Reunião também marcou o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido
Maquete representa a vida de agricultores no semiárido e sua luta pela água
Acesso à água deve ser prioridade nas políticas para o semiárido

País tem dívida histórica com povos do semiárido

Reunião desta terça-feira (9) debateu soberania e segurança alimentar, além do acesso à água nessa região.

09/07/2019 - 17:20

No Brasil, 1.271 municípios, 12% da população nacional e 38% da população rural estão no território do semiárido. “O País tem uma dívida histórica com os povos do semiárido, que inclui populações tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, vazanteiros, geraizeiros e outros”, disse a coordenadora nacional da Articulação dos Povos do Semiárido (ASA), Valquíria Alvez Smitz Lima. Criada há 20 anos, a ASA conta com mais de três mil entidades associadas em todo o País. 

Ela foi uma das participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta terça-feira (9/7/19). A reunião teve o objetivo de debater a soberania e segurança alimentar, o acesso à água para o abastecimento humano e para a produção de alimentos, na perspectiva da convivência com o semiárido, tendo em vista o agravamento das condições climáticas e o refluxo nas políticas públicas nos últimos anos.

Valquíria lamentou os cortes em políticas sociais em nível nacional e estadual, nos últimos anos, acrescentando que “nenhum dos avanços obtidos teria sido possível sem um diálogo entre sociedade e governo”. “E o Governo de Minas tem que entender isso”, afirmou.

Valmir Soares de Macedo, da coordenação estadual da ASA, criticou as “políticas que beneficiam grandes empreendimentos como a monocultura do eucalipto e a mineração, que resultam em prejuízos para as populações”. Reconheceu, porém, que a presença do governador Romeu Zema, em fins de junho, em regiões do semiárido mineiro, “trouxe alguma esperança”.

Acesso à água - A audiência desta terça foi convocada pela presidenta da comissão, deputada Leninha (PT). Segundo ela, nos últimos 15 anos o Norte do Estado e o Vale do Jequitinhonha avançaram no desenvolvimento de tecnologias de armazenamento da água de chuva. Para esse trabalho, disse, foi fundamental o papel da ASA, que disseminou o conceito de convivência em contraposição ao combate à seca.

Presente em todo o semiárido brasileiro, a entidade congrega, em Minas Gerais, uma rede de 120 organizações, com o objetivo de garantir o acesso à água e fortalecer a soberania e segurança alimentar. Com o programa Um Milhão de Cisternas, já beneficiou 210 mil mineiros. É o maior programa de acesso à água do mundo, premiado internacionalmente.

A presidenta da comissão afirmou que “o direito à água deve ser garantido por orçamento e políticas públicas destinados à convivência com o semiárido”. Nesse sentido, defendeu o diálogo entre governo e organizações da sociedade. Com ela fez coro o presidente da Comissão de Participação Popular, deputado Doutor Jean Freire (PT).

“É no semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo resiste”

Com essa palavra de ordem repetida diversas vezes, o público presente à audiência, composto, em sua maioria, por pequenos agricultores, defendeu o conceito de convivência com o semiárido por meio de políticas públicas e a partir do diálogo com a população. Foi o caso de Marlene Ferreira da Silva, agricultora de Capitão Enéas (Norte). “Água potável é direito de todos nós, para termos saúde e boa alimentação”, afirmou.

Como ela, o agricultor Jorge Rodrigues, de Felisburgo (Jequitinhonha), disse que “não adianta ter caminhão-pipa se não tiver cisterna para armazenar a água”.

Marilene Faustino Pereira, da Secretaria de Políticas Agrárias e Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetaemg), disse que “o problema não é a seca, são as cercas” e, assim como o acesso à água, defendeu também o acesso à terra.

Convivência com semiárido resulta em frente parlamentar

“A água é a base de toda forma de vida e sua oferta é uma responsabilidade pública”. A frase inicia o manifesto da Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido, que foi lançada na reunião desta terça.

Entre outras demandas, o documento reivindica a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.968/16, que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido e o Sistema Estadual de Convivência com o Semiárido. O PL estabelece parâmetros e prioridades para o desenvolvimento sustentável e solidário do semiárido mineiro e requer a universalização do acesso à água com qualidade e quantidade adequadas.

Ex-ministro alerta para a ameaça à vida

No lançamento da frente estadual, esteve presente também o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), secretário-geral da Frente Nacional de Defesa da Convivência com o Semiárido, ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no Governo Lula, e do Desenvolvimento Agrário, no Governo Dilma.

“Teoricamente, a água é um bem comum, mas hoje está se tornando escassa, porque a terra é a guardiã das águas, mas no Brasil o direito de propriedade é muito atrasado, data do século XIX. A função social da terra está presente em todas as Constituições desde 1934, mas nunca foi de fato respeitada. O direito à propriedade pressupõe também um compromisso com o bem comum”, declarou o ex-ministro.

O lançamento da frente também foi celebrado pelo deputado Professor Cleiton (DC). Embora natural de Varginha (Sul do Estado), o deputado salientou que conheceu de perto os problemas da seca porque viveu oito anos no semiárido do Tocantins.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) também saudou o lançamento da frente e questionou o governo Zema, “que tem como princípio estruturante a ideia de que o Estado é problema e tem que ser retirado da vida das pessoas”. “O Estado tem que estar a serviço das pessoas e da elaboração de políticas públicas”, disse.

Dificuldades - O diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene), Nilson Borges, disse que é um desafio para o órgão atender a todos os 258 municípios em que está presente, devido às restrições orçamentárias. Mas acentuou que é missão do Idene fortalecer os municípios, gerando emprego e renda e reduzindo as desigualdades, e garantiu que “o Governo de Minas tem isso como prioridade”.

O presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, Élido Bonomo, criticou o governo Bolsonaro, que propôs o fim dos conselhos sociais e vetou a ida do Consea para o Ministério da Cidadania.

Consulte resultado da reunião.