Debate ouviu membros do Ministério e da Defensoria Pública sobre projeto de lei que pretende revogar lei sobre desocupações
Segundo Helder Magno, lei não desautoriza decisões judiciais, mas coíbe abusos
Afonso Henrique lamentou que a comissão não seja efetivamente colocada em prática
Projeto que extingue comissão de acompanhamento de desocupações divide opiniões

Comissão especial nos processos de desocupação é defendida

Lei que prevê acompanhamento de operações policiais em reintegração de posse é tida como constitucional e conciliatória.

02/07/2019 - 20:21 - Atualizado em 03/07/2019 - 13:01

A Lei 13.604, de 2000, determina que uma comissão especial, formada com representantes dos três Poderes, acompanhe processos de reintegração de posse em áreas ocupadas por assentamentos rurais ou urbanos em Minas. No entanto, a norma pode ser revogada pelo Projeto de Lei (PL) 492/19, de autoria do deputado Delegado Heli Grilo (PSL). Nesta terça-feira (2/7/19), convidados de audiência pública defenderam a manutenção da norma.

A Comissão de Administração Pública se reuniu, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), para ouvir membros do Poder Judiciário, Ministério e Defensoria Pública. Conforme foi explicado na reunião, a comissão prevista em lei deve estar presente em todas as operações policiais que promovam as desocupações, sendo os representantes indicados pelos próprios chefes do Executivo, do Judiciário e do Legislativo.

Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, Helder Magno da Silva, o Código de Processo Civil (CPC), em vigência desde 2015, deu um salto de qualidade ao estabelecer mecanismos para uma justiça consensual, construída entre as partes e os operadores do Direito no transcurso dos processos. “Nesse sentido, a lei estadual em análise tem em seu favor a evidente estratégia da conciliação, mesmo depois de deferida a ordem judicial”, ressaltou.

Ele explica que a norma não desautoriza as decisões dos juízes, mas permite que a execução da reintegração de posse seja realizada de modo a coibir abusos policiais, abusos de autoridade que, por vezes, permeiam essas operações. Para o procurador, as atividades de qualquer agente público podem e devem ser fiscalizadas.

Helder Silva explica ainda que a atribuição de legislar sobre processo civil é da União, no entanto, os Estados podem fazer leis estabelecendo procedimentos. Dessa forma, de acordo com ele, não há invasão de competências. "A Lei Federal 13.140, de 2015, incentiva até a criação de mecanismos como o implementado pela lei estadual ainda em 2000”.

Lei que pode ser revogada é constitucional

Conforme o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, do Ministério Publico do Estado, o procurador de Justiça Afonso Henrique de Miranda Teixeira, a Lei 13.604, de 2000, não padece de nenhum vício de inconstitucionalidade. “O Legislativo tem a prerrogativa de revogá-la, mas não é adequado fazer isso com a alegação de que a lei seja inconstitucional”, ressalta.

Para o procurador, o acompanhamento da atuação policial nos procedimentos de desocupação não coloca os policiais militares em xeque, pelo contrário, preservaria e legitimaria o trabalho deles. Na verdade, segundo Afonso Teixeira, deve-se lamentar o fato de que a comissão especial não seja efetivamente posta em prática.

“Se não encontrarmos mecanismos para resolver os conflitos agrários e urbanos, vamos reduzir essas questões a casos policiais. Vamos colocar esses policiais no front de uma questão social muito mais ampla. A revogação dessa lei atenta contra as normas processuais que buscam a mediação. Querem retirar do cenário jurídico uma lei que nunca impediu o cumprimento de uma decisão judicial”, salienta o coordenador.

Cleide Aparecida Nepomuceno, representante da Defensoria Pública de Minas Gerais, contou que, em geral, “quando alegamos o descumprimento da função social da terra nos processos referentes a conflitos fundiários, nós perdemos; o direito de propriedade ainda é visto como absoluto”.

“No mínimo, temos que garantir que a desocupação seja feita de forma a não ferir os direitos dos assentados”. Conforme a defensora pública, a norma conversa com os princípios da mediação de conflitos e já se mostrou ser mais viável economicamente. Por isso, ela pede a manutenção da lei.

Já o desembargador Alberto Diniz Júnior, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, afirmou que preferia não se posicionar pontualmente sobre a revogação da lei em debate. Ao falar sobre sua atuação, ao longo de quatro anos, como juiz agrário, o magistrado disse que a maioria desses conflitos são provenientes da região do Triângulo mineiro. Nesse período, ele diz ter alcançado uma solução consensual em cerca de 90% das demandas.

Deputados divergem sobre a revogação da lei

Parlamentares divergiram sobre a revogação da Lei 13.604, de 2000. A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a audiência pública, afirmou que a lei não entra no mérito das ocupações ou dos assentamentos. “A extinção da norma não vai eliminar os 204 conflitos rurais, 114 urbanos e 36 socioambientais existentes no território mineiro”, pondera.

Também as deputadas Leninha (PT) e Andréia de Jesus (Psol) defenderam a preservação da norma. A última lembrou que a lei foi promulgada como resposta à morte de duas pessoas, após operação policial de reintegração de posse, em Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte), onde famílias se encontravam assentadas, em meados de 1999.

Já o autor do projeto, deputado Delegado Heli Grilo, afirmou que, em Minas, há 75 ocupações que “são, na verdade, invasões” com sentenças de reintegração de posse deferidas pelo Poder Judiciário, mas que não foram cumpridas. Para ele, a mediação é bem-vinda durante o processo, “dada a ordem judicial, é preciso cumpri-la”. O parlamentar ainda considerou que o posicionamento dos membros dos Ministérios Públicos e da Defensoria quanto à constitucionalidade da lei foi subjetivo, “não se ativeram à análise técnica”.

O deputado Sargento Rodrigues (PTB) manifestou apoio ao colega: “essa lei deve ser varrida do nosso ordenamento jurídico”. De acordo com ele, a norma já foi utilizada, inclusive pelo ex-deputado da ALMG, Durval Ângelo, para interferir em operações policiais. Sargento Rodrigues disse ainda que a matéria deveria passar pela análise da Comissão de Segurança Pública.

Por fim, Beatriz Cerqueira disse que a avaliação sobre o caráter técnico ou não dos posicionamentos não pode ser feita na base da concordância ou não com as informações prestadas.

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