Evento celebra o Dia Internacional da Mulher e se estende por toda a sexta-feira (12)
“Precisamos interromper esse ciclo (do feminicídio), agindo de modo mais eficiente quando a mulher pede socorro
Segundo Isabela Damasceno, muitos se sentem invioláveis na rede
Desafio de combater a violência é baseado em números: 150 mil denúncias por ano

Delegada destaca entraves à eficácia de medidas protetivas

Segundo Kíria Orlandi, formalidades exigidas por instituições prejudicam enfrentamento da violência contra mulheres.

12/03/2021 - 13:48

Formalidades têm comprometido a eficácia de medidas protetivas para mulheres que sofrem violência. Essa afirmação foi feita pela delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Diamantina (Região Central), Kíria Orlandi. Ela participou, na manhã desta sexta-feira (12/3/21), do painel sobre o enfrentamento da violência do seminário virtual "Mulheres na luta: novos desafios trazidos pela pandemia e perspectivas".

O seminário faz parte do “Sempre Vivas: luta das mulheres em tempos de pandemia”, conjunto de iniciativas do Legislativo mineiro que marca o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. O evento continua na tarde desta sexta (12), com a discussão de outras temáticas.

Kíria Orlandi enfatizou que processos dessa natureza não podem seguir as mesmas regras que outros. “É preciso diminuir as formalidades que o Poder Judiciário coloca para deferimento e execução de medidas protetivas. Um juiz, por exemplo, pode permitir vista ou diligência a um promotor no decorrer de um inquérito policial, o que atrasa o processo. Se tudo isso é permitido, o assunto não é urgente. Se o Judiciário não entende a questão como urgente, então, se trata de uma violência institucional”, afirmou.

De acordo com a delegada, a eficácia da medida protetiva se dá com a intimação do agressor. “Há casos em que a vítima foi intimada e o agressor não. Há relatos de agressores que vivem em distritos na zona rural da nossa região que fogem da intimação. E, como não foi formalmente intimado, não é estabelecida uma proteção e a mulher segue em risco, com a permanente possibilidade de ser morta”, disse.

Kíria Orlandi destacou como um ganho, na pandemia, a possibilidade de se fazer um requerimento para medida protetiva de modo remoto, embora a iniciativa possa ficar comprometida pela falta de acesso e de instrução para lidar com a ferramenta, como tem ocorrido na região que atua, como contou. 

Instituições devem atuar na prevenção

A delegada Kíria Orlandi reforçou que o feminicídio é resultado de um processo. “Não acontece de uma hora para outra em relacionamentos saudáveis. Começa com violência verbal, depois vem a violência física leve e progride até chegar no término da vida da mulher”, relatou.

Ela acrescentou: “Precisamos interromper esse ciclo, agindo de modo mais eficiente quando a mulher vai até as instituições pedir socorro. É necessário um diálogo maior entre as instituições. Precisamos de estrutura para atendimento e ações focadas mais na prevenção do que na punição”, defendeu.

A coordenadora da Defensoria Pública Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem), Samantha Vilarinho Mello Alves, também aposta na prevenção para minorar a violência contra as mulheres.

“Os números de violência contra mulheres só aumentam, foram intensificados na pandemia. Acredito que a educação em direito deve ser o foco das instituições”, afirmou, acrescentando que a Defensoria faz uma trabalho robusto nesse aspecto.

A defensora pública relatou que, no Estado, há oito comarcas com atuação especializada na defesa dos direitos desse público. Conforme contou, a atuação se dá em dois prismas, o primeiro deles judicial, para deferimento de medidas protetivas de urgência, e o outro, o extrajudicial, com atuação jurídica relativa a diversos direitos das mulheres que sofrem violência de gênero.

Discurso de ódio na internet

A advogada, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conselheira do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos, Isabela Damasceno, abordou o discurso de ódio sexista na internet.

“Com a pandemia, fazemos tudo pela internet. Então a situação se agrava porque muitos se sentem invioláveis na rede. Sentem que podem incitar o ódio e propagar conteúdos com violência de gênero”, enfatizou.

Conforme destacou, esse discurso se torna ainda mais ofensivo quanto se refere a uma mulher negra e com orientação sexual diferente da considerada normal. “Precisamos lidar com isso promovendo o contra discurso e o debate”, defendeu.

Luta pela dignidade - A ativista LGBTQIA+ Dani Nunes fez um relato sobre as violências e dificuldades enfrentadas pela mulher trans no Brasil. Ela apontou que a luta começa já na infância, no momento em que a criança começa a se descobrir e, muitas vezes, é rejeitada e expulsa do seu núcleo familiar.

Dani Nunes acrescentou que essas dificuldades continuam depois no ambiente escolar e, em seguida, no mercado de trabalho. Segundo ela, a prostituição acaba por ser a única forma que uma mulher trans tem para garantir sua sobrevivência.

A ativista defendeu a criação de políticas públicas que enfrentem essas questões e garantam a dignidade da população trans no Brasil.

Assembleia vai analisar projetos sobre pautas femininas

Na abertura do evento, o presidente da Assembleia, deputado Agostinho Patrus (PV), assumiu o compromisso de pautar a análise dos temas e sugestões de legislação que tratem de temáticas das mulheres e que surgirem durante a realização do Sempre Vivas.

Ele também apontou que a pandemia acabou por agravar as injustiças enfrentadas pelas mulheres, com o acúmulo de funções de trabalho e de educação dos filhos, além do aumento da violência doméstica.

A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), também garantiu que as discussões do seminário terão continuidade na comissão, com a transformação dos temas debatidos em políticas públicas e ações de fiscalização.

Coordenadora do Sempre Vivas deste ano, a vice-presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Andréia de Jesus (Psol), falou sobre a importância das mulheres para a reconstrução do País, que além da pandemia, enfrenta um desmonte das políticas públicas e sociais.

A deputada Ione Pinheiro (DEM) defendeu um aumento no número de delegacias especializadas. Já a deputada Laura Serrano (Novo) tratou da importância do crescimento da participação política das mulheres até mesmo para que seja garantida a destinação de recursos públicos para as pautas femininas.

Por fim, o deputado Zé Reis (Pode) defendeu a criação de políticas públicas que garantam um tratamento igualitário para as mulheres, em especial, no mercado de trabalho.

União - A promotora de Justiça Patrícia Habkouk também destacou a relevância da união das instituições e apontou que a pandemia tem contribuído para deixar as mulheres mais expostas à violência.

Representando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a desembargadora Sandra Fonseca apontou que o Judiciário mineiro tem como prioridade o combate à violência contra as mulheres e falou sobre a criação de varas específicas que cuidam do tema.

Já a representante da Defensoria Pública do Estado, a defensora pública Raquel da Costa Dias, apontou que a instituição trabalha diariamente na defesa e conscientização das mulheres que se encontram em situações de violência.