As poucas delegacias de mulheres no Estado e o número reduzido de defensores públicos atuando nos processos foram alguns dos problemas apontados
Apenas 64 cidades em Minas têm delegacia de atendimento à mulher

Assembleia cobra melhor estrutura de proteção às mulheres

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher apresentou relatório que aponta falhas no enfrentamento à violência de gênero.

07/11/2019 - 14:35

Em uma ampla reunião realizada no Salão Nobre da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (7/11/19), a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher apresentou um relatório de um ano de trabalho sobre a importância e as necessidades da estrutura pública de enfrentamento à violência contra a mulher no Estado.

As conclusões da comissão foram apresentadas pela presidenta da comissão, deputada Marília Campos (PT), com recomendações ao poder público para tornar efetivas as políticas de proteção à mulher e reduzir a frequência do feminicídio no Estado.

O relatório, intitulado "Sempre vivas - Mulheres em luta contra a violência", foi entregue ao secretário de Estado de Governo, Bilac Pinto, e a representantes de outros órgãos oficiais durante o encontro. Também será encaminhado a entidades da sociedade civil.

Participaram da reunião, entre outras e outros, o presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PV); a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Maria Izabel Ramos; a coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência da Defensoria Pública de Minas Gerais, Renata Salazar; a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Patrícia Habkouk; e a delegada geral Elaine Matozinhos, fundadora da primeira delegacia da mulher do Estado.

Apesar de elogiar o conjunto de leis que se construiu para proteger as mulheres, Marília Campos afirmou que a principal carência é a falta de estrutura para tornar efetiva essa legislação e evitar de fato o feminicídio e a violência.

“Fazemos leis e elas estão dentro das gavetas, pois não são cumpridas ou são cumpridas parcialmente”, constatou a deputada, cobrando sobretudo ampliação do número de delegacias especializadas, estruturação dessas unidades, assim como da Defensoria Pública.

Em seu pronunciamento, o presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus, disse ter acompanhado a reunião com dois sentimentos: tristeza e esperança. “Tristeza em ver fatos tão graves e tristes ainda acontecendo em 2019”, referindo-se a depoimentos de mulheres agredidas que foram ouvidas durante o próprio evento.

O deputado disse que a esperança vem do trabalho realizado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em parceria com outros órgãos oficiais e sociedade civil, que faz prever um novo momento, mais positivo, no enfrentamento a esta questão.

Ele também reforçou a necessidade de mais investimentos na prevenção e no combate à violência contra a mulher. E se comprometeu a regulamentar a licença maternidade e paternidade para os integrantes do Poder Legislativo. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) está afastada da Assembleia após tornar-se mãe, algo que chamou atenção para a falta de regulamentação desse tipo de licença para parlamentares.

Mulheres relatam drama pessoal e falta de apoio oficial

Durante a reunião, causou comoção o depoimento de três vítimas de violência doméstica, que relataram suas dificuldades em receber apoio dos órgãos que deveriam protegê-las, agravando um sofrimento de muitos anos.

Cecília Bie, apesar de só ter se separado há três anos, disse ter sido vítima do ex-marido por 17 anos. O mau atendimento recebido em seu primeiro pedido de socorro aos órgãos oficiais, em 2007, prolongaram seu sofrimento por dez anos. “Fiquei na delegacia de 7 da manhã até as 8 horas da noite. Depois fui ao IML, fazer exame de corpo de delito. Parecia que eu estava em uma daquelas gavetas onde ficam os corpos. Depois voltei para o meu agressor”, afirmou.

Solange Barbosa disse ter vivido um relacionamento abusivo por mais tempo ainda: 32 anos. Apesar de não ter sido agredida fisicamente, sofreu violência sexual, verbal, patrimonial e moral, em um relacionamento iniciado quando ela tinha apenas 16 anos de idade.

Ana Luísa Barbosa Soares, do município de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte), disse sofrer, ainda agora, com o descaso da Polícia Militar e da Polícia Civil daquele município.

Ela contou ter sido ameaçada por seu agressor diante dos próprios policiais, que se recusaram a registrar a ocorrência. “As instituições que eram para me proteger não me enxergam. Estou aqui pedindo socorro. Estou fora de casa. Não quero morrer”, afirmou ela. Ela disse estar sem a guarda da filha e que vem lutando por justiça há meses.

Durante a reunião, também foi homenageada a funcionária terceirizada da ALMG, Carla Pereira, que trabalha em atividades de limpeza. A homenagem foi anunciada pelo deputado Sargento Rodrigues (PTB), que destacou o fato de Carla ser mãe de cinco filhos, cursar radiologia e fazer o estágio obrigatório, além do trabalho na Assembleia.

Durante o evento, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) fez um relato pessoal de violência sofrida por ela e da má atuação do Estado em casos como esse. Ela disse ter decidido expor seu caso para mostrar a necessidade de as mulheres vencerem a vergonha e a culpa injustificadas. A deputada Laura Serrano (Novo) comprometeu-se a se empenhar para que a comissão seja recebida pelo governador Romeu Zema para discutir providências sugeridas no relatório de trabalho.

Também acompanharam a reunião a deputada Delegada Sheila (PSL) e os deputados Doutor Jean Freire (PT), Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), Ulysses Gomes (PT) e Guilherme da Cunha (Novo).

Relatório – O documento produzido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher reúne as conclusões de 15 visitas técnicas realizadas em 2019, a maioria delas a delegacias de mulheres. Também foram feitas 17 audiências públicas.

Marília Campos salientou que apenas 64 dos 853 municípios têm delegacias de mulheres, e que mesmo as unidades existentes sofrem com a falta de profissionais e de equipamentos. Muitas delegacias não contam nem mesmo com delegadas titulares. Também não há plantões noturnos e nos fins de semana. Outra falha apontada é que apenas em Belo Horizonte existe o Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios.

Marília Campos também cobrou a nomeação de defensores públicos. “Das 296 comarcas, 185 não possuem defensores. Sem eles, os processos judiciais param e a impunidade permanece”, lamentou.

Uma conquista comemorada, fruto da atuação da comissão e de outras instituições, foi a instalação de uma Vara de Justiça especializada em violência doméstica, em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Essa foi uma reivindicação levada ao Tribunal de Justiça.

Outra iniciativa que contou com o empenho da comissão parlamentar foi o concurso de redação sobre o tema “A importância da educação na prevenção à violência contra a mulher e ao feminicídio”. Lançado pela ALMG, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEE), com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), com o Ministério Público e a Associação Mineira do Ministério Público, o concurso premiará estudantes do ensino médio e dos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de escolas estaduais. As inscrições se encerraram esta semana.