Mais de 300 nomes de mulheres envolvendo casos relacionados a feminicídio foram bordados em varal que compõe exposição na Galeria de Arte
Órgãos públicos, parlamentares e organizações sociais lotaram o Salão Nobre para debater a luta e os desafios pela conquista de direitos das mulheres

Resistência é defendida na ALMG em evento pelo Dia da Mulher

Autonomia financeira, presença nos espaços de poder e educação desde a infância são defendidos no combate à violência.

08/03/2019 - 17:10

“Somos símbolo da história de uma luta que não termina nunca”, afirmou nesta sexta-feira (8/3/19) a socióloga Elizabeth Fleury, uma das idealizadoras do Movimento Quem Ama não Mata, surgido ainda na década de 1980, período marcado por uma série de assassinatos de mulheres cometidos por seus companheiros em nome da “legítima defesa da honra”.

Quatro décadas à frente, Elizabeth participou na manhã desta sexta-feira (8/3/19) da abertura do evento Sempre Vivas - Mulheres em Luta contra a violência, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e entidades parceiras para celebrar este ano o Dia Internacional da Mulher. A programação prossegue por toda a tarde, com rodas de conversa e debates na Praça Sete. Outras atividades estão previstas na Assembleia ao longo do ano.

A abertura do evento reuniu parlamentares, representantes de dezenas de organizações sociais e de órgãos como Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública no Salão Nobre da ALMG, onde a cantora Doris, servidora da Secretaria de Estado de Educação, entoou a canção Juízo Final, de Nelson Cavaquinho, em que os versos “o sol há de brilhar mais uma vez” e “quero ter olhos para ver a maldade desaparecer” foram compartilhados com vozes vindas da plateia que lotou o espaço.

Próxima ao salão, a Galeria de Arte da ALMG abrigou a inauguração da exposição "Memórias de mulheres mineiras e brasileiras em busca de seus direitos", que tem Elizabeth como curadora e que estará aberta à visitação pública até o dia 22.

Feminicídio em linhas - Katiele, 22 anos, de Francisco Sá (Norte), golpes de facão no pescoço e nas costas. Akiria, 20 anos, de Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte), golpe de martelo na cabeça, deixou filhos de um, dois e quatro anos de idade. Helena, 50 anos, de Monte Carmelo (Alto Paranaíba), golpes de enxada.

Consumados, esses assassinatos de mulheres estão entre centenas de outros identificados num varal bordado para a mostra “Feminicídio, bordando a resistência, do coletivo Linhas do Horizonte, que também integra a exposição da Galeria de Arte.

São estampados mais de 300 nomes de mulheres envolvendo casos relacionados a feminicídio, tentados ou consumados em todo o País, somente nos primeiros dois meses deste ano.

Outra mostra da exposição é “Mulheres cabulosas da história”, da organização Mulheres do Levante Popular. “Por que não lembrar de Dandara quando se fala de Zumbi? Ou de Maria Bonita quando falamos de Lampião”? questionou a curadora Nathália Ramos, frisando que o objetivo é valorizar mulheres importantes, mas que foram resumidas a pequenas citações nos livros, ou nem isso. 

Deputado destaca que luta é de todos

O 1º vice-presidente da ALMG, deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB), defendeu na abertura do evento o aprimoramento de políticas públicas voltadas para questões de gênero.

Representando o deputado Agostinho Patrus (PV), presidente da Casa, ele também destacou a importância para o Legislativo da Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Mulher ter se tornado permanente na ALMG no ano passado.

Em seu discurso, o parlamentar também mencionou aumentos recentes nos casos de violência doméstica, observando que muitas vezes eles têm sido acompanhados de estupros e mortes, e também citou desigualdades salariais que ainda atingem as mulheres nos dias de hoje. O deputado defendeu o combate à cultura do medo e da opressão e destacou a importância de uma maior inclusão das mulheres nos espaços de poder.

