TCU vê falhas no contrato de renovação da Vitória a Minas
Comissão teme que falta de fiscalização prejudique o Estado também em processos que ainda serão avaliados.
02/10/2020 - 18:20Diversas irregularidades foram apontadas pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) no contrato de renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) com a Vale. Ainda assim, no último mês de agosto, o Colegiado do órgão autorizou a continuidade do processo, com 15 determinações e seis recomendações.
Essa fragilidade na gestão ferroviária do País, conduzida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), foi discutida, nesta sexta-feira (2/10/20), pela Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
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Jairo Cordeiro, secretário de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do TCU, destacou o limite das atribuições do tribunal em apontar os problemas. “Nós entendemos que os riscos serão minimizados com essas condicionantes. Mas há recomendação, por exemplo, de reestudo de tarifas”, afirmou, dando a dimensão das dificuldades.
A concessão da EFVM está sendo renovada com a Vale por mais 30 anos, antes mesmo do vencimento do primeiro contrato. O TCU viu no processo irregularidades na base de ativos, no estudo de demanda, no cálculo de tarifa para transporte de carga própria, na taxa de desconto e até mesmo na vantagem de renovar a concessão, em contraponto a uma nova licitação ao fim do contrato.
A base de ativos, por exemplo, abrange todo o material rodante e as linhas. Segundo Jairo Cordeiro, essa base geralmente entra na concessão, mas, no caso da Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás, os ativos foram privatizados junto com a Vale. Agora, com a renovação do contrato, o Brasil está “reestatizando” essa base, ao custo de R$ 24 bilhões.
Já em relação ao estudo de demanda, ele aponta que a proposta da ANTT considera a demanda pelo minério de ferro inalterada pelos próximos 30 anos, a despeito das previsões de crescimento da China, por exemplo.
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Deputados criticam a ANTT e temem pelos próximos contratos
A indignação dos parlamentares com a ANTT foi explicitada logo no início da reunião. O deputado João Leite (PSDB), presidente da comissão, salientou que a Agência foi criada para fazer a fiscalização em favor da população. “O que vemos, pelo contrário, é a atenção às empresas e o descuido total com o patrimônio público”, enfatizou.
A deputada Marília Campos (PT) reiterou a falta de fiscalização pela ANTT, mas atribuiu o fato também à “falta de interesse político de quem comanda o País e o Estado”.
João Leite quis saber sobre os processos da MRS Logística e da VLI, empresas que atuam em Minas e também pleiteiam a renovação antecipada dos contratos. “A VLI acena com o abandono de 1,5 mil a 2 mil quilômetros”, advertiu. Esses casos, porém, ainda não chegaram ao TCU.
Problemas – Jairo Cordeiro apresentou uma série de estudos e fiscalizações do TCU relacionados ao setor ferroviário e que, invariavelmente, identificaram problemas nas propostas originais apresentadas pela ANTT. Ele salientou que o TCU fiscaliza a Agência, mas não as concessionárias.
Em geral, há questões envolvendo dilapidação e extravio do patrimônio concedido, devolução irregular de trechos, falta de fiscalização das cláusulas contratuais, alteração de normas com ônus para a União, cessão de trechos sem licitação e até falta de pagamento da concessão.
Em um dos casos, de 2012, ele citou a autorização dada à MRS para substituir 55 locomotivas por 29 mais novas e 775 vagões por outros 550. Segundo Jairo Cordeiro, a ANTT alegou que os novos equipamentos eram mais potentes, mas desconsiderou o fato de que eles estavam alienados, seja em empréstimo ou leasing. “Dessa forma, se a União precisar reverter a concessão, não tem como recuperar o patrimônio”, explicou.
Ele também abordou a autorização para devolução de trechos da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), operada pela VLI. A previsão inicial era de devolução de 4 mil quilômetros de trechos antieconômicos e outros viáveis, ao custo total de R$ 874 milhões.
Após intervenção do TCU e do Ministério Público de Minas, a devolução ficou restrita aos trechos antieconômicos, com o pagamento de R$ 1,2 bilhão.
João Leite salientou que 75% dos trechos devolvidos estão em Minas e passam por cidades com grande produção de minérios e outros produtos. Essa malha poderia facilmente ser ligada ao Porto de Açu (RJ). “A verdade é que não interessa à empresa ir para um porto que não é dela”, afirmou o deputado.
Parlamentar anuncia discussão sobre hidrovias
À semelhança do trabalho da Assembleia em prol das ferrovias, o deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT), 3º-vice-presidente da ALMG, anunciou esforços para alavancar as hidrovias no Estado. A primeira ação, segundo ele, será uma audiência para discutir um estudo de trajeto aquaviário do Sul de Minas ao litoral paulista.
Ainda durante a reunião, o deputado João Leite comunicou a doação, pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), de locomotivas e vagões para serem utilizados em Minas Gerais. O deputado salientou que as peças serão destinadas a linhas turísticas em locais ainda não definidos.
Requerimentos – A comissão aprovou dois requerimentos, ambos de autoria de João Leite, Marília Campos, Zé Reis (Pode) e Sávio Souza Cruz (MDB). O primeiro solicita a realização de audiência pública para debater o Projeto de Lei do Senado 261/18, que contém o Marco Legal das Ferrovias.
Já o segundo prevê debate com o Poder Executivo e a equipe do Plano Estratégico Ferroviário sobre o Decreto Federal 10.161, de 2019, que regulamenta a alienação de bens móveis inservíveis do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).