Servidores adoecidos relataram entraves para obter aposentadoria por invalidez, assegurar apoio durante os tratamentos, além de descaso nas perícias
Dispensada pelo Estado, Natalice Costa indagou:
Carlos Marques disse que perícia se baliza em questões técnicas ou legais

Estado é acusado de abandonar servidores doentes

A reclamação é de que os peritos dificultam concessão de licenças médicas e aposentadorias por invalidez.

04/06/2019 - 20:30 - Atualizado em 05/06/2019 - 12:26

Natalice de Oliveira Costa, 39 anos, assistente técnica de educação básica (ATB) de Santa Cruz de Salinas (Norte de Minas), tem problema crônico de coluna, sofre de depressão, síndrome do pânico e depende de hemodiálise três vezes por semana. Afastada do serviço desde 2015, acabou de ser dispensada e perdeu o direito ao salário porque a perícia do Estado a considerou apta ao trabalho.

Histórias diferentes, mas dramas com a mesma intensidade, foram relatadas nesta terça-feira (4/6/19), durante audiência da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Onze outras servidoras e mais um servidor, todos da rede pública de ensino estadual, de diferentes cidades e regiões de Minas, fizeram depoimentos que provocaram comoção e revolta aos participantes da reunião. Todos adoecidos e passando problemas para obter aposentadoria por invalidez ou assegurar a garantia de apoio durante os tratamentos.

Natalice conta que sofre com dores fortes por todo o corpo, desde que os médicos detectaram um problema na coluna. Em outubro de 2016, finalmente diagnosticaram insuficiência renal, segundo ela, devido ao excesso de anti-inflamatórios tomados para combater a doença na cervical.

Há 18 meses, Natalice viaja três vezes por semana por quase 100 quilômetros para se submeter ao tratamento de hemodiálise e há um ano está na fila à espera de um transplante. Apesar de todo o sofrimento, na última perícia a que se submeteu, dia 15 de maio deste ano, a técnica foi considerada apta para o trabalho e dispensada do Estado. “Como posso trabalhar? Quando, onde? Quem vai me dar emprego”?, indagou.

Ela é uma das milhares de servidoras abarcadas pela Lei Complementar nº 100, de 2007, que tentou efetivar profissionais contratados sem concurso público e que foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Por mobilização de sindicatos e da ALMG, os servidores que deviam ter sido dispensados em 2015, mas estavam de licença médica ou em tratamento de saúde, obtiveram o direito de permanecer sob a proteção do Estado, até que se recuperassem ou fossem aposentados. O prazo termina em dezembro deste ano, mas muitos continuam ainda sem definição sobre suas situações.

Histórias semelhantes de servidores adoecidos que não conseguem mais trabalhar; de descaso e humilhação, especialmente para os “atingidos da Lei 100”, completam os relatos feitos na audiência. Alguns deles estão há meses sem receber seus salários e sem condições de arrumar emprego em outro lugar.

A representante do Grupo das Amparadas pela Lei Complementar nº 145/2017, Alexandrina Paula Ferreira de Oliveira, reclamou que são concedidas licenças de curto prazo, gerando muito estresse e custos para os servidores. Também criticou a demora na divulgação do resultado do laudo, outro fator de angústia e insegurança.

Peritos alegam que legislação impede afastamentos

O perito Carlos Tadeu Villani Marques, responsável pela Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional (SCPMSO) da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) explicou que as licenças médicas e as aposentadorias para os atingidos pela Lei 100 só podem ser concedidas se for constatada que a doença foi adquirida em 2015. Segundo ele, os males surgidos após esse período não podem ser considerados para a aquisição dos benefícios.

“A perícia se baliza em questões técnicas ou legais; muitas vezes parece que estamos em lados opostos, mas o perito precisa ser imparcial”, justificou.

Disse, ainda, que alguns benefícios, como aposentadoria por invalidez, precisam ser avalizados por uma junta médica; e outros por, pelo menos, três peritos. Isso justificaria a dificuldade dos servidores do interior, que muitas vezes precisam se deslocar até a Capital.

Carlos Marques ainda diferenciou a doença da incapacidade para o trabalho. Para ele, o servidor será considerado inapto, se a enfermidade tiver relação com o serviço desempenhado ou tiver o risco de piorar com o retorno do trabalhador. Ele citou o próprio exemplo de hipertenso, que não o incapacita a exercer a profissão de médico perito.

Sobre as denúncias de mau atendimento e humilhações durante as perícias, Villani ressalvou que são realizadas mais de 300 mil consultas por ano e que casos assim acontecem. Lembrou que o contrário também eventualmente ocorre, quando servidores ameaçam os peritos. Ele pediu que as acusações sejam formalizadas com nome dos profissionais, local e hora.

Para participantes, lei não pode sobrepor à vida humana

A explicação do perito indignou os participantes da reunião. A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião, refutou os argumentos ao lembrar que o Estado é que não conseguiu resolver o problema dos servidores doentes dentro do prazo estipulado, inicialmente até 31 de dezembro de 2015. 

A deputada afirmou que conhece dezenas de casos de profissionais com câncer ou em tratamento da doença, que são considerados aptos para o trabalho. Outros que trabalharam décadas como designados, mas que foram considerados inaptos ao fazer os testes pré-admissionais após aprovados em concurso público. “Serviam enquanto estavam sem vínculo, mas não servem para ser efetivados”, disse ela.

Para a deputada não se pode responsabilizar a Assembleia pela falha na legislação e, sim, o governo por não cumprir com a responsabilidade proposta nela. “Não estamos falando de normas, estamos falando da vida".

A diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUte), Denise de Paula Romano, também criticou o posicionamento do representante do Estado. 

“Não tem lei que pode ser acima do humano”, reforçou a diretora do Sindicato dos Servidores do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), Antonieta de Cássia Dorledo de Faria. “O que estamos vendo é a ausência de Estado”, completou o diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (SindSaúde), Renato Barros.

Sugestões – O diretor Educacional do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de Minas Gerais (Sindpublicos), Eduardo Sérgio Coelho, sugeriu que se elabore uma política estadual de saúde ocupacional e segurança no trabalho, que consiga oferecer maior proteção ao servidor mineiro. Também sugeriu regionalizar o serviço de perícia médica para facilitar aos servidores do interior e desafogar os profissionais da Capital.

A deputada Celise Laviola (MDB) solicitou melhoria no acolhimento dos peritos aos servidores adoecidos e igualdade entre os efetivos e os designados. “A forma do tratamento influencia na situação de saúde e pode causar ainda mais adoecimento”, advertiu.

O deputado Doutor Paulo (Patri) solicitou ao superintendente da Perícia que regularize a situação da servidora Natalice e mais atenção para evitar erros semelhantes. Também sugeriu redução de prazo para a análise de recursos apresentados por aqueles que têm os benefícios negados. “O estado tem que gerir sua própria administração; se está carente de perito, de recursos, ele que resolva. Não podemos passar essa responsabilidade para o servidor”, argumentou.

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