“Nem exclusão, nem silêncio é o que buscamos hoje, e sim resiliência e resistência das mulheres. Essa é uma luta de todos, independentemente de gênero”, frisou o 1º vice presidente da Casa, que ainda prestou homenagem às mulheres mineiras afetadas pelo rompimento das barragens de rejeitos de mineração em Mariana (Região Central) e em Brumadinho (RMBH).

Deputadas condenam violência institucional e defendem autonomia financeira

“É preciso envolver os homens junto com a gente, pois a luta das mulheres contra a violência deve ser abraçada por todos e todas”, endossou a presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, deputada Marília Campos (PT), 

Abordando diversas situações de violência sofrida pelas mulheres dentro de casa, em ônibus coletivos e no trabalho, a deputada alertou para situações de violência institucional, segundo ela "cometida por homens que querem diminuir e desvalorizar a mulher convocando-as a se calarem".

Marília Campos anunciou que nesta sexta (8) estava reapresentando, à Mesa da Assembleia, projeto de resolução, proposto ainda em 2016, para que a violência de deputados contra deputadas seja considerada quebra de decoro parlamentar.

A deputada pediu apoio à proposta e ainda avaliou o contexto brasileiro atual. Segundo ela, as mulheres são as mais afetadas pela reforma trabalhista em vigor, por exemplo pela falta de garantias à figura do trabalho intermitente. O mesmo deverá ocorrer com a redução de benefícios previdenciários e de prestação continuada, com sua desvinculação do salário mínimo, previu a parlamentar quanto à proposta de reforma da previdência enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional.

“Essas são medidas de retrocesso, que provocam a perda da autonomia financeira das mulheres, submetendo-as à violência dentro de casa”, advertiu Marília Campos, sendo endossada pelas deputadas Laura Serrano (Novo) e Andreia de Jesus (Psol), vice-presidente da comissão.

Laura Serrano destacou que a quase a totalidade das situações de abusos domésticos por parte dos parceiros estaria relacionada de alguma forma ao poder econômico e defendeu o incentivo ao empreendedorismo das mulheres.

Já Andreia de Jesus defendeu ações como de combate ao trabalho escravo de mulheres e de estímulo à agricultura familiar, cobrando ainda fiscalização da legislação eleitoral quanto à exigência de que 30% das candidaturas sejam destinadas às mulheres. Segundo a parlamentar, a fiscalização é necessária para que “laranjas” não sejam usadas pelos partidos como forma de se apropriarem da luta das mulheres por maior espaço na política.

Na mesma direção, a deputada Rosângela Reis defendeu a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante pelo menos uma vaga para mulheres na Mesa da Assembleia, tendo a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) lembrado que as mulheres representam mais de 50% da população e 52% do eleitorado. “Precisamos ocupar mais espaços de representatividade nas casas legislativas”, destacou.

Educação - Por sua vez, as deputadas Ione Pinheiro (DEM) e Delegada Sheila (PSL) destacaram especialmente a importância da educação infantil e de jovens como forma de mudar a cultura machista ainda existente na sociedade.

“O inimigo está dentro de casa. É o companheiro ou o filho. Temos que educar nossas crianças a amar e respeitar nossas meninas”, registrou Ione Pinheiro.

Delegada Sheila lembrou, por outro lado, que a Lei Maria da Penha está entre as três melhores legislações de combate à violência doméstica do mundo, segundo a ONU. “Ainda assim tivemos recorde de casos de feminicídio em 2018 e precisamos de uma reflexão mais técnica e aprofundada sobre essa realidade", pontuou.

Já a deputada Beatriz Cerqueira (PT) ressaltou, entre outros, a importância do respeito e da solidariedade entre todos e todas também no Parlamento, independentemente de divergências ideológicas que, segundo frisou, “devem mesmo existir” numa casa legislativa.

Assim como outras parlamentares, ela fez uma saudação à vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em março do ano passado, e cobrou a punição dos culpados.

Celise Laviola (MDB) destacou a presença de diversos deputados na abertura do evento, tendo o deputado Doutor Jean Freire (PT), membro suplente da comissão, defendido que a ALMG aprove com celeridade diversos projetos de lei existentes na Casa tratando da proteção às mulheres em vários campos.