Participação popular marcou elaboração da Carta Mineira
Com foco no cidadão, Constituinte de 1989 é exemplo de civilidade que deve ser seguido, afirmam ex-deputados.
17/09/2019 - 22:36 - Atualizado em 19/09/2019 - 14:27Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, Minas Gerais foi o primeiro Estado da federação a elaborar sua nova Carta Magna. A Constituição Mineira, também intitulada "Constituição Compromisso", foi promulgada em setembro de 1989, marcada por uma intensa participação popular e pelo convívio harmônico entre os diferentes partidos que compunham a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) à época.
As lembranças de todo esse processo foram trazidas pelos ex-deputados constituintes Nilmário Miranda e Sebastião Helvecio, ao programa Pensando em Minas, edição especial desta terça-feira (17/9/19).
Promovido pela Escola do Legislativo, o Pensando em Minas desta terça integra uma agenda especial de eventos que marcam as três décadas da Constituição do Estado.
"Nosso desafio aqui era manter o mesmo nível de envolvimento dos cidadãos, que tínhamos visto na elaboração da Constituição federal. E conseguimos. Havia uma efervescência, um volume muito grande de pessoas na Assembleia todos os dias, o que gerou centenas de propostas de emendas ao texto", comentou Sebastião Helvecio, então líder da bancada do PMDB.
Para Nilmário Miranda, que era o líder da bancada do PT na Assembleia, aquele foi um momento mágico, de muita esperança. "Após 21 anos de ditadura, todos respiramos aliviados. Houve, tanto em Brasília quanto aqui, uma explosão libertária", disse ele. O convívio entre os que tinham opiniões diferentes também era civilizado e respeitoso, segundo ele.
Na opinião de Nilmário, que foi secretário Nacional de Direitos Humanos, no entanto, a esperança daquela época se contrapõe à desesperança que o País vive, no momento.
Ele garante que os 30 pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos estão presentes na Constituição Mineira, mas alega que muitos desses direitos estariam sendo ameaçados agora. "Vivemos um momento de desconstrução. Mas não podemos perder nada do que já conquistamos", advertiu.
Bem comum - De acordo com Sebastião Helvecio, nem mesmo o estilo "peculiar" do então governador de Minas, Newton Cardoso, cujos projetos suscitavam debates acalorados na Assembleia, entre governistas e deputados de oposição, atrapalhou o trabalho dos constituintes. "Isso porque, no momento de votarmos o texto da constituição, levamos em conta que estávamos fazendo algo maior, para o futuro, não só para aquele governo. Nosso foco era o cidadão", comentou.
Ao falarem um pouco sobre como se deu o processo de diálogo com a sociedade para a construção da Constituição Mineira, os dois ex-parlamentares constituintes destacaram a importância do texto como ferramenta para a manutenção da democracia, no presente e no futuro.
"Se não tivermos cuidado, seremos a primeira geração a deixar para a geração futura uma sociedade pior do que encontramos", refletiu Sebastião Helvecio, que também já ocupou diversos cargos públicos e hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). "A democracia tem muitos predadores, muitos inimigos, a defesa desse modelo tem que ser constante", concluiu.
Constituição estimulou desenvolvimento e planejamento do Estado
Outro marco da época, na opinião do ex-constituinte Sebastião Helvecio, foi a preocupação com o planejamento e o desenvolvimento do Estado. Da Constituição derivaram a criação do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) - peça do sistema orçamentário que estabelece um plano estratégico de longo prazo para o Estado -, assim como as discussões sobre mais investimentos em saúde, por exemplo. "Não é à toa que o termo ´desenvolvimento´é citado na carta 53 vezes", destacou.
Ainda no quesito desenvolvimento, Nilmário Miranda lembrou que Cemig, Copasa, Codemig e outras estatais sempre foram consideradas estratégicas para Minas Gerais, por isso a Constituição mineira prevê, em seu artigo 14, que a desestatização delas só poderá ser feita após realização de referendo popular.
Nilmário Miranda admite que houve algumas "incompletudes" no texto aprovado em 1989, como por exemplo na questão da sustentabilidade, mas, na sua opinião, isso não o diminui. Segundo ele, no que diz respeito à atividade minerária, por exemplo, não havia ainda, na Assembleia, nem na sociedade, a noção dos riscos dessa atividade para o meio ambiente.
"Naquela época, só falávamos em direitos humanos das pessoas. Hoje, depois de todas essas tragédias que vivemos, sabemos que não há vida humana sem os demais seres vivos, aí entra a defesa do meio ambiente como um todo e a necessidade de se repensar o desenvolvimento", disse ele.
Sebastião Helvecio lembrou que, se não houve a citação expressa de cuidados com a atividade minerária, o artigo 215 da Constituição dá a direção correta, ao estabelecer que "é obrigação das instituições do Poder Executivo, com atribuições diretas ou indiretas de proteção e controle ambiental, informar o Ministério Público sobre ocorrência de conduta ou atividade considerada lesiva ao meio ambiente". Na opinião dele, a justiça geracional, que é deixar um mundo habitável para as próximas gerações, está prevista ali.
"Precisamos de bons advogados do futuro. Que daqui a 20 anos, tenhamos aqui outras pessoas também festejando essa data e a importância da Constituição do Estado, essencial para a democracia", enfatizou o conselheiro do TCE-MG ao final do programa.
Programa - O mediador do debate entre os dois ex-deputados constituintes foi o servidor da ALMG, Alexandre Bossi Queiroz. O vídeo com a gravação do programa desta terça-feira (17) também estará disponível no canal da Assembleia no Youtube.