Sargento Rodrigues disse que o acompanhamento dos usuários de tornozeleiras não significaria fiscalizar a vida particular do condenado
Segundo Gustavo Tostes, o maior uso da tornozeleira está relacionado à falta de vagas no sistema prisional
Vigilância de presos com tornozeleiras eletrônicas precisa ser melhorada

Acesso a dados sobre usuários de tornozeleiras é limitado

Contrariando lei, Executivo diz que compartilhamento com órgãos de segurança depende do TJ e comissão vê irregularidade.

27/10/2020 - 16:37

Mais do que dificuldades estruturais e de efetivo, a Unidade Gestora de Monitoração Eletrônica (UGME), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), enfrentaria dificuldades para o compartilhamento de dados sobre os cerca de cinco mil usuários de tornozeleiras eletrônicas em Minas.

Esse foi o empecilho mais citado nesta terça-feira (27/10/20) durante audiência realizada pela Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir problemas no funcionamento da unidade.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Denúncias de que dados sobre os monitorados não estão sendo compartilhados entre os órgãos de segurança, contrariando a legislação, foram feitas pelo presidente da comissão, deputado  Sargento Rodrigues (PTB), que pediu a reunião, e por convidados como o juiz Wagner Cavalieri, da Vara de Execução Penal de Contagem.

Segundo também expôs o assessor institucional da Polícia Militar junto à Sejusp, tenente coronel PM Marcos Afonso Pereira, desde janeiro foram suprimidas várias senhas para acesso de policiais a dados do monitoramento. ”Desde então, perdemos ação”, disse ele.

Wagner Cavalieri frisou que fatos assim significam retrocesso na integração dos órgãos de segurança do Estado. Segundo também afirmou o magistrado em documento para justificar ausência à reunião, houve mudança no protocolo de atuação da UGME, tendo sido proibido no Estado o compartilhamento das informações de localização e dos dados cadastrais dos indivíduos tornozelados, supostamente com base na Resolução 213/15 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O juiz destacou, porém, que resolução do órgão não se sobrepõe às leis, tendo o presidente da comissão também cobrado o cumprimento da Lei Estadual 13.968, de 2001, que regulamenta o artigo 297 da Constituição do Estado, que diz que os sistemas de informações pertencentes a órgãos ou entidades da Administração Pública Estadual relativos à segurança pública serão utilizados de forma integrada pelos órgãos responsáveis, como a Polícia Militar e a Polícia Civil.

Conforme esta norma, esses órgãos terão acesso comum e imediato aos bancos de registros de dados sob sua responsabilidade. É vedada a restrição do acesso a dado constante de qualquer registro ou a demora injustificada na prestação de informações, sob pena de responsabilização administrativa.

“Um secretário de segurança não está abaixo do CNJ, está abaixo da população, representada pelo Parlamento, e a lei tem que ser obedecida”, também cobrou o deputado João Leite (PSDB).

Compartilhamento depende da decisão judicial, alega Executivo

O secretário-adjunto de Justiça e Segurança Pública, Gustavo Tostes, defendeu melhorias no sistema prisional do Estado e na própria UGME.

Disse, contudo, que o compartilhamento de dados, por determinação do governador Romeu Zema, tem sido feito com responsabilidade e critérios, e quando as decisões judiciais mandam expressamente.  “Não há impedimento a isso desde que haja respaldo judicial”, frisou ele.

Gustavos Tostes avaliou que o uso crescente da tornozeleira está relacionado à carência de vagas no sistema prisional e anunciou que cinco novas unidades prisionais estão em construção em Minas e mais quatro terão obras iniciadas em 2021, além da ampliação de vagas que segundo ele ocorre no sistema Apac.

O gestor registrou que esse gargalo no sistema foi o que levou a área de segurança pública a solicitar ao Poder Judiciário que facilitasse o uso da tornozeleira como alternativa, o que estaria ampliando o uso da ferramenta.

Ele admitiu que o aumento da demanda levou a problemas operacionais na unidade de monitoração e que por isso o Estado já está aprimorando as áreas de tecnologia e de atendimento telefônico. “Somente após isso é que será avaliada se ainda haverá a necessidade de incremento de mão-de-obra”, disse o secetário-adjunto quanto a reclamações sobre falta de efetivo, com desativação de equipes como a de fiscalização.

Órgãos mencionam LGPD e promotor fala em pressão contra encarceramento

Também defendendo o aprimoramento da tecnologia de monitoração, segundo ele para evitar falhas como de sistemas de GPS, o desembargador Henrique Abi-Ackel Torres argumentou, por outro lado, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais submete-se ao CNJ. E cogitou que possíveis limitações quanto ao compartilhamento de dados possa eventualmente ocorrer em função da implementação, no País, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Sobre esse ponto, a defensora pública Karina Maldonado defendeu que a nova legislação geral seja melhor estudada para evitar distorções no monitoramento eletrônico. “É preciso que haja uma separação entre aquele que é tornozelado, mas que às vezes nem tem inquérito policial, e aquele que já está em cumprimento de execução de pena”, pediu ela.

Já o promotor de Justiça Rafael Machado avaliou que o CNJ e os tribunais estariam na verdade tentando regulamentar o uso do monitoramento eletrônico como forma de cumprimento de pena, ao revés da lei, uma vez que esse ponto já teria sido vetado pelo Executivo Federal.

Segundo ele, essa tentativa se dá por uma grande pressão federal contra o encarceramento em massa, tendo como consequência, segundo ele, o fim paulatino do regime semi-aberto.

Sentenças - Para evitar essas dúvidas apontadas sobre a legalidade, o desembargador propôs uma mudança no padrão das sentenças do TJ, prevendo já o deferimento do compartilhamento de dados da monitoração eletrônica, tendo o promotor Rafael Machado sugerido que os juízes da execução incluam em suas decisões a determinação do monitoramento e do compatilhamento de dados nos casos em que houver o uso da tornozeleira.

Comissão quer responsabilização por falta de dados

Apesar das colocações, o presidente da comissão reforçou que o acompanhamento dos usuários de tornozeleiras já está previsto na legislação em vigor e que seu cumprimento não significaria fiscalizar a vida particular do condenado.

“Não posso me preocupar com a privacidade do criminoso e deixar a vítima desprotegida”, disse ele ao lembrar de casos de crimes cometidos por pessoas com tornozeleiras, citando uma delas que acabou matando a ex-companheira recentemente em Santa Luzia (RMBH).

Nesse sentido, Sargento Rodrigues e ainda o deputado João Leite e a deputada Celise Laviola (PMDB) aprovaram dois requerimentos de autoria coletiva para que seja aberto processo administrativo para apurar o descumprimento da legislação sobre a divulgação dos dados e para que a Secretaria informe qual autoridade decidiu suspender as senhas que permitem o monitoramento dos tornozelados.

Outros requerimentos pedem informações sobre os casos de violação e irregularidades que teriam ocorrido também recentemente no uso das tornozeleiras pela ex-prefeita de Santa Luzia, Roseli Ferreira Pimentel, e pelo ex-vereador de Belo Horizonte Wellington Magalhães.

Outros - Sargento Rodrigues também apresentou requerimentos para a realização de audiências públicas, um deles para debater com membros Câmara de Orçamento e Finanças (COF) da Secretaria de Estado de Fazenda a gravidade do deficit de efetivos na Polícia Militar e um cronograma para nomeação de excedentes do último concurso público.