Depoimentos reforçam convicção de que Vale sabia de riscos
CPI da Barragem ouviu funcionários de empresas contratadas para solucionar vazamento em Brumadinho.
15/07/2019 - 19:45Depoimentos de funcionários de empresas terceirizadas pela Vale reforçaram a convicção de que a mineradora sabia dos riscos de rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Regiâo Metropolitana de Belo Horizonte). A estrutura se rompeu em janeiro deste ano, matando 248 pessoas já identificadas e outras 22 ainda desaparecidas. Os trabalhadores das empresas foram ouvidos, nesta segunda-feira (15/7/19), pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
As empresas foram contratadas para trabalhar na barragem antes do rompimento. A Alphageos Tecnologia Aplicada foi responsável pela instalação – entre abril e junho do ano passado - dos drenos horizontais profundos (DHPs), sugeridos pela empresa de auditoria Tüv Süd para retirar água de dentro da estrutura.
Em 2017, foi contratada a empresa Fugro In Situ Geotecnia, para, entre outros serviços, instalar piezômetros dentro da barragem – instrumentos utilizados para medir a pressão de líquidos dentro da estrutura. E a Reframax Engenharia foi acionada pela mineradora para atuar no vazamento de água e lama, ocorrido após um fraturamento hidráulico que seria decorrente da instalação do 15º dreno no local.
“Há uma demonstração de que a Vale sabia do risco de rompimento”, afirmou o deputado Sargento Rodrigues (PTB). Ele lembrou que muitos depoimentos à CPI provaram que, desde 2017, a empresa estava tentando resolver problemas na barragem. “Temos mais convicção da irresponsabilidade criminosa da Vale. Eles estavam desesperados tentando tapar o sol com a peneira”, disse o parlamentar.
Em depoimento emocionado, ajudante lembra a tragédia
O ajudante da Reframax Engenharia Antônio França Filho se emocionou e causou comoção a quem acompanhava o depoimento, ao lembrar seu próprio sofrimento durante o rompimento. No momento, ele estava na Instalação de Tratamento de Minério (ITM), que fica 7 metros acima da barragem e a cerca de 1 quilômetro de distância.
A força da lama destruiu a plataforma onde ele e outros colegas estavam e o ajudante foi lançado abaixo e ficou preso em ferragens de equipamentos. Por duas horas, gritou por socorro e foi ouvido por colegas que voltavam de uma mina vizinha, que acionaram os bombeiros. “Eu não sabia o que estava acontecendo. Quando a poeira baixou que percebi que estava preso. Gritava pelos colegas e não tinha resposta”, contou, chorando. Dos 59 empregados da empresa que prestavam serviço na mina, 37 morreram na tragédia.
O ajudante trabalhou na tentativa de solução de um vazamento ocorrido em junho do ano passado. Durante quatro dias, ele ajudou a retirar os rejeitos drenados da barragem.
Também prestou depoimento o gestor de produção da Reframax, Romero Xavier, que passou a exercer a função em dezembro de 2018. Ele não chegou a trabalhar no vazamento, mas disse que por dois dias levou funcionários para executar os trabalhos no local.
Os dois funcionários afirmaram participar de treinamentos para autossalvamento promovidos pela Vale. E ambos contaram que a fuga levaria entre 8 e 20 minutos, dependendo do ponto em que estariam.
A constatação causou indignação no relator da CPI, deputado André Quintão (PT). “Fica claro que o vazamento não foi simples, corriqueiro, como a Vale tenta demonstrar”, afirmou. Ele também criticou o plano de fuga oferecido pela empresa, que não poderia ser cumprido por ninguém, pois a lama demorou cerca de 34 segundos para atingir a área administrativa.
Engenheiro contesta relato de técnicos da Vale
O diretor de Operações da Alphageos Tecnologia Aplicada, Marcelo dos Santos, contestou a informação de que o 15º dreno tenha causado um fraturamento hidráulico na estrutura da barragem, repetido por técnicos da Vale em depoimentos anteriores.
Ele explicou que o equipamento nem chegou a ser instalado. A perfuração foi feita com uma broca com água, que deveria retornar à medida que rompesse a estrutura. Mas, naquele momento, começou a vazar a dez metros de altura. Ele acredita que já havia uma perfuração anterior, que serviu de escape para a água. Após esse problema, o trabalho foi suspenso e não mais retomado.
Piezômetros – A geóloga da Fugro In Situ Geotecnia, Laís Antonelli, disse que a empresa foi contratada em 2017 para atuar em várias minas da Vale. Os serviços previstos no contrato foram: 14 sondagens geotécnicas e instalação de 40 piezômetros e quatro inclinômetros.
Ela registrou que na mina B1 do Córrego do Feijão, foram instalados todos os inclinômetros e 20 piezômetros, a partir de setembro de 2018. E o restante deveria ser implantado até fevereiro de 2019, o que não foi mais possível, por causa do rompimento.
Ela foi inquirida sobre falas de dirigentes da Vale, os quais, confrontados com dados preocupantes apontados pelos piezômetros pouco antes da tragédia, declararam que havia falha nessas medições.
Ressaltou que não poderia responder por piezômetros que já estavam instalados no local, mas somente pelos que a Fugro In Situ implantou a partir de 2018, os quais ela garantiu terem funcionamento adequado. E que o monitoramento desses instrumentos não cabia a ela, mas à área de engenharia da Vale.