncias sobre essas irregularidades, que são difíceis de serem comprovadas porque não há transparência no processo de imunização. 

Como a vacinação tem sido colocada na responsabilidade das prefeituras, muitas não estão seguindo as regras do programa nacional e a maioria tem destinado vacinas a idosos, em detrimento dos profissionais de saúde, disse ainda.

O dentista criticou também o plano federal, citando, como exemplo, a não prioridade de professores e garis e a demora em classificar os demais profissionais de saúde que devem ser priorizados na fila de imunização. 

Ele estima que, em Minas, 46% da categoria foi vacinada.

Fisioterapia aponta preferência por rede pública

O presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado (Crefito), Anderson Luís Coelho, disse à CPI que, de acordo com o PNI, deveriam ter sido priorizados todos os trabalhadores com vínculo ativo nos serviços de saúde, inclusive os de apoio domiciliar e de áreas administrativas, o que não estaria sendo respeitado no Estado. 

De acordo com ele, uma “parcela ínfima” dos profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional foi vacinada. Ele ressaltou a importância do trabalho desses profissionais nas UTIs e também no processo de reabilitação pós-internação, lembrando que há cerca de 30 mil desses trabalhadores no Estado. 

Anderson informou que o Crefito recebeu diversas denúncias em relação a critérios de vacinação no Estado, entre as quais a não imunização de profissionais que trabalham em instituições de longa permanência de idosos.

Ele também criticou o que chamou de “preferência de vacinação” a profissionais da rede pública em detrimento daqueles da rede privada, quando o PNI não faz essa distinção. 

Requerimentos - Na reunião, foram aprovados diversos requerimentos, endereçados a diferentes órgãos do Estado, com pedidos de informações e providências. Também foram acatados requerimentos para que superintendentes de Saúde de alguns municípios do Estado sejam convidados a falar na CPI.