Mudança em compensação de energia distribuída é questionada
Revisão de norma da Aneel, que prevê cobrança pelo uso da rede elétrica, pode desestimular a geração de energias limpas.
25/09/2019 - 20:50 - Atualizado em 26/09/2019 - 11:14Os empreendimentos em energias renováveis como a solar fotovoltaica em Minas Gerais cresceram de forma exponencial não só devido à oferta dos próprios recursos naturais, mas também por incentivos da legislação tributária estadual.
Hoje, o Estado lidera o ranking nacional da geração distribuída (na qual o próprio consumidor gera sua energia). No entanto, a revisão da Resolução Normativa 482, de 2012, que regula as compensações a concessionárias do setor elétrico, pode impor impactos negativos ao setor.
Os desdobramentos da medida, a ser adotada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foram discutidos em audiência pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (25/919), pela Comissão Extraordinária das Energias Renováveis e dos Recursos Hídricos, a pedido do seu presidente, deputado Gil Pereira (PP), do vice-presidente, deputado Betinho Pinto Coelho (Solidariedade), e do deputado Coronel Henrique (PSL).
No atual cenário, as pessoas físicas e empresas podem produzir sua própria energia elétrica, a partir da instalação de sistemas de micro e minigeração distribuída, com placas de energia solar fotovoltaica ou outra fonte renovável (hidráulica, eólica ou biomassa, por exemplo). O excedente gerado por esses sistemas é injetado na rede de distribuição elétrica, sendo convertido em créditos válidos por cinco anos.
A economia na conta de energia elétrica é um dos principais atrativos para que cidadãos e empresários invistam na geração própria de energia. No entanto, as regras que norteiam o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), contidas na Resolução 482/12 da Aneel, passam por processo de revisão. Dentre outros objetivos, as alterações buscam permitir que as concessionárias cobrem pelo uso da rede elétrica.
Tempo para retorno de investimentos pode ser mais que o dobro do atual
A cobrança vai comprometer o retorno dos investimentos aplicados na geração da energia limpa. Segundo Bárbara Rubim, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar), com a metologia vigente, os recursos investidos se pagavam com a economia obtida em cinco anos. Caso sejam adotadas as alterações propostas pela Aneel, esse período pode chegar a 12 anos.
Outro questionamento apresentado pela gestora é que a remuneração pelo uso da rede se dará de forma prematura. Ela explica que, em países como Alemanha ou Espanha, a medida só foi adotada depois que foram colocadas, em prática, condições de financiamento e legislação tributária adequadas: “A regulação se tornou mais severa e onerosa somente quando o setor atingiu seu amadurecimento”.
Bárbara Rubim defendeu ainda o que ela considerou como “direito adquirido”. Para ela, aqueles que investiram na geração de energia renovável precisam contar com segurança jurídica e estabilidade.
“A proposta de revisão assegura aos empreendimentos já existentes que a metologia atual seja mantida ainda por um prazo de até 15 anos, mas defendemos que esses não sejam abarcados pelo novo regramento”, ressalta a representante da ABSolar.
“Minas Gerais poderá ser especialmente atingido pela revisão da norma, sobretudo a Região Norte, que tem atraído investimentos em energia solar”, alerta o deputado Gil Pereira. Segundo o parlamentar, Minas produz 23% da energia solar do Brasil. “Não podemos aceitar que uma mudança radical na regulamentação venha a nos prejudicar”.
A Lei da Energia Solar Fotovoltaica, baseada em projeto de autoria do deputado, é a única no País que isenta de ICMS as usinas solares de até 5 MW. Para ele, a energia solar é a grande esperança do semiárido mineiro, uma vez que vem promovendo a inclusão social no território. Mas o parlamentar teme que a medida afete a trajetória de crescimento da geração distribuída na região.
Benefícios socioambientais - Representantes do município de Janaúba (Norte) salientaram os benefícios socioambientais propiciados pela geração de energia solar e solicitaram que a Aneel leve em consideração esses aspectos ao promover a revisão da normativa.
O prefeito, Carlos Isaildon Mendes, chegou mesmo a afirmar que esses empreendimentos modificaram a realidade da cidade e do entorno, minimizando o quadro de crise e de escassez de recursos que assola o Estado.
Outros participantes da reunião pontuaram que a geração de energia limpa, sem grandes impactos como os proporcionados pelas hidroelétricas, deveria ser subsidiada pelo Poder Público e pela sociedade.
Aneel defende equilíbrio de custos entre consumidores
Caso as regras contidas na Normativa 482/12 não sejam alteradas, os consumidores que não possuem sistemas próprios de geração poderão pagar mais caro pela energia elétrica. Com esse argumento, o diretor da Aneel, Rodrigo Limp, pontuou o panorama que fez sobre o processo.
Ele afirmou que o setor elétrico, com o advento das fontes renováveis, tem se tornado cada vez mais descentralizado. E, nesse sentido, frente aos novos avanços tecnológicos e às mudanças de cenário, as regulamentações precisam passar por revisões. No caso da 482, o reexame da norma já estava previsto desde 2015.
Rodrigo Limp explicou que, hoje, o consumidor que produz sua própria energia injeta o excedente na rede e abate da sua produção a energia consumida, podendo ainda acumular créditos, mas não remunera as concessionárias pelo uso dessa rede.
De acordo com ele, esse modelo de compensação precisa ser modificado, justamente porque a geração distribuída tem crescido de forma surpreendente. “A fim de que esse crescimento ocorra de forma sustentável para todos é preciso promover o equilíbrio entre os diferentes consumidores”, enfatiza o gestor.
Ele reforça ainda que, se há consumidores que não contribuem com o custeio da rede, os demais ficarão sobrecarregados: “A rede funciona como uma bateria virtual para aqueles que geram sua própria energia, uma vez que essa produção é intermitente (sobretudo em relação à energia solar), todos deveriam compartilhar os custos”.
Por fim, Rodrigo Limp falou sobre o desafio de estabelecer a transição entre a nova e a antiga regra. Aqueles que já estão atuando na geração de energia terão direito a um período de transição maior, como o consumidor que tenha concluído o processo de solicitação do acesso terá direito de permanecer na regra antiga, informou o diretor da Aneel.
Baixa renda - Marcos Aurélio Madureira da Silva, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), explicou que, sem a revisão, chegará o momento em que o subsídio dado aqueles consumidores de baixa renda será menor ao dado à geração distribuída: “Temos que nos perguntar se isso é justo”.
Investimentos – Já Ronaldo Gomes de Abreu, diretor de Distribuição e Comercialização da Cemig, falou sobre investimentos da ordem R$ 6 bilhões pela empresa para qualificar os processos de distribuição. As obras deverão ser concluídas até 2022, a capacidade instalada será aumentada em 20%.
Os deputados Antonio Carlos Arantes (PSDB), Arlen Santiago (PTB) e Gustavo Mitre (PSC) também alertaram sobre os impactos que a revisão pode causar ao Estado.