Resistência e luta dão o tom em homenagem às mulheres
Lideranças femininas reafirmaram necessidade de enfrentamento à discriminação e à violência e da defesa da democracia.
06/03/2020 - 15:07Políticas, ativistas sociais, lideranças comunitárias, defensoras de quilombolas, indígenas, transexuais. A diversidade do universo feminino foi exaltada e homenageada nesta sexta-feira (6/3/20), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. No evento Sempre Vivas: Mulheres, história e resistência, realizado em parceria com coletivos, entidades ligadas à causa feminina e órgãos governamentais, foram entregues votos de congratulações a 42 mulheres que se destacaram no Estado.
A cerimônia integra o calendário da ALMG em referência aos 300 anos de Minas Gerais, que se completam em 2 de dezembro deste ano. Com o Auditório José Alencar lotado, a solenidade foi marcada por manifestações, relatos e protestos emocionantes.
O presidente da Casa, deputado Agostinho Patrus (PV), lamentou que dados oficiais constatem que 80% dos brasileiros ainda têm posições e ideias discriminatórias sobre o papel da mulher na sociedade. Também rechaçou o aumento do feminicídio. “Essa luta (contra a discriminação e a violência) não é apenas das mulheres deputadas, é também de todo o parlamento, de todos nós”, afirmou, ao lembrar que a Assembleia de Minas é a primeira a constituir uma comissão permanente para cuidar das questões femininas.
Agostinho Patrus citou uma frase do ator Charles Chaplin - “a resistência é o caminho para o êxito” - para enaltecer a resiliência e a superação das mulheres. “Uma sociedade desenvolvida é uma sociedade que valoriza as mulheres”, ressaltou.
Presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e uma das coordenadoras do evento, a deputada Andréia de Jesus (Psol) destacou que nenhuma democracia é possível sem a presença das mulheres. “Não podem nos calar, pois nossas vozes contam a história de milhares de mulheres que lutam diariamente para defender a vida de suas famílias”, salientou.
A parlamentar disse que é preciso mudar a atual realidade, na qual mulheres morrem ou são encarceradas apenas pelo gênero. “Sempre vivas nós queremos ficar, para continuar lutando e fazer história”, afirmou, em uma alusão ao tema do evento. Ela anunciou que vai protocolar um projeto de lei para garantir auxílio financeiro a mulheres vítimas de violência atingidas por desastres naturais.
Ciclo de violência - A violência contra a mulher também foi lembrada pela coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Patrícia Habkouk. A promotora recordou que o Brasil é o 5º país em registros de violência doméstica e familiar. “A violência ainda é muito naturalizada e aceita em nossa sociedade”, avaliou.
Ao representar as mulheres indígenas, Maria Flor Guerreira, ativista do movimento Pataxó, lembrou a luta de seu povo que já dura 520 anos, desde que os portugueses chegaram ao Brasil. Ela reconheceu avanços obtidos por outras mulheres que a antecederam. “Quarenta anos atrás achava normal meu pai bater em minha mãe, hoje já não aceitamos esse tipo de situação”, exemplificou.
Ainda assim, segundo Maria Flor, as mulheres continuam sendo as principais vítimas de violência. Ao indagar o porquê de os homens continuarem matando aquelas que lhes deram vida e os amam, apelou, chorando: “Deixem nossas mulheres vivas, deixem nossos povos indígenas em paz!”
Homenageadas defendem mais participação política e resistência
Representantes das homenageadas que discursaram no evento foram unânimes em admitir os progressos na luta feminina, mas também reconheceram os desafios que ainda existem para reduzir os números de violência e de discriminação das mulheres na sociedade.
Como enfrentamento, elas defenderam ampliar a representação das mulheres nas instâncias de poder e fortalecer essa parcela da população para que seja mantida a resistência a todo tipo de preconceito.
Uma delas foi a deputada Marília Campos (PT), que convidou as outras parlamentares presentes para acompanhar seu discurso: Andréia de Jesus, Ana Paula Siqueira (Rede), Laura Serrano (Novo) e Leninha (PT).
Ex-presidente da Comissão das Mulheres da Assembleia, a deputada afirmou que é preciso, sim, falar das conquistas obtidas pela luta de todas, mas também ocupar os espaços de comando. “A gente não é só mãe, dona de casa; a gente quer também decidir sobre os rumos de nossas cidades, estados e País”, disse ela, ao sugerir que as mulheres votem em representantes femininas para as casas parlamentares e cargos no Executivo.
Marília Campos, assim como outras presentes ao evento, citou a Proposta de Emenda à Constituição 14/19, da qual é a primeira signatária, que assegura a participação de mulheres na composição da Mesa da Assembleia. A deputada defendeu a aprovação da proposta como uma forma de enfrentar o machismo institucional. “Tem uma simbologia colocar no regimento a garantia da representação das mulheres”, justificou.
“Nossa luta é todo dia. Estar nos espaços de liderança, de poder, de representação como mulheres não é uma tarefa fácil”, reforçou a coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute), Denise de Paula Romano. Ela protagonizou um dos momentos mais emocionantes, ao fazer uma homenagem especial à vereadora de Mário Campos (Região Central) Andresa Rodrigues, que perdeu seu único filho no acidente da Barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, e que também foi congratulada pela ALMG.
Resistência - Sandra Maria Andrade, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e diretora da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, afirmou que os feminicídios nessas localidades normalmente não são contabilizados. Ela defendeu a regularização das comunidades e, como as demais participantes, a resistência de todas as mulheres. “As mulheres são a força de tudo”.
No mesmo tom, Porcina Barros, a irmã Mônica, convocou as mulheres a fazer a diferença na sociedade e na história humana.
Por sua vez, a transexual Rhany Merces, coordenadora do Fórum Nacional de Trans e Travestis (Fonatrans), elogiou o reconhecimento da Assembleia à luta da categoria na identidade de gênero. Ela lembrou que o Brasil é o país que mais mata trans e travestis e que 97% dessas vítimas são mulheres. “Estar aqui hoje também é uma representação simbólica da luta de mulheres transexuais e travestis”, destacou.
As homenageadas também se mostraram preocupadas com a fragilidade da democracia no Brasil. “Vamos reafirmar o compromisso de nossas pautas e com a democracia, que está ameaçada em nosso país, pelos direitos do povo e a justiça social”, sintetizou Marília Campos