Representantes de ocupações falam sobre o direito à luta pela moradia e à livre manifestação

Governador é responsabilizado por arbitrariedade policial

Prisão de líderes comunitários é considerada ilegal. Convidados acusam autoridades de criminalizar movimentos sociais.

11/07/2019 - 11:25

A atuação da Polícia Militar, do governador Romeu Zema (Novo) e dos juízes criminais foi amplamente criticada em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na noite dessa quarta-feira (10/7/19). Todos eles foram acusados de criminalizar os movimentos sociais. A reunião foi marcada, a pedido da deputada Beatriz Cerqueira (PT), para tratar em especial da prisão de três líderes comunitários, no dia 24 de abril deste ano, durante manifestação na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). 

Eles estavam em manifestação na sede da Prefeitura de Belo Horizonte reivindicando, em especial, a instalação de infraestrutura de esgoto, energia elétrica e calçamento em comunidades e ocupações localizadas nas regiões do Barreiro e Oeste da Capital.

Os três detidos na ocasião foram Leonardo Péricles Vieira Roque, integrante da Unidade Popular (UP); Poliana Souza e Maura Rodrigues, integrantes da coordenação nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Os dois primeiros estiveram na reunião e relataram esse e outros casos de abuso policial. Eles foram soltos no mesmo dia, mas a situação faz parte do que os presentes consideram ser uma crescente criminalização dos movimentos sociais.

Leonardo Péricles lembrou que eles foram à prefeitura exigir o cumprimento de direitos, o que é legítimo. Segundo ele, os manifestantes não fecharam o prédio, não impediram o trânsito de ninguém e não interferiram no trabalho dos servidores do local. “Aquilo é um prédio público, gostem eles ou não, e tínhamos o direito de estar lá. Porque fomos presos?”, questionou.

A violência com que a Polícia Militar age contra manifestantes foi criticada, mas Leonardo Péricles lembrou que todas as arbitrariedades são também de responsabilidade do chefe do Poder Executivo, o governador Romeu Zema, que é o chefe direto pela corporação.

A outra líder detida, Poliana Souza, também responsabilizou o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), pelas prisões em abril, já que ele tem se negado a recebê-los. “Ele foi eleito dizendo que ia criar um programa habitacional, nós temos o direito de cobrar dele”, disse.

Segundo defensora, abusos policiais não são punidos

A defensora pública Júnia Roman Carvalho completou e disse que o Poder Judiciário também tem sua parcela de responsabilidade. Segundo ela, a polícia se utilizaria de denominações genéricas para prender pessoas em mobilizações populares, como “desacato à autoridade”, que não podem ser provadas, e o Ministério Público aceita a denúncia e, não raramente, os juízes condenam os acusados.

Por outro lado, os abusos de autoridade e agressões impetradas pelos policiais, mesmo quando devidamente registrados em vídeos, não rendem processos de acordo com a defensora pública. Ela afirmou, ainda, que as punições contra policiais se dão quando há desacato contra seus superiores hierárquicos na corporação, mas não quando há desrespeito aos direitos da população civil.

Ela falou, ainda, que é comum a negação de direitos básicos das pessoas detidas, como acesso a advogados.

Convidados explicam legitimidade de luta por moradia

Durante a reunião, muitos dos presentes também falaram sobre a legitimidade da luta pela moradia. “A Constituição da República diz que todos os brasileiros têm direito à moradia, mas 14 mil mineiros não têm um teto para dormir nessa noite fria. É contra injustiças como essa que nós lutamos”, disse Poliana Souza, do MLB. “E se não fosse nossa luta, hoje, além desses 14 mil, Minas Gerais teria mais 25 mil pessoas nas ruas, porque esse é o número de casas que nós construímos até 2016”, completou.

Leonardo Péricles, da UP, salientou, ainda, que a propriedade privada não é um direito absoluto, já que a mesma Constituição que protege esse direito diz que a terra precisa ter função social. Assim, se a terra está abandonada e sem cumprir função social ao mesmo tempo em que pessoas dormem na rua, é direito ocupar aquele local.

Os dois salientaram que, além de atuarem no vácuo do Estado, que se nega a colocar em prática uma política eficiente de habitação, as ocupações também atuam oferecendo outros serviços que deveriam ser oferecidos pelo Poder Público.

Creches para as crianças, de forma a permitir o trabalho das mães, foi um exemplo dado por Poliana Souza de serviço que costuma ser organizado nas ocupações. Além disso, ela citou cooperativas e formas de geração de renda, com a oferta de trabalhos de costura ou construção civil, por exemplo. “Nós, pobres, temos todos os direitos negados todos os dias. E, cada vez mais, somos também impedidos de lutar por esses direitos que já deviam estar garantidos”, disse Leonardo Péricles.

A defensora pública Júnia Carvalho concordou com eles e ressaltou que a Constituição da República protege o direito de manifestação, de greve e de organização.

Arbitrariedades se repetem, segundo convidados

Foi unânime entre os presentes a afirmação de que a prisão dos três líderes em abril não foi um caso isolado. Várias situações recentes foram lembradas, como o tiro de borracha na boca de uma adolescente de 14 anos em 2017.

Os presentes questionaram, em especial, a atuação dos policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar, que atua na região do Barreiro. Rafael Morais Gomes, do projeto Minha Quebrada, afirmou que recentemente um deles assassinou um jovem de 20 anos com um tiro nas costas.

O Frei Eustáquio Gouveia relatou uma situação em que ele foi agredido por um policial durante uma manifestação sob os gritos de que ele, como padre, deveria dar o exemplo e não estar lá. “Fiquei me perguntando de que lado Jesus Cristo estaria naquele momento. Eu acredito que do lado em que eu estava”, disse.

Frei Gilvander, da Pastoral da Terra, também defendeu os presentes e disse que atestava, enquanto testemunha ao longo de muitos anos, a idoneidade daqueles que foram presos em abril.

O auditório onde a reunião foi realizada estava lotado. A maioria dos presentes é morador de ocupações urbanas de Belo Horizonte. Muitos pediram a palavra e relataram situações de constrangimentos gerados por abordagens sem razão por parte de policiais, bem como invasões de domicílios e ameaças no dia a dia das comunidades. Também houve relatos de que, nos casos graves, eles tentam gravar os acontecimentos, mas têm seus celulares quebrados pelos policiais.

Diálogo - A deputada Beatriz Cerqueira reafirmou sua posição de defender os movimentos sociais e o direito à moradia. Ela criticou o atual governo por abandonar a Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, instrumento criado na gestão anterior, de Fernando Pimentel (PT), para garantir o diálogo entre as partes envolvidas nos conflitos.

Ela disse, ainda, que foi informada de que as ações de reintegração de posse chegam a custar mais de R$200 mil. “Os liberais aí, que defendem o ‘não-estado’, o que têm a dizer sobre isso? Esse dinheiro não poderia ser utilizado em um mecanismo mais pacífico de resolução de conflitos?”, questionou. As deputadas Leninha (PT) e Andréia de Jesus (Psol) também manifestaram seu apoio à luta por moradia.

Consulte o resultado da reunião.