Entrevista coletiva de representantes do Ministério Público e da Polícia Civil teve objetivo de prestar informações sobre denúncias contra a Vale e seus funcionários

MP denuncia responsáveis por desastre em Brumadinho

A acusação de homicídio doloso duplamente qualificado e a de crimes ambientais foram apresentadas ao Poder Judiciário.

21/01/2020 - 20:23

O rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão em unidade mineradora da Vale, situada em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), às vésperas de completar um ano, é objeto de denúncia do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), apresentada nesta terça-feira (21/1/20) ao Poder Judiciário.

O órgão acusa 16 pessoas por homicídio doloso duplamente qualificado: dessas, 11 ocupavam cargos na Vale e cinco são vinculadas à empresa alemã Tüv Süd, responsável pela Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), que atestou a segurança da barragem.

Em entrevista coletiva no Ministério Público, o promotor de Justiça William Garcia Pinto Coelho afirmou que a acusação se pautou nas circunstâncias do crime, uma vez que foi praticado de forma a colocar em perigo um número indeterminado de pessoas e que essas não tiveram meios de fuga. “Centenas de vítimas foram surpreendidas em poucos segundos pelo impacto da lama”, ressaltou o promotor.

Ele explicou ainda que as investigações, realizadas pelo MP em parceria com a Polícia Civil de Minas Gerais, apontaram a existência de “relações promíscuas” entre as empresas. Willian Coelho disse que a Vale e a Tüv Süd, desde novembro de 2017, já haviam constatado problemas não só na barragem de Brumadinho, mas também em outras estruturas.

Conforme o promotor, a Vale detinha instrumentos de aferição dos riscos. Um deles, o Painel Independente de Especialistas para Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas (Piesem), realizado em junho de 2018, colocou a barragem de Córrego do Feijão no ranking de “barragens em situação inaceitável”. Mesmo diante dos dados, no mesmo período, a Tüv Süd emitiu a declaração de estabilidade, permitindo a continuidade das operações.

Segundo ele, os valores inaceitáveis de segurança estavam relacionados a ocorrências de erosão interna e liquefação, que envolviam problemas de drenagem interna da barragem. “Tendo conhecimento do risco de um rompimento, os denunciados tinham o dever de tomar as medidas de segurança necessárias, como o acionamento do Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração, mas preferiram arriscar para não gerar impactos na reputação da Vale e no valor de suas ações”.

Crimes ambientais - A devastação ambiental, resultante do vazamento de 9,7 milhões de m³ de resíduos da mineração, equivalente a seis vezes o volume da Lagoa da Pampulha, também motivou denúncias por crimes ambientais contra a fauna, flora e de poluição.

De acordo com o Ministério Público, o rompimento da barragem motivou a morte de espécimes da fauna silvestre, destruição de florestas consideradas de preservação permanente, poluição hídrica que tornou necessária a interrupção do abastecimento público de água de comunidades da região.

Na área atingida, há presença de metais como o chumbo, mercúrio, arsênio, dentre outros. Segundo informações do órgão, os danos são irreversíveis. A existência dessas substâncias impede a regeneração da flora.

Ação do Ministério Público e CPI da Assembleia são convergentes

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), após seis meses de investigação, publicou relatório final no qual responsabilizou a Vale pelo rompimento da barragem, recomendando o indiciamento de 11 de seus dirigentes e funcionários, na época, além de dois auditores da empresa Tüv Süd.

Ao longo de suas mais de 300 páginas, o relatório da CPI apontou os fatos que concorreram para o rompimento da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, e fez uma série de recomendações aos órgãos públicos, inclusive ao Ministério Público.

Entre os indiciados e denunciados pelo MP está o então diretor-presidente da Vale, Fábio Schvartsman. O órgão denunciou nove dos 11 envolvidos, vinculados à Vale, que compõem a lista da CPI da Assembleia. O indiciamento desses é uma das recomendações da comissão.

Segundo apuração da CPI, ficou claro que a mineradora sabia dos riscos de a estrutura se romper e, mesmo assim, deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a tragédia, uma das maiores da história recente do País.

O relatório também registra que a Vale utilizou, para garantir a continuação da operação da mina, laudo da empresa alemã que atestava a estabilidade da barragem, ainda que o fator de segurança estivesse bem abaixo do recomendado por órgãos internacionais e adotado por ela mesma em outras barragens.

O Parlamento mineiro vai acompanhar os desdobramentos dos processos judiciais, em especial, por meio do Grupo de Trabalho da Barragem de Brumadinho. O grupo é iniciativa inédita na ALMG, que busca ainda monitorar a implementação das demais recomendações apresentadas no relatório final.