Projeto Future-se recebe críticas de servidores da educação
Para professores e sindicalistas, proposta do MEC ameaça a autonomia universitária e não soluciona gargalos financeiros.
09/09/2019 - 20:50O projeto Future-se, anunciado pelo governo federal como alternativa de financiamento para as universidades federais, foi alvo de críticas de deputados, professores e sindicalistas nesta segunda-feira (9/9/19), em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Anunciado no último mês de julho, o plano prevê a entrada de capital privado nessas instituições, por meio, entre outras iniciativas, de fundos patrimoniais, do registro de patentes, da cessão de naming rights de espaços e de parcerias com organizações sociais (OSs), entidades privadas sem fins lucrativos.
No entanto, várias universidades já se manifestaram contra a adesão ao programa, que será voluntária, entre as quais as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), de Juiz de Fora (UFJF) e de São João del-Rei (UFSJ). Essas unidades de ensino apontam lacunas no projeto e a inconstitucionalidade de dispositivos que ameaçariam a autonomia universitária.
Pró-reitor de Planejamento da UFMG, Maurício Garcia afirmou que os três eixos que norteiam o projeto - gestão, inovação e internacionalização - já são executados de forma eficiente pela universidade.
O professor questionou a previsão de transferência da gestão das instituições federais de ensino superior (Ifes) para organizações sociais, que não teriam se mostrado mais competentes para a função em contratos já realizados na área de saúde, além de a medida ir de encontro à autonomia das universidades para sua gestão financeira, prevista no artigo 207 da Constituição Federal.
Maurício Garcia também disse ser irreal a expectativa do governo de captar cerca de R$ 100 bilhões com o programa e acrescentou que, mesmo que essa estimativa fosse alcançada, a quantia e seus rendimentos não seriam a solução para o financiamento das universidades. Só para a UFMG, foram contingenciados repasses de R$ 65 milhões este ano.
O pró-reitor ainda apontou inconsistências de técnica legislativa na minuta preparada pelo governo federal, a falta de clareza sobre a composição e o funcionamento do comitê gestor que fiscalizaria as ações das instituições e a inserção de propostas controversas no projeto, como o reconhecimento de cursos a distância no exterior e a associação de atividades de ciência e inovação à área de cultura, para que elas possam se valer de recursos da Lei Rouanet.
Risco – Para Mariana Bicalho, diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos, aderir ao programa seria como assinar uma carta em branco, tendo em vista que as universidades se comprometeriam com diretrizes ainda não definidas.
No seu entender, a prioridade deve ser destravar os recursos bloqueados pelo MEC, e não contar com o possível rendimento de fundos que não trariam qualquer solução em curto e médio prazo.
Denílson Carvalho, coordenador do Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de São João del-Rei, denunciou que a intenção do Executivo federal é se desvincular de sua obrigação pela manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior.
Future-se seria “cortina de fumaça” para teto de gastos
A presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), os deputados Virgílio Guimarães (PT) e Professor Cleiton (PSB) e os parlamentares federais Rogério Correia e Margarida Salomão, ambos do PT, fizeram coro às críticas ao Future-se.
Professor Cleiton indagou o que justifica a contratação de entidades para intermediar a relação direta entre as Ifes e o MEC e quais os critérios que vão definir as organizações sociais aptas a participar do programa e embasar o repasse de recursos públicos e a doação de patrimônio às OSs.
De acordo com o deputado, a proposta dá a entender que o objetivo é reduzir a autonomia de instituições vistas pelo governo como “antro de balbúrdia” e dominadas pelo “marxismo cultural”.
Para Margarida Salomão, o Future-se é apenas uma “cortina de fumaça” para o bloqueio de verbas para a educação, que seria fruto da Emenda Constitucional 95, promulgada em 2016 e que determinou um teto para os gastos públicos. “O contigenciamento de verbas se deve a essa emenda, que é uma camisa-de-força para o orçamento”, argumentou.
Na sua opinião, os recursos extras estariam condicionados à perda de autonomia das universidades e de seu caráter público.
“Alguma ou outra universidade vai sobreviver, como empresa, com o Future-se. Quanto aos institutos federais, nenhum. Enquanto isso, o presidente quer instalar mais de 200 instituições militares até o final de seu mandato”, salientou Rogério Correia.
Diálogo - Beatriz Cerqueira ressaltou que a audiência foi a primeira oportunidade de se discutir o tema na Assembleia. “A comunidade acadêmica e os estudantes estarem aqui é fundamental. A coletividade é que vai dar conta de apontar caminhos de luta e alternativas para o que enfrentamos", resumiu